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Governo quer reforma com resposta a críticas

A estratégia do governo Jair Bolsonaro para ter sucesso na condução da reforma da Previdência é enviar uma proposta que já contenha respostas para as quatro principais críticas que, na avaliação dos atuais formuladores, inviabilizaram politicamente a proposta apresentada pela equipe do ex-presidente Michel Temer.

A ideia é não só ser reativo às resistências, mas trabalhar ativamente na comunicação do projeto, construindo um discurso de que a reforma de Bolsonaro ataca a desigualdade do sistema, atinge todo mundo, incluindo as Forças Armadas, busca soluções para as dívidas previdenciárias e combate às fraudes no sistema, o que já foi feito com a Medida Provisória 871. 

Segundo uma fonte explicou ao Valor, chegou-se à conclusão de que um dos motivos do fracasso da proposta de Temer estaria no fato de ela ter sido vista como uma medida com objetivos puramente fiscais, ou seja, preocupada apenas com a redução das despesas, sem atingir toda população e prejudicando, principalmente, os mais pobres.

Essa interpretação, na visão do governo atual, perpetuou-se pelo fato das Forças Armadas terem ficado de fora e por não ter contemplado medidas fortes para cobrança das dívidas previdenciárias e combate à fraude. Por isso, a equipe técnica quer superar esses pontos antes da proposta de reforma ser encaminhada para a Câmara, o que estava previsto para os dias 19 a 21 de fevereiro, embora isto dependa do aval de Bolsonaro, que ainda precisa deixar o hospital e estar em condições de despachar, o que não tem data certa para ocorrer. 

O porta-voz da Presidência, general Otávio Rêgo Barros, afirmou ontem que, inicialmente, "está descartado" que Bolsonaro receba a proposta de reforma no hospital Albert Einstein, onde está internado. Há dez dias, depois que Bolsonaro teve alta da Unidade de Terapia Intensiva (UTI), o porta-voz chegou a declarar que Bolsonaro estava analisando dois ou três formatos de reforma que lhe haviam sido encaminhados pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. 

Rêgo Barros ressaltou, contudo, que o presidente quer deliberar "rápido" sobre o tema. "A proposta será apresentada assim que ele [o presidente] encontrar-se em condições plenas de analisar, não posso afiançar que será nesta semana", disse o porta-voz. Mas ele completou que o presidente tem todo o interesse em debruçar-se sobre este assunto, e "quanto mais rápido deliberar, mais rápido vai compartilhar com o Congresso". 

Na linha de tentar desarmar essas resistências e tornar o projeto mais palatável aos congressistas, duas medidas estão na linha de frente dos estudos, embora ainda não haja certeza de que serão adotadas: a inclusão das Forças Armadas (que é matéria de projeto de lei e em tese não precisa estar na emenda constitucional) e a redução da contribuição previdenciária para as faixas mais pobres da população, de 8% para 7,5% do salário, fazendo com que haja progressividade, dado que as faixas mais altas de renda deverão ter alíquota de 14% ante os 11% atuais. "Quem ganha mais vai pagar mais", disse uma fonte. 

No caso das Forças Armadas, entre as propostas em estudo estão o aumento do tempo de serviço de 30 para 35 anos, a idade mínima para passarem para a reserva e a cobrança de uma alíquota de 11% de contribuição para os pensionistas, que hoje são isentos. Também está em estudo o aumento da cobrança dos servidores militares ativos. Com isso, seria derrubada a crítica de que os militares, cujo déficit "previdenciário" é superior a R$ 40 bilhões, estaria sendo poupado em detrimento dos mais pobres.

Para viabilizar essa iniciativa, o governo trabalha na reestruturação de carreiras das Forças, que é tratada pelos militares como contrapartida para que aceitem a reforma. "Estamos trabalhando para que essa relação entre reforma e reestruturação tenha saldo positivo para o setor público", garantiu uma fonte.

