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Novas pirâmides prometem lucro de até 50% com investimentos em bitcoin

Veículo: O Estado de S. Paulo

Depois da engorda de bois que não nasceram nas Fazendas Reunidas Boi Gordo e dos telefones da Telexfree que não davam linha, uma nova onda de investimentos suspeitos de prática de pirâmide financeira cresce pelo Brasil. Os supostos esquemas, agora, envolvem as moedas virtuais, ou criptomoedas, como o bitcoin. As empresas prometem ganhos de até 50% ao mês sobre o capital aportado pelos investidores.

Essas empresas estão sob a mira do Ministério Público Federal, da Polícia Federal e da Procuradoria da Fazenda Nacional. Nos últimos meses, as autoridades fecham o cerco sobre esses grupos que, segundo a polícia, apresentam-se disfarçados de empresas de investimentos. Supervisionado por essas autoridades, um grupo anônimo de hackers formado por integrantes do mercado de criptomoedas identificou mais de 50 empresas do gênero em atividade pelo Brasil no momento.

Com base em decisões recentes da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), cruzando com investigações em curso pela Polícia Federal e denúncias do Ministério Público, a reportagem chegou a sete dessas empresas.

Todas são tocadas por empresários já conhecidos pela polícia, com histórico de envolvimento em outras piramides financeiras.

Líderes de empresas suspeitas passaram por outras pirâmides

FX TradingGoodreamIndealKing Investimentos e BentleyNasdacoinUnick ForexZero 10

Philip Wook Han e Carla Moreira Han, responsáveis pela FX Trading, tiveram passagem por 3 empresas (iFreex, Mr. Link e WCM777)

Oziel Rodrigues e Alan Souza, responsáveis pela Goodream, tiveram passagem por 8 empresas (19, D9Club, Minerworld, Mister Colibri, Neonn Corporation, Telexfree, Univerteam e Unick Forex)

Regis Lippert Fernandes, Ângelo Ventura Silva, Marcos Antônio Fagundes, Tássia Fernanda da Paz e Francisco Daniel Lima de Freitas, responsáveis pela Indeal, tiveram passagem por 4 empresas (Bboom, D9 Club, Minerworld e Mister Colibri)

Mateus Pedro da Silva Ceccatto e Agnaldo Bergamin de Jesus, responsáveis pela King Investimentos e Bentley, tiveram passagem por 4 empresas (Bboom, D9 Club, Minerworld e Mister Colibri)

James Batista (James Baptist ou, originalmente, Tiago Batista), responsável pela Nasdacoin, teve passagem por 4 empresas (BitConnect, Game Loot Network, iPro Network e SwissGolden)

Leidimar Bernardo Lopes, responsável pela Unick Forex, fundou a Dome Assistência, empresa já extinta, e a Phoner, que vendia cotas e uma mangueira que prometia poupar combustível e resultou em algumas prisões no Rio Grande do Sul

Nivaldo Gonzaga dos Santos, responsável pela Zero 10, teve passagem por 4 empresas (Bboom, Mistercolibri, Paymony e Telexfree)

As autoridades estimam que esses negócios movimentam algumas dezenas de bilhões de reais e que tenham arregimentado, pelo menos, 4 milhões de pessoas. Apenas uma dessas empresas, a FX Trading, contava, segundo a própria empresa, com quase 2 milhões de investidores no final de junho.

De acordo com as autoridades, o alto crescimento desses negócios está no fato de que eles realmente pagam aquilo que prometem no início aos participantes. O dinheiro para os saques seria proveniente dos novos aportes, realizados pelo crescimento da base de clientes, e não resultado dos investimentos que eles dizem realizar.

Para se ter uma ideia, enquanto uma aplicação de renda fixa como um CDB emitido por uma banco de grande porte rende entre 5% e 6% ao ano, as empresas que operam nesse modelo divulgam lucros de 20%, 30% e até 50% ao mês sobre o capital investido.

E, para pagar esse “lucro”, as autoridades dizem que as empresas precisam aumentar sua base de participantes pelo menos de forma proporcional. “Uma empresa que diz pagar 15% de juros ao mês, precisa aumentar sua base de vítimas em pelos menos 15% ao mês”, explica Guilherme Helder, delegado da Polícia Federal do Espírito Santo, que investiga algumas dessas empresas.

Como justificativa para esses rendimentos turbinados, as empresas divulgam vídeos e fazem encontros presenciais com possíveis interessados. Nelas, recorrem ao histórico de oscilação do bitcoin, moeda virtual que, no final de 2017, alcançou uma valorização de quase 1.000% em um ano, chegando a US$ 20 mil - para desabar na sequência e nunca mais recuperar esse patamar.

Os empresários do ramo afirmam aos investidores serem capazes de multiplicar essa oscilação com a técnica da arbitragem internacional das moedas (comprar barato em um país para vender mais caro em outro).

Especialistas, contudo, duvidam da técnica. Segundo eles, apesar de lucrativa, essa arbitragem não é garantia de sucesso há pelo menos dois anos e, mesmo no passado, sempre dependeu de fatores externos ao interesse do operador para ser bem-sucedida.

“Hoje existe uma diferença do preço do Brasil para o exterior, mas é bem menor”, diz Raphael Soffieti, especialista em criptomoedas do Zero Bank. “Até o começo de 2017 existia uma diferença no preço do bitcoin do Brasil para os Estados Unidos de até 15%. Quando começaram a entrar grandes players no mercado, incluindo bancos, essa diferença caiu praticamente para zero. Hoje podemos falar tranquilamente que essa diferença chegou a 1% e, muitas vezes, ela nem existe.”

HACKERS E AUTORIDADES

Das sete empresas identificadas pela reportagem, uma se tornou alvo de uma operação da Polícia Federal, no dia 21 de maio, outra foi denunciada pelo Ministério Público no começo de junho, e outras duas deixaram de operar, concluindo o golpe, na opinião dos investigadores. Em pelo menos um desses casos, da empresa King Investimentos, o fim da operação acabou em caso de polícia. Furiosos, os investidores invadiram a sede do empreendimento na cidade de Rondonópolis, em Mato Grosso, depredaram as instalações e agrediram funcionários.

“A volatilidade das criptomoedas por si só já demonstra que o sistema de rentabilidade fixa nesses modelos de empresas é uma bola de neve em que uma hora novos investidores estarão na verdade remunerando a rentabilidade dos anteriores, o que caracteriza o modelo piramidal, conhecido pelo mercado como esquema de ponzi”, diz a Procuradora da Fazenda Ana Paula Bez Batti.

Segundo ela, a falta de regulamentação do mercado de criptomoedas, onde não há sequer a obrigatoriedade de identificação no momento da abertura de um cadastro nas corretoras especializadas, leva muitas empresas que ela reputa de má-fé a ocultar o registro de seus domínios na internet. “E sumirem com o dinheiro de seus clientes, dificultando para as autoridades identificar os atores dessas fraudes”, conta.

Uma das empresas suspeitas de pirâmide com criptomoedas é a FX Trading, de Philip Wook Han, um brasileiro filho de sul-coreanos, nascido em Foz do Iguaçu (PR). Ele já é investigado pela Polícia Federal por outro esquema de pirâmide, o iFreex, no Espírito Santo e, recentemente, foi alvo de um ato declaratório da CVM, órgão que regula o mercado de capitais no Brasil.

A CVM proibiu a atuação da FX no mercado de valores mobiliários e determinou a suspensão imediata de veiculação de qualquer oferta, sob pena de multa de R$ 1 mil por desrespeito da decisão. A empresa segue em operação. Recentemente, Philip Han colocou quase 7 mil pessoas dentro do Credicard Hall, casa de shows tradicional da zona sul de São Paulo, em um evento de motivação para a FX, decorado por sua coleção de carros importados, que inclui Ferraris vermelhas e McLarens amarelas.

