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Previdência e Selic II

Assim como a recessão de 2014-2106 merece a qualificação de “desastrosa”, já não seria injusto reservar a mesma expressão para a “retomada” de 2015 até o presente. Se, para o padrão histórico de recessões, a queda acumulada de 7,5% do PIB em 2015 e 2016 é um horror, o mesmo pode ser dito para retomada de 2017, 2018 e 2019, que deve acumular algo em torno de míseros 3% de crescimento, comparada com a experiência histórica.

Esse péssimo desempenho da economia brasileira pós-recessão tem custos sociais e políticos altíssimos. Recente levantamento do FGV/Ibre mostrou que a desigualdade no mercado de trabalho aumentou por 17 trimestres consecutivos e alcançou, no primeiro trimestre de 2019, o seu maior nível em pelo menos sete anos. Politicamente, o centro se esfacelou e o cenário torna-se cada vez mais radicalizado.

Não é de surpreender, portanto, que todas as formas de acelerar a economia venham sendo vasculhadas pelos analistas, e uma das mais clássicas delas, a política monetária, esteja em xeque.

Boa parte da corrente central do mercado, representada pelos grandes bancos e gestores e consultores de maior renome, já antevê novas quedas da Selic este ano, mas condicionadas à aprovação da reforma da Previdência. E é aqui que se trava o debate mais relevante em termos de curtíssimo prazo.

No espaço desta coluna, a questão foi abordada recentemente, e o colunista pendeu para o campo dos que veem a aprovação de uma reforma da Previdência significativa – ou pelos menos os primeiros e importante passos de sua tramitação no Congresso, como a primeira aprovação no plenário da Câmara – como uma pré-condição para uma nova rodada de cortes da Selic segura e efetiva.

Em relação a esta segunda característica – efetividade –, é importante que um novo ciclo de relaxamento monetário pelo BC induza a queda da curva de juros em prazos curtos e longos, que é o que realmente estimula a economia. E o risco fiscal representando pela eventual não aprovação da reforma (ou aprovação muito decepcionante) pode pressionar a curva via risco a despeito dos movimentos da Selic.

Mas há também bons argumentos no campo dos que julgam que novos cortes da Selic não devem ser condicionados à tramitação da reforma da Previdência.

O economista Manoel Pires, ex-secretário de Política Econômica da Fazenda, e pesquisador associado do Ibre/FGV, é um dos que defendem a tese acima. Para início de conversa, ele lembra que a reforma da Previdência é um evento com timing demasiadamente imprevisível (e potencialmente muito longo) para que seja incorporado como condicionante decisivo no cenário do Banco Central, na sua visão.

“A reforma da Previdência do Fernando Henrique, por exemplo, levou três anos”.

Outro argumento rebatido por Pires é o de que cortes da Selic por si só, na atual situação da economia brasileira, afetada por uma enorme incerteza, não são suficientes para tirar a atividade da paralisia.

“O mesmo argumento valeria para a reforma da Previdência, e igualmente não faz sentido – o desafio é construir um processo de recuperação da economia brasileira, seja com medidas na política fiscal (referência neste caso à reforma da Previdência e ao efeito confiança), seja na monetária, seja em outras áreas em que fizer sentido atuar”, ele diz.

O argumento básico pró corte da Selic, recapitula o economista, é a frustração de crescimento por três anos consecutivos, com inflação baixa e núcleos rodando próximos ao piso do intervalo de tolerância da meta.

A grande frustração de crescimento este ano já está contaminando as perspectivas para 2020, criando uma força deflacionária mais duradoura, na visão do economista.

Adicionalmente, na sua interpretação, o cenário base tem que incorporar o fato de que haverá um ajuste fiscal dentro do cenário relevante de atuação do BC, o que inclui também a contração dos bancos públicos.

“Isso é central, porque vamos operar nos próximos anos em contração da demanda pública, o que introduz outro vetor deflacionário”, comenta Pires.

Se, por acaso, choques (externos ou como o que viria de uma eventual não aprovação da reforma da Previdência) causarem um estresse tão forte no mercado, em termos de câmbio, por exemplo, que mude o cenário do risco inflacionário, o BC pode alterar sua postura tanto se a Selic estiver em 6,5% quanto se estiver um pouco abaixo – na visão do pesquisador do Ibre.

Ele frisa, em particular, que é importante trabalhar dentro dos limites oferecidos pelo regime de metas de inflação.

O economista também acha que uma decisão de baixar a Selic bem comunicada, com motivos bem explicados, e dentro do figurino do sistema de metas de inflação, não deve provocar estresse no mercado.

Quanto ao argumento dos que resistem a ideia de novos cortes da Selic porque as expectativas do mercado para 2020 e 2021 estão precisamente nas metas para estes anos (respectivamente, 4% e 3,75%), Pires reage dizendo que, na sua visão, a pergunta é outra: “Por que o mercado está persistentemente errando a projeção de inflação para cima nos últimos três anos”?

Veículo: Estadão

Seção: Economia e Negócios



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