O outro flanco em que a área econômica pretende se proteger de ataques é o de que não faria nada para combater desvios. Nesse sentido, foi editada a Medida Provisória nº 871, que prevê restrição de benefícios assim como pente-fino dos benefícios previdenciários para com isso combater as fraudes.

Resta ainda adotar medida para dar maior efetividade a cobrança de dívidas previdenciárias, que será o próximo tema a ser tratado com o governo. Ainda está sendo decidido se o tema estará na PEC ou se será discutido em separada. 

Na minuta que vazou à imprensa semana passada, já constava um dispositivo vedando renegociações nos moldes dos repetidos Refis (o mais recente foi em 2017, no governo Temer). "São vedados o parcelamento em prazo superior a sessenta meses e, na forma de lei complementar, a remissão, a anistia, a moratória e a quitação com prejuízo fiscal ou base de cálculo", dizia a minuta.

Um outro ponto que pode acabar tendo um tratamento diferenciado para mitigar ataques é a questão do sistema de capitalização. A matéria é polêmica porque embute riscos de empobrecimento do trabalhador na velhice. Nesse sentido, a fonte disse que o assunto pode acabar ficando para um "segundo momento", ou seja, pode demorar para ser regulamentado, como ocorreu com o Funpresp (a previdência complementar dos servidores), criado na reforma de 2003 e regulamentado somente dez anos depois.

Na minuta da semana passada, o tema da capitalização era alvo de um comando mais genérico, com definições mais importantes sendo remetidas para lei complementar. 

Ao tentar se antecipar a possíveis ataques já na formatação, o governo entende que a reforma poderá avançar de forma mais rápida na Câmara. Um dos temores, contudo, é que, com a demora para o envio e os sucessivos vazamentos gerem um acúmulo de ataques à proposta antes mesmo de ela começar efetivamente tramitar. A leitura é que um dos erros do governo anterior foi divulgar o texto antecipadamente, às vésperas do Natal de 2016, quando ele só tramitaria a partir de fevereiro do ano seguinte. Isto, avalia, teria dado espaço para a oposição criar uma série de argumentos e propagandas para inviabilizar a reforma.

O vazamento da versão mais dura que estava sendo proposta foi vista por técnicos de governo como ação de representantes de interesses corporativistas do setor público. Nesse sentido, a leitura é que uma das vítimas iniciais dessa guerra foi a ideia de desvincular do salário mínimo o Benefício de Prestação Continuada (BPC) do projeto, antecipando parte do pagamento para pessoas a partir de 55 anos. "Se tiver algo, nesse aspecto terá que ser bem diferente do que está previsto na minuta vazada", comenta a fonte.

Mesmo com o vazamento, o governo avalia que há um ambiente mais favorável às reformas hoje do que na época de Temer. Contas já feitas pelos articuladores apontam que, independentemente do apoio ao presidente Bolsonaro, cerca de 100 deputados votariam na aprovação da reforma, convictos de que ela é necessária, até mesmo para a sustentabilidade das previdências dos Estados e municípios. 

Ontem, o Palácio do Planalto agiu para evitar que uma disputa entre os Ministérios da Agricultura e Economia envolvendo o setor de agronegócios comprometesse futuramente votos da bancada ruralista na reforma da Previdência. No dia 6, a Economia derrubou duas tarifas antidumping que vigoraram por 18 anos sobre as importações brasileiras de leite da União Europeia e Nova Zelândia, despertando a ira da bancada ruralista e de entidades do segmento agropecuário. O ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, foi ontem ao gabinete de Tereza Cristina para tratar do assunto - em sua agenda oficial constava que o encontro seria no Palácio do Planalto. O gesto político foi interpretado por fontes a par do assunto como uma estratégia do Planalto para não se indispor com a bancada ruralista, que pode render votos a favor da reforma. 

Apesar de se ter na semana passada apontado que o governo enviaria uma nova PEC, cuja tramitação começaria do zero, fontes do governo ainda apontam a possibilidade de a proposta de Temer ser aproveitada para acelerar sua tramitação.

Veículo: Valor Econômico

Seção: Política



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