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Dono da Tecnisa elogia governo e vê 'ruídos'

O empresário Meyer Nigri, dono da incorporadora Tecnisa, quase só tem elogios aos 100 primeiros dias de governo de Jair Bolsonaro (PSL). "O presidente escolheu muita gente boa, bons ministros, acertou na maioria deles, e já fez coisas muito boas, como cortar muita gente", resume. Mas diz que nem tudo corresponde à expectativa que tinha. "Olha, infelizmente, não tudo. A área de comunicação ainda tem uns ruídos." Para ele, é natural que, com o pouco tempo que Bolsonaro teve para montar seu gabinete, alguns dos ministros escalados tenham que ser trocados. 

Apoiador de primeira hora de Bolsonaro na campanha e responsável por apresentar o então candidato a outros empresários e à comunidade judaica de São Paulo, Nigri avalia que o presidente tem sido alvo de críticas precipitadas, em especial da mídia. 

Um vídeo gravado no dia 27 de fevereiro, quando Bolsonaro voltou ao hospital Albert Einstein para exames ainda decorrentes do atentado sofrido em setembro do ano passado e foi homenageado em uma cerimônia, revela o forte elo que se formou entre o presidente e o empresário. Nele, Nigri, também homenageado por ter sido um dos responsáveis pela transferência de Bolsonaro ao Einstein, conta como foi recebê-lo no aeroporto de Congonhas quando o então candidato foi trazido de Juiz de Fora para São Paulo. Emocionado, começa a chorar e é consolado pelo presidente, que se levanta para abraçá-lo. "Nem sei o que ia falar agora. Esqueci", diz. "Que você me ama? Eu também te amo", responde Bolsonaro, sob aplausos. 

O empresário conta que mantém contatos frequentes com Bolsonaro, que ajudou a organizar o recente jantar na casa do empresário Elie Horn, da Cyrela, com a presença da primeira-dama Michelle Bolsonaro e do presidente, e que integrou a comitiva presidencial na visita a Israel, na semana passada. Além dele, apenas mais um empresário fez parte da comitiva: Fábio Wajngarten, confirmado por Bolsonaro como o futuro titular da Secretaria de Comunicação (Secom). 

Nigri recebeu a reportagem no fim de tarde de quinta-feira em seu apartamento, no bairro dos Jardins, na capital paulista, que abriga um vasto acervo de obras de arte, como dos modernistas Alfredo Volpi e Cândido Portinari. Disse estar otimista com as perspectivas da economia, principalmente em 2020, e falou da recuperação da empresa que fundou. Depois de fortemente atingida pelos distratos nas vendas de imóveis e, desde o segundo trimestre de 2016 sem novos projetos, a Tecnisa fará três lançamentos neste trimestre. No ano passado, a incorporadora teve receita líquida de R$ 168 milhões e prejuízo de R$ 277 milhões. 

Ele diz que o ministro da Economia, Paulo Guedes, sabe que o setor imobiliário pode puxar a geração de empregos e sugere que a Caixa baixe os juros do crédito imobiliário para estimular o setor.

Valor: Qual a sua avaliação desses três primeiros meses do governo de Jair Bolsonaro?

Meyer Nigri: O presidente escolheu muita gente boa, bons ministros, acertou na maioria deles, e já fez coisas muito boas, como cortar muita gente. Sei que nem tudo é perfeito e algumas coisas não estão ainda funcionando, mas é mais ou menos natural. Se você der trinta dias - que foi mais ou menos o que ele teve desde que venceu a eleição até a posse - a um técnico de futebol, para fazer um time, ele vai convocar alguns jogadores e pode ser que dali algum tempo alguns não tenham atendido à expectativa e tenham que ser trocados. Eu acho que está indo bem.

Valor: E quem não está indo bem?

Nigri: Prefiro não falar.

Valor: E quais foram as coisas positivas realizadas nos primeiros meses?

Nigri: Ele cortou muita gente, nomeou grandes ministros. Está colocando, inclusive no segundo escalão, gente muito competente. Paulo Uebel na [Secretaria Especial de] Desburocratização é ótimo, Salim Mattar na privatização, o Pedro Guimarães na Caixa, o presidente do BNDES, Joaquim Levy. Então, não são só os ministros - a maioria é top -, no segundo escalão, também tem gente muito preparada e muito bem intencionada. Então, eu acho que está indo muito bem. Só que ainda tem coisa, claro, Previdência não foi aprovada ainda. É fundamental para o país, claro que é. 

Valor: Quais são os "ministros top"?

Nigri: Vocês sabem quais são. O [Sergio] Moro é top, o Paulo Guedes é top, a maioria.

Valor: O presidente chegou a convidar o senhor para algum cargo no governo?

Nigri: Tive um convite para algo importante, mas eu não aceitei, não tenho interesse nenhum.

Valor: Pode dizer qual foi?

Nigri: Não, me comprometi a não falar.

Valor: E o senhor acha que a reforma da Previdência será aprovada?

Nigri: Claro, não tem opção.

Valor: Como o senhor avalia a relação do presidente Bolsonaro e de Paulo Guedes com o Congresso?

Nigri: Eu acho que a função do Executivo é propor leis e é função do Congresso aprová-las ou não.

Valor: Mas e a articulação política do Executivo no Congresso? 

Nigri: Eu não entendo do assunto, não sei como funciona. Mas eu acho que o Paulo Guedes foi muito bem [na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara]. 

Valor: Como é a sua relação com Paulo Guedes?

Nigri: Muito boa. Eu falo muito pouco com ele, porque o Paulo Guedes está muito ocupado. Eu falava bastante com ele antes da posse. Eu falo muito mais com o presidente do que com ele.

Valor: E como é a sua relação hoje com o presidente? 

Nigri: Minha relação é ótima, eu o apoio desde que o conheci. Eu acho que ele é uma pessoa honestíssima. Antes da campanha ainda tentei ajudá-lo com alguma despesa e ele não aceitou. Durante a campanha, fiz doação oficial na conta dele, depositei contra a vontade dele e ele recusou, retornou a Ted. Não aceitou doações. É um cara corretíssimo, bem intencionado, e eu acho que foi um presente divino termos um presidente como esse. 

Valor: E está correspondendo à sua expectativa? 

Nigri: Olha, infelizmente, não tudo. Algumas coisas não são muito fáceis. A área de comunicação ainda tem uns ruídos. Mas o importante não é o que se fala, mas o que se faz, e eu acho que estão indo num caminho bom. 

Valor: Qual é a sua expectativa em relação à economia para este ano?

Nigri: Eu estou muito otimista, muito. Principalmente para o ano que vem. Porque eu acho que as reformas vão acabar passando, e não só a da Previdência, temos a fiscal, a trabalhista. Nessa viagem agora em Israel, nós estivemos com o Bibi, o Binyamin Netanyahu, o primeiro ministro de Israel.

Valor: O senhor estava, não é?

Nigri: Sim, na comitiva [presidencial]. De empresário, tinha só mais um. Fui por minha conta, paguei minha passagem, meu hotel, paguei tudo, mas participei de tudo. E o Bibi fez uma palestra, mostrou o que ele fez, é um gênio. O país mudou completamente, não tem desemprego, é inovador, tem uma das maiores rendas per capita do mundo. Uma das coisas que ele mais frisou é que a gente tem que criar condições para o empresário empreender. Reduzir impostos, desburocratizar, incentivar o empreendedor, coisa que aqui no Brasil, infelizmente, ainda estamos muito para trás. 

Valor: Qual a sua avaliação sobre a decisão do governo brasileiro de anunciar a criação de um escritório de negócios em Jerusalém?

Nigri: Eu acho que, como o presidente fala, quem escolhe a capital é o país. Se o país diz que a capital é Jerusalém, ele põe a embaixada na capital, não é ele que escolhe. Nossa capital era o Rio de Janeiro e quando mudou para Brasília, as embaixadas mudaram para Brasília. 

Valor: Mas Brasília não era um território em disputa

Nigri: Então não tenha relação com o país. A partir do momento em que você tem essa relação, tem que aceitar o que o país decidiu como sendo a capital.

Valor: Mas o que o senhor achou de ser um escritório de negócios em vez da embaixada, como o presidente chegou a prometer? Não desagradou todo mundo, israelenses e palestinos?

Nigri: Quando se faz uma solução no meio do caminho, você nem agrada todo mundo e nem desagrada todo mundo. Já é um passo. Lembrem-se que essa não é uma demanda da comunidade judaica, isso já está bem claro. É uma demanda dos evangélicos. Ele prometeu na campanha e quer cumprir o que prometeu. A comunidade judaica até está meio dividida. Alguns são a favor de se fazer isso agora, e outros mais tarde.

Valor: Recentemente houve um evento na casa do empresário Elie Horn, da Cyrela, em que o senhor estava também. Como foi? 

Nigri: Fui eu que organizei. Se tem uma coisa em que eu fiz um bom trabalho na vida foi a Unibes [União Brasileiro Israelita do Bem Estar Social]. A Unibes ia fechar, estava no buraco. Um dia, me motivei, fui atrás de doações, comecei a arrecadar dinheiro, e a Unibes hoje está gigante. Sugeri que a gente fizesse esse evento um dia e convidasse a primeira dama, Michelle. A presidente da Unibes falou com o Elie Horn, que já tinha prometido que ia ceder a casa dele. Falei com a primeira-dama, que disse que topava ir ao evento e depois disse que queria levar o marido. Nós arrecadamos um valor excepcional. Nesse jantar, tinha metade de comunidade judaica e metade de não judeus. 

Valor: Mas, basicamente, empresários? 

Nigri: Sim. O objetivo do evento era arrecadação. Atingimos mais do que a meta. Peguei o microfone, e eu mesmo comecei a pedir um por um. Dei uma doação muito grande para puxar todo mundo e consegui.

Valor: Sobre a economia, temos visto os indicadores decepcionando muito. 

Nigri: Pelo mercado imobiliário, o desempenho melhorou muito. Do mês anterior à eleição para o mês seguinte à eleição, as vendas do nosso maior empreendimento, o Jardim das Perdizes, subiram dez vezes. Vendemos terrenos que estávamos há um tempão tentando vender, e ninguém se interessava. 

Valor: Mas isso continua? Porque houve uma expectativa de retomada e uma certa frustração. 

Nigri: Veja o que aconteceu com a bolsa, o quanto ela subiu. É claro que existe ainda um pouco de incerteza, porque está todo mundo esperando as reformas, especialmente a da Previdência. Mas eu acho que existe um clima de otimismo. O desemprego ainda não diminuiu muito. Mas leva um tempo também. Esse governo tem 100 dias.

Valor: O senhor acredita que tem havido críticas precipitadas ao governo? 

Nigri: Eu acho que sim, eu vejo pela mídia, normalmente muito contra, exagerando um pouco.

Valor: Só a mídia?

Nigri: Acho que sim. O melhor reflexo que podemos ver é a bolsa de valores. Se a bolsa sobe, é porque o empresário está otimista. E acho que não combina muito o que a mídia está falando com o que está acontecendo na bolsa. O investidor não é burro, só põe dinheiro no que acredita.

Valor: Como é a relação do governo com o setor imobiliário?

Nigri: Acho que não tem muito, vai começar a se formar agora. Em várias conversas que tive com o Paulo Guedes lá atrás, ele sabe que a construção civil é o carro chefe para a geração de empregos. 

Valor: O que falta para o setor acelerar? 

Nigri: A taxa de juros ainda é alta. A Selic está razoável, mas a taxa do crédito imobiliário está muito mais alta que a Selic, coisa que nunca tivemos antes. A vida inteira, o dinheiro do crédito imobiliário era relativamente mais barato. Hoje o dinheiro no mercado está mais barato que o imobiliário. Tem que incentivar, né?

Valor: O que o senhor vê de riscos para esse novo ciclo de crescimento?

Nigri: Para ter mercado imobiliário, precisa de emprego e financiamento. Financiamento ainda tem, e acredito que o governo deveria incentivar mais e deveria baixar a taxa de juros nesses financiamentos. A Caixa poderia ser a primeira a dar esse passo, porque quando ela baixa, os outros acompanham. Eu sei que na Caixa também não está sobrando recurso, o que é um grande problema. E a gente precisa de emprego.

Valor: Para a Tecnisa, os distratos foram o principal problema?

Nigri: Foi o problema. Em três anos e meio, tivemos 11 mil unidades distratadas, de um total de 20 mil vendas. Difícil aguentar isso. 

Valor: Vocês vão voltar a lançar depois de três a quatro anos sem novos projetos... 

Nigri: Já estamos com três lançamentos. Até agora não fazia sentido lançar. Estávamos vendendo as unidades dos distratos a um preço abaixo do custo e não fazia sentido lançar a um preço mais alto.

Valor: Desde o último trimestre de 2015 vocês estão operando com prejuízo. Quando dá para reverter isso? 

Nigri: Tudo por causa do distrato. No resultado contábil, não sei quando voltamos ao azul. No resultado real, já estamos no azul, com esses novos lançamentos começa a gerar valor. 

Valor: Esse modelo de vocês serem minoritários nos lançamentos, em sociedade com fundos, é um novo jeito de a Tecnisa operar? 

Nigri: Esse sistema é muito usado no exterior. A Hines, que é nossa sócia no Jardins das Perdizes, normalmente entra com 5% nos empreendimentos, e o restante é com o investidor. O investidor mira certa rentabilidade, a partir do ponto em que você gera acima disso, começa a distribuir o lucro de forma desigual, aumentando a nossa fatia. Podemos chegar a ter 50% do lucro se a gente performar muito bem nessas parcerias em que temos 20% de participação. 

Valor: Mas esse é o novo modelo ou é só neste momento?

Nigri: Neste momento, é o melhor modelo para nós, porque diminui nosso risco, reduz nossa exposição de caixa e nos permite ainda continuar pagando o custo fixo do escritório com vendas e obras e podemos ter percentual de lucro maior. É um modelo muito bom até para os momentos em que estivermos com caixa sobrando. Não quer dizer que amanhã vamos continuar trabalhando só nele. Mas eu gosto do modelo.

Valor: E venda de ativos? Ainda podemos esperar um volume grande ou a maior parte já foi feita? 

Nigri: A maior parte já foi feita, mas temos negociações em relação a terrenos, hotéis, participações em investimentos em São Paulo e fora.

Valor: O senhor sairia do Jardim das Perdizes, considerado pelo mercado "o projeto da vida do Meyer"?

Nigri: Dependendo do preço, sim. Tem gente querendo comprar, mas pagar o preço que eu gostaria ainda não. 

Valor: Como é seu dia a dia depois que passou o bastão a seu filho e foi para o conselho?

Nigri: Não tenho ido muito para o escritório, tenho ficado mais em casa, faço reuniões aqui em casa. Vou quando há necessidade ou quando tem reuniões do conselho. O que preciso resolver consigo por telefone ou por WhatsApp, hoje é muito fácil. 

Valor: Não é o jeito de trabalhar do setor...

Nigri: A maioria dos executivos não é assim. Eu, desde os meus 30 anos, só vou para o escritório depois do almoço. De manhã, não ia, era a hora que eu pensava, refletia, lia.

Valor: O senhor gosta de ler?

Nigri: Hoje em dia, para falar a verdade, tenho muita preguiça de ler, eu me cansei um pouco, mas eu lia muita coisa técnica.

Valor: O senhor fala muito sobre inovação. O que pensa daqui para frente em relação ao mercado brasileiro? 

Nigri: Fomos a primeira empresa do mundo a lançar um empreendimento pela internet, em 1999. Não foi muito mérito meu. O que eu fiz foi dar espaço para as pessoas criarem. A única coisa que eu mesmo dei a ideia foi do corretor online. Hoje, qualquer empresa tem um monte de corretores online, e qualquer empresa de qualquer produto tem vendedores online. Fomos a primeira do mundo a vender apartamento pelo Twitter, a primeira a aceitar bitcoin. A gente ganha todo ano o primeiro lugar de inovação em quase todos os prêmios. A gente está sempre inventando coisas. Tem um negócio muito interessante chamado "fast dating", que quer dizer namoro rápido. Todo mundo que tiver qualquer coisa de inovação para nos oferecer se cadastra na internet e tem uma equipe de cada área que faz um comitê, e a pessoa tem dez minutos para oferecer um produto. E surgem ideias espetaculares. 

Valor: O senhor disse que não recebe salário como conselheiro e não recebia como presidente. Então, o senhor só retira dinheiro como acionista?

Nigri: Só como acionista quando eu dava lucro. Eu ganho o que o acionista ganhar. Estou totalmente alinhado. Não tenho carro, motorista, avião, nada da empresa. Meu telefone celular eu pago na pessoa física. Eu ganho o que o acionista ganha, e eu perco o que ele perde.

Valor: E quando o senhor vai voltar a ter retirada então?

Nigri: Espero que logo, logo. 

Veículo: Valor Econômico

Seção: Política



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