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Escalada de guerra comercial pode levar dólar a perder valor

O recrudescimento das preocupações com uma guerra comercial e o temor de que a onda protecionista gere recessão podem tirar o status do dólar de "porto seguro", levando a moeda americana a se depreciar nos próximos meses. Na contramão, tradicionais “safe havens” do mercado de câmbio, sobretudo iene japonês e franco suíço, voltariam a se fortalecer. Na ponta mais negativa, com risco de sofrer nova onda de depreciação, estariam moedas emergentes do leste da Ásia, junto com as divisas de Brasil, Turquia e Nova Zelândia. 

O dólar tem sido um dos principais “ganhadores” desde que o governo de Donald Trump elevou o tom contra importações chinesas. Em 3 de abril, Washington divulgou a primeira lista de US$ 50 bilhões em bens do país asiático sujeitos a sobretaxação. Desde então, o ICE U.S. Dollar Index, que mede o valor do dólar em relação a um conjunto de moedas fortes, acumula alta de cerca de 5%. O euro cai 4,6% no período, o iene perde 5,2% e o franco suíço cede 3,8%. As moedas emergentes se depreciam ainda mais: em média, 7,6%. 

A força do dólar se explica pelo atual destaque da economia americana em relação ao restante do mundo. Enquanto nos EUA o mercado de trabalho segue firme e a inflação garante alta de juros pelo Federal Reserve (Fed, BC americano), na Europa os índices de surpresa econômica chegaram a bater mínimas em quase sete anos, ao passo que no Japão a atividade segue longe de mostrar brilho. Todo esse cenário garantiu o aumento dos diferenciais de juros entre os Estados Unidos e o mundo, elevando a atratividade dos ativos americanos. 

“Porém, as altas de juros pelo Fed estão de forma geral precificadas no dólar, o que limita o potencial de alta para a moeda”, diz Jörg Krämer, economista-chefe da área de pesquisa macro do Commerzbank.

Somado a isso, a fortaleza dos indicadores econômicos nos EUA, entre eles os balanços corporativos, pