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Cenários para os juros no governo Bolsonaro

O Banco Central reconheceu que a eleição de Jair Bolsonaro reduz as incertezas para o controle da inflação, mas não o suficiente para baixar a guarda na sua ameaça de uma alta prematura dos juros básicos. Os riscos hoje são menores, mas ainda pendem mais para o lado negativo. 

Pode parecer excesso de cautela do Banco Central, mas o mercado financeiro também recebeu a eleição do capitão reformado com um otimismo, até o momento, contido. Há grande esperança de que seu governo proponha uma ampla agenda de reformas fiscais e que aumentam a produtividade da economia, mas também há muita dúvida se será capaz de aglutinar uma maioria para aprová-las no Congresso.

Isso fica expresso na cotação do dólar, que ultimamente oscila em torno de R$ 3,75. É uma queda importante em relação ao pico de R$ 4,18 registrado em agosto, quando o resultado das eleições era mais incerto, mas ainda bem acima da mínima de R$ 3,14 registrada no começo do ano. Como o cenário internacional hoje é mais incerto, talvez seja difícil a moeda americana chegar perto de R$ 3,00, mas ainda assim a cotação atual reflete um alto prêmio de risco.

Pouco antes da eleição, o Banco Central comunicou que via a possibilidade de dois cenários bem distintos no pós-eleição. Em um deles, mais benigno, o governo que seria eleito em outubro encaminharia as reformas, dando tranquilidade ao BC para decidir, ao longo de 2019, quando subir os juros básicos, que hoje estão na mínima histórica de 6,5% ao ano. 

No outro cenário, que contemplava a eleição de um governo pouco comprometido com as reformas ou com pouco poder de mobilização para aprová-las, a inflação ficaria mais alta e o Banco Central seria obrigado a subir a taxa de juros um pouco mais cedo. 

Assim, mesmo depois das eleições, o BC mantém no seu radar dois cenários extremos, ainda que o risco do mais negativo tenha diminuído. O BC não está sozinho no seu ceticismo: as expectativas de inflação do mercado financeiro para 2021, terceiro ano do mandato de Bolsonaro, seguem desancoradas. Os economistas do setor privado preveem para o ano uma variação de 3,95% do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), acima da meta, de 3,75%.

Em parte, a dificuldade em ancorar as expectativas pode ser explicada pela incerteza sobre quem será o presidente do Banco Central no governo Bolsonaro. A indicação de um nome com reputação de austeridade, mantendo a linha de Ilan Goldfajn, poderia ajudar. Mas, no fim, o andamento da política fiscal é o requisito mais importante para a estabilidade monetária no médio e longo prazos. Nenhum banco central, por melhor que seja sua reputação, é capaz de manter a inflação nas metas se houver descontrole fiscal. 

O economista-chefe do banco Itaú Unibanco, Mario Mesquita, acha que - sem desprezar os riscos domésticos e externos - a aprovação de reformas poderá colocar a economia em um ciclo virtuoso nos próximos anos.

"Se o governo avançar com a reforma da Previdência, conseguirá mostrar números fiscais melhores", afirma. "Com isso, os prêmios de risco e a taxa de juros real caem, o que significa que o próprio superávit primário necessário para estabilizar a dívida pública também será menor." 

Hoje, a projeção consensual do mercado financeiro é que o juro real ficará em cerca de 4% nos próximos anos. Isso é o que os economistas chamam de taxa neutra, ou seja, aquela que mantém a economia operando em equilíbrio, crescendo a uma velocidade que não gera pressões inflacionárias. As projeções de longo prazo do mercado financeiro sugerem que 2,5% é a velocidade máxima que a economia pode crescer sem pressionar a inflação - o que é chamado de Produto Interno Bruto (PIB) potencial. 

O Itaú Unibanco calculou qual seria o superávit primário necessário para estabilizar a dívida pública em 85% do Produto Interno Bruto (PIB), em diferentes cenários para a taxa de juros e para o crescimento. Em 85% do PIB, a dívida pública seguiria muito alta, mas a sua estabilização é um primeiro passo para em seguida reduzi-la. Se os juros reais de equilíbrio ficarem em 4% ao ano e o PIB potencial for de 2,5%, o superávit primário necessário para estabilizar a dívida bruta em 85% do PIB seria de 1,3% do PIB. Como o Itaú Unibanco prevê um déficit primário de 1,8% do PIB, o ajuste fiscal seria considerável, de cerca de 2,5 pontos do PIB.

Em tese, porém, há espaço para um caminho mais suave, se o bom encaminhamento das reformas econômicas derrubar ainda mais os prêmios de risco. Há cerca de dois anos, o mercado estimava os juros neutros em 5% a ano - de lá para cá, a taxa caiu devido ao andamento de reformas como o teto do gasto público e a redução do crédito subsidiado. Se o juro de equilíbrio cair mais um ponto percentual, para 3% ao ano, o superávit primário necessário para estabilizar a dívida bruta em 85% do PIB seria de 0,4% do PIB. Caso as reformas focadas na produtividade aumentem o PIB potencial a 3%, seria preciso um resultado primário zero para estabilizar a dívida. 

Um aspecto interessante é que, se a agenda de reformas for bem-sucedida ao ponto de derrubar a taxa neutra para 3% ao ano, talvez o Banco Central não precise subir a taxa Selic para eliminar os estímulos monetários da economia. Com uma meta de inflação de 3,5% em 2022, a taxa de juros nominal que equilibra a economia seria da ordem de 6,5%. 

Apenas a aprovação das reformas seria capaz de dar sustentabilidade fiscal no médio e longo prazos, mas em tese é possível um bom começo no ano que vem. O cenário base do Itaú Unibanco é que o déficit caia de 1,8% do PIB em 2018 para 1,3% do PIB em 2019. Mas há chances de um déficit primário zero com a ajuda de uma receita de R$ 70 bilhões com leilão de excedentes da cessão onerosa e de R$ 20 bilhões com a telefonia 5G. 

As simulações do Itaú Unibanco dão uma ideia também do que seria um cenário fiscal negativo. Se os juros neutros voltarem para os 5%, seria necessário um superávit primário de 2,1% do PIB para estabilizar a dívida. Se o PIB potencial diminuir para 1,5%, o esforço fiscal teria que ser de 3%. Nesse caso, o Banco Central subiria os juros mais cedo e com mais intensidade.

Veículo: Valor Econômico

Seção: Brasil



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