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Brasil fica para trás na inovação tecnológica

Quase todos os setores produtivos relevantes para o desenvolvimento da economia, de industriais a serviços, estão bem longe da chamada fronteira tecnológica no Brasil. Em outras palavras, apresentam baixo nível de investimento em pesquisa. De 37 segmentos analisados num levantamento feito pelo pesquisador Paulo Morceiro, do Núcleo de Economia Regional e Urbana da Universidade de São Paulo (NereusUSP), apenas cinco ultrapassam essa fronteira. No outro extremo, um dos piores desempenhos é o de desenvolvimento de softwares, que está na ponta do avanço tecnológico no mundo. 

No trabalho do pesquisador, a fronteira é definida pela taxa média do que os setores de alta, média e baixa tecnologia investem em pesquisa e desenvolvimento (P&D) em relação à dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), órgão multilateral em que o Brasil aspira um assento. 

"O país está distante na pesquisa e desenvolvimento, seja nos segmentos de alta, seja nos de baixa intensidade tecnológica", diz Morceiro, cujo trabalho se baseia em informações da Pesquisa de Inovação (Pintec), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e de dados colhidos via Lei de Acesso à Informação sobre os recursos investidos por organizações públicas como Embrapa, Fiocruz e institutos da Marinha e da Aeronáutica. O trabalho foi feito em parceria com Milene Tessarin, pesquisadora da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). 

No mundo, o "filé mignon" do desenvolvimento tecnológico é realizado por apenas 13 setores dos grupos de alta e média-alta tecnologia, que reúnem a produção de aviões, desenvolvimento de sistemas (softwares), produtos farmacêuticos, informática e eletrônicos, armas e munições, automóveis, máquinas e equipamentos, químicos, serviços de informação, entre outros. Deles, dez pertencem à indústria, e três, aos serviços. No Brasil, os segmentos que mais investem em P&D - como o de fabricação de aviões e o farmacêutico - são os mesmos da OCDE. As diferenças são a magnitude e a origem do investimento. Enquanto no caso brasileiro, a maior parte (60%) do aporte é feita pelo Estado por meio das universidades públicas, autarquias e institutos de pesquisa, no grupo dos países mais ricos, cerca de 75% dos investimentos têm origem no setor privado. Os países da OCDE respondem por cerca de 80% da pesquisa e desenvolvimento no mundo. Fora do grupo, o país mais relevante na área é a China. 

Olhando apenas para os segmentos de alta intensidade tecnológica, os países da OCDE investem em P&D 24% do valor adicionado bruto em equipamentos de informática, eletrônicos e óticos, enquanto no Brasil essa parcela é de 10%. Em produtos farmacêuticos, a OCDE chega a 28%, contra 5% no Brasil. Em outros equipamentos de transporte, que inclui a produção de aviões e a construção naval, o percentual do bloco é de 20%, quase o dobro do brasileiro (10,7%). É ali que está classificada a Embraer, por exemplo.

No segmento de desenvolvimento de softwares, classificado em serviços, a diferença é gigantesca, com uma parcela de 29% do valor adicionado bruto do setor investida em P&D na média das nações da OCDE, para apenas 4,5% no Brasil. "Este é o segmento em que o país deveria estar caminhando mais. Ali está o núcleo da transformação tecnológica do mundo e da quarta revolução industrial", diz Morceiro. No mundo, é onde entram Microsoft, Oracle, Alphabet (Google) e SAP, observa o pesquisador.

Classificado como de média-alta tecnologia, o segmento de veículos automotores e autopeças, que no Brasil tem grande peso econômico, investe 6% de seu valor adicionado bruto em P&D no Brasil, contra 15,4% na média da OCDE. "No Brasil há um predomínio de empresas internacionais que 'tropicalizam' tecnologias criadas lá fora, fazendo uma adaptação para as condições brasileiras", diz o pesquisador. Em outros segmentos como o farmacêutico, que importa parte dos princípios ativos, e o de eletrônicos, ocorre o mesmo. "Na Zona Franca de Manaus o país dá subsídio para montar peças que vêm de fora. A gente não desenvolve tecnologia na maioria dos setores", afirma Morceiro, para quem uma das causas desse cenário são as falhas da política industrial nacional.

No caso das empresas instaladas na Zona Franca, Morceiro diz que existe uma exigência de contrapartida de investimento em troca do benefício tributário dado pelo governo, mas o resultado final não é claro. "Quando olhamos a Pintec [pesquisa sobre inovação tecnológica do IBGE feita a cada quatro anos], vemos que ali se investe pouco", diz. 

O setor de químicos, classificado como de média-alta tecnologia, é um dos poucos em que o país se sobressai, com o equivalente a 8,1% do valor adicionado bruto investido em pesquisa e desenvolvimento, ante 6,5% na OCDE, em grande medida por causa do segmento de cosméticos e perfumaria. Aqui, faz diferença a presença de grandes empresas nacionais, como a Natura. 

Em quatro setores com menor intensidade em P&D o Brasil está à frente da OCDE: serviços de utilidade pública, como eletricidade e gás; indústria extrativa; agropecuária e metalurgia. Nos três primeiros, a pesquisa realizada por institutos públicos de pesquisa desempenha um peso significativo. "O Brasil destaca-se nos setores intensivos em recursos naturais. Mesmo o setor químico depende desses recursos na parte de químicos orgânicos", diz. Para Morceiro, além de estimular parcerias entre universidades e empresas para desenvolver pesquisa em áreas de interesse nacional, o governo deveria fortalecer - via estabilidade na alocação de recursos - institutos públicos como a Fiocruz e a Embrapa, para melhorar a áreas em que o país já é competitivo. 

Veículo: Valor Econômico

Seção: Brasil



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