O principal chamariz da FX é a promessa de um retorno de 30% ao mês, com a arbitragem de criptomoedas. Os pacotes de investimento começam em US$ 100 por mês, com lucro de US$ 40. Quem aportar US$ 50 mil terá, segundo a empresa, retorno de US$ 20 mil, com pagamentos aos aplicadores todas as segundas e sextas-feiras. A empresa se diz sul-coreana e, em posts simples nas redes sociais e mensagens de WhatsApp, afirma que está presente em mais de 200 países, com 7 milhões de clientes ativos.

A polícia, contudo, afirma que a FX Trading é operada do Brasil por Philip Han, que hospeda os sites no exterior para dificultar a ação das autoridades.

Em vídeo, Han mostra seus rendimentos. Em dois dias, o empresário diz que faturou US$ 633 mil. Esses vídeos são normais entre os investigados. Fazem parte do clima para arregimentar novos investidores e motivar os atuais.

Em outro vídeo, gravado durante encontro com investidores, Han assume que a empresa opera no esquema de pirâmide. Ele diz que prepara uma forma para devolver o dinheiro dos últimos clientes que ingressarem.

De acordo com um empresário do ramo, também investigado por esquema de pirâmide e que conversou sob a condição de anonimato, os investimentos clandestinos terminam de duas formas: abruptamente ou bem devagar. “A segunda opção é sempre a perseguida pelos estelionatários, que tentam evitar a todo o custo a versão abrupta, que sempre causa furor no mercado”, diz.

BOI GORDO

Um exemplo de fim tumultuado dentro desse mercado é o da Fazendas Reunidas Boi Gordo. A empresa prometia retornos de até 42% em um ano e meio em troca de investimentos coletivos em bezerros e no processo de “engorda do gado”, mas caiu subitamente em 2004, deixando dívidas de R$ 4,2 bilhões e um rastro de 32 mil pessoas sem seus investimentos.

“Não queremos ninguém batendo em nossa porta”, diz Philip Han a um investidor. Envolvidos com o esquema duvidam disso. “Normalmente, quando chega nessa proporção (da FX), é bem difícil não causar barulho. E depende muito também da inteligência do cara. As vezes, ele se considera tão bom que vai até o fim e deixa a coisa explodir”, afirma um líder de equipe de vendas do setor.

Segundo especialistas, o momento de encerrar um golpe do tipo é quando o negócio começa a arrecadar menos do que está pagando. Quando as retiradas são maiores do que as entradas, o dono começa a alterar os bônus pagos aos participantes. Começa com pequenas travas de saques, aumenta as taxas e, quando a coisa aperta, diminui os bônus.

“Aí, se o dono tiver sorte, as pessoas vão saindo, até que quem fica é tão pouca gente que o barulho da reclamação não é tão grande… No final, o negócio, que era um esquema, foi mudando até se tornar um negócio normal. Ninguém que entrou pelo esquema quer mais continuar nele”, destaca o ex-dono de uma pirâmide.

SAÍDA PREPARADA

Para as autoridades, quem está neste momento de desembarque do esquema é Nivaldo Gonzaga dos Santos, da Zero10. Nivaldo possui dois CPFs e responde a processo por estelionato e furto em Mato Grosso do Sul.

Numa tentativa de despistar as autoridades, ele está finalizando as atividades da Zero 10. No lugar, recentemente lançou a empresa Tree Parts, que opera no mesmo endereço, com os mesmos telefones e com esquema parecido.

Santos começou a carreira em outros esquemas, como Bboom, Telexfree, Mistercolibri, Paymony, todas empresas alvo de processos por pirâmide financeira. A Zero10 é alvo de processo na CVM, que já proibiu a sua atividade. Ela garante retorno de 15% ao mês sobre os investimentos.

O modelo de negócios da Zero 10 é similar ao da empresa Indeal, de Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul. A empresa teve a estratégia de expansão acelerada de investidores interrompida por uma operação da Polícia Federal no dia 21 de maio.

A Indeal já estava proibida de atuar pela CVM depois de uma campanha de publicidade local em que prometia 15% de retorno aos clientes por mês. No dia 21 de maio, contudo, uma operação conjunta entre as polícias Civil e Federal e a Receita Federal fechou a empresa e prendeu os proprietários, Regis Lippert Fernandes, ngelo Ventura Silva, Marcos Antônio Fagundes, Tássia Fernanda da Paz e Francisco Daniel Lima de Freitas.

Segundo a polícia, eles vão responder por gestão fraudulenta, por não investirem em criptomoedas como prometido, e por apropriação indébita financeira. Eles são acusados de desviar cerca de R$ 700 milhões dos investidores.

Os sócios já tinham liderado outro esquema acusado de pirâmide financeira com criptomoeda, a Minerworld, de Cícero Saad e Hércules Gobbi, alvo da operação “Lucro Fácil”, da Polícia Federal, em abril de 2018.

OUTRO LADO

A reportagem tentou por quase 60 dias contato com os citados. Leidimar Bernado Lopes, da Unick, James Batista, da Nasdacoin, e Nivaldo Gonzaga dos Santos, da Zero 10 e Tree Parts, não responderam aos pedidos de entrevista feitos por intermédio de funcionários ou pessoas próximas. Mateus Ceccatto, da King, não foi localizado. A defesa dos sócios da Indeal não respondeu aos pedidos de entrevista.

Por meio de sua então assessoria de imprensa, Phillip Han, da FX Trading, disse que os advogados da empresa entrariam em contato. Em uma ocasião, um homem que se apresentou como representante legal da FX, falou com o Estado, para agendar um encontro. Questionado sobre o nome e seu registro na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a pessoa desligou o telefone e não voltou a procurar a reportagem.

Os donos da Goodream foram contatados por meio da ex-diretora de marketing da empresa, Regina Vitória. Ela negou a participação no esquema e disse que estava em outra empresa. Por isso, não tinha mais contato com os donos da Goodream. Oziel Rodrigues e Alan Souza não responderam às mensagens em seus celulares.

Após publicada a reportagem, o grupo Tree Part enviou nota por meio de sua assessoria de imprensa, negando as acusações. 

É irresponsável e leviano associar a holding Tree Part a pirâmides ou esquemas fraudulentos. Igualmente temerário é imputar a Nivaldo Gonzaga dos Santos as acusações de estelionato e furto. O empresário nunca foi acusado de furto. E uma falsa acusação de estelionato impetrada sem fundamentos foi rejeitada por unanimidade pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul há anos. Tampouco é verdade que Nivaldo possua dois CPFs ativos, uma vez que um dos documentos citados pela reportagem do Estado foi cancelado, o que não é ilícito nem ilegal.

O personagem que a reportagem associa ao nome de Nivaldo jamais existiu, a não ser na mente criativa de quem inventou tais acusações criminosas, atribuídas a “hackers anônimos”.

Sobre a Zero10, uma plataforma de mediação de compra e venda de ativos digitais, o grupo Tree Part esclarece ter tido as atividades encerradas em atendimento a orientações técnicas da CVM, apesar de sua operação jamais ter estado sujeita ao órgão. O grupo Tree Part, que atua com criptoativos, serviços de inovação na área da saúde e ações de cunho social com impactos relevantes em diversos municípios brasileiros, orgulha-se de ter uma história de benefícios à sociedade e de ter sempre se pautado com respeito às leis, mediante uma rígida política de compliance. Associar suas atividades a crimes a partir de dados coligidos por supostos “hackers” é uma situação kafkiana e uma agressão covarde.



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