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Mercados dão sinais ruins da economia global

Veículo: O Estado de São Paulo

Seção: Economia

Cotações das moedas, commodities e bônus de governos indicam que aumentou o risco de uma desaceleração da economia global

Spencer Platt/AFP

Em queda, o índice S&P 500, da Bolsa de Nova York, nos EUA, está perto de ter perdas este ano

Não faz muito tempo que o terror que pairava sobre os mercados financeiros globais era de que as coisas estavam ficando calmas demais. Ainda neste verão americano, autoridades do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) estavam preocupadas com o fato de os mercados estarem tão estáveis que poderiam criar complacência, e escreviam sobre uma elevação mundial nos preços dos ativos.

Apesar de muitos americanos não perceberem plenamente - embora a queda enervante de um amplo leque de mercados globais ontem, deveria ter chamado nossa atenção coletiva - o outono americano trouxe um conjunto bem mais grave de preocupações com uma série de mergulhos em mercados financeiros mundo afora.

Território negativo. Só ontem, o índice Standard & Poor’s 500 caiu por alguns instantes em território negativo para o ano e os investidores em taxa de juros estavam dispostos a aceitar bônus do Tesouro americano com vencimento em 10 anos com rendimento um pouco abaixo de 2% pela primeira vez desde junho de 2013. (No fim da manhã, o S&P havia caído 1,4% para o dia e subido um pouco para o ano, e o bônus do Tesouro de 10 anos retornara a 2,05%).

Mas estes movimentos fundamentam uma história maior: muitos indicadores cruciais em mercados internacionais de bônus, moedas e commodities apontam para um risco aumentado de uma desaceleração econômica mundial que pode estar fora da capacidade das autoridades econômicas barrarem. Ela inevitavelmente poderia repercutir até mesmo na economia americana relativamente forte.

As pessoas que monitoram os diversos mercados globais para compreender o que futuro nos reserva estão acompanhando de perto esses indicadores.

Rendimento de bônus. Quando o panorama econômico se torna mais sombrio, os investidores tendem a colocar seu dinheiro em bônus governamentais de países considerados seguros, lugares dignos de crédito para guardar dinheiro. Além disso, quando o panorama econômico parece piorar, os investidores supõem que os bancos centrais manterão as taxas de juros baixas por mais tempo, por isso têm de aceitar taxas de juros mais baixas mesmo em bônus de longo prazo.

Estes dois fatores juntos significam que a mudança nos rendimentos de bônus do governo de países avançados funciona como um indicador conveniente para se saber se as expectativas econômicas estão se tornando mais otimistas ou mais pessimistas.

Sinais. Os sinais são inequívocos. Dos EUA à Europa Ocidental, ao Japão, as taxas de juro de longo prazo estão caindo.

Considere-se agora o pano de fundo nos EUA: durante os três primeiros trimestres de 2014, a criação de empregos melhorou consistentemente e o Fed deu continuidade a seus planos de encerrar a compra de bônus de longo prazo este ano (e sinalizou fortemente que aumentará as taxas de juros no próximo ano). As pessoas sabiam de tudo isso em dezembro passado, e esperavam que as taxas de juros ficariam estáveis ou mesmo subiriam este ano. E elas teriam estado muito erradas: os bônus do Tesouro de 10 anos rendiam 3% no início do ano, valor que agora caiu para 2,2%.

Portanto, está havendo alguma outra coisa não relacionada ao Fed ou ao quadro de crescimento nos EUA. E ao que parece, ela envolve o panorama da inflação.

Inflação. Podemos aferir quanto os investidores no mercado de bônus esperam que os preços subam nos anos futuros com base na diferença de preços entre bônus regulares e os indexados à inflação. E essa medida nos últimos meses vem apontando para uma forte queda nas expectativas de inflação.

Mas por que isso acontece? Afinal, a teoria econômica padrão sugeriria que se a economia está se fortalecendo, ela deveria empurrar a inflação para cima. Os trabalhadores têm mais chance de conseguir aumento agora que a taxa de desemprego está abaixo de 6% do que quando ela era de dois dígitos, por exemplo.

Isso é verdade, é claro, mas os EUA não são uma ilha. E neste momento, há algumas forças mundiais poderosas empurrando os preços para baixo.

Preço das commodities. Dê uma olhada em alguns dados relativos ao mundo das commodities - as matérias-primas que alimentam e abastecem o mundo. Quase todas tiveram acentuada queda no preço nos meses recentes. O petróleo perdeu cerca de US$ 20 por barril, o equivalente a cerca de 22%, desde 30 de junho. O preço do milho no mercado futuro teve queda de impressionantes 31% desde sua recente alta no fim de abril.

Isso é péssima notícia para os agricultores e produtores de energia, mas há benefícios para as pessoas comuns, que podem abastecer o carro por menos e, potencialmente, alimentar-se gastando menos (esse último impacto é mais importante nos países mais pobres onde o alimento representa grande parcela das despesas da população).

Mas qual é a grande lógica em funcionamento? Por que o preço do combustível e do alimento está caindo tão rápido, e até que ponto isso explica o declínio global nos juros e nas expectativas de inflação? Afinal, se este fosse apenas um fenômeno peculiar e temporário, as oscilações nesses preços não deveriam nos dar motivo de preocupação quanto ao futuro da economia global.

Boom da energia. Cada commodity está sujeita à sua própria oferta e procura, e os analistas de cada setor podem apontar para vários fatores que, combinados, contribuem com a queda nos preços. O boom da energia nos Estados Unidos, incluindo a nova produção no Texas e na Dakota do Norte, é uma parte importante desse quadro. Debates dentro da Opep envolvendo um eventual corte na produção para tentar provocar uma alta nos preços não tiveram sucesso. De maneira semelhante, este foi um ano de imensa produção para o milho e a soja dentro dos EUA, e também para o trigo na Europa.

Mas se a situação fosse apenas uma queda de preços nas commodities, não está claro por que os investidores globais enxergariam isso como algo além de uma mudança pontual. E o movimento no preço das obrigações não está apenas nos títulos com vencimento nos próximos dois, três ou cinco anos, mas naqueles com prazo de 10, 20 ou 30 anos.

Moeda. Pense no valor do dólar. Embora este afete o preço das commodities e seja afetado por eles, os principais fatores que o definem são a mudança nos juros, o crescimento econômico e os níveis de inflação em diferentes países. E a moeda americana tem se valorizado diante das moedas de outros países desde meados do ano, período no qual os preços e expectativas de inflação tiveram queda em todo o mundo.

A valorização do dólar é mais acentuada nos locais onde o panorama econômico doméstico é pior, como na Europa, em especial, mas também no Brasil, Japão e, possivelmente, China.

Se tomarmos tudo isso em conjunto, o que temos como resultado? Eis o que parece se encaixar melhor nas evidências: A economia mundial ainda não se recuperou da mais recente recessão.

Sem confiança. Além disso, os investidores estão sem confiança nos governantes, acreditando que esses não contam com as ferramentas necessárias para evitar um novo mergulho na recessão após anos de tentativas frenéticas para tentar estimular a recuperação e evitar a deflação, ou queda dos preços. Coincidentemente, o preço das commodities está caindo rapidamente, sobretudo em razão da oferta, mas o momento em que tal declínio ocorre é ruim: isso aumenta bastante o risco de deflação.

Deflação. Se somarmos tudo isso, vemos que os mercados não estão apostando necessariamente numa catástrofe: se fosse o caso, o preço das ações estaria mais baixo. Mas apostam que os bancos centrais e outras entidades responsáveis pelas políticas econômicas não serão capazes de controlar as forças deflacionárias globais que foram liberadas. Isso significa que talvez estejamos num período de árduo progresso no qual o crescimento global e a inflação se mantêm abaixo do ponto em que deveriam estar para as pessoas de todo o mundo avançado.

é muito melhor do que estar nos tentáculos de uma crise financeira, como foi a situação global no segundo semestre de 2008. Mas, passados seis anos, não podemos dizer que a situação seja boa.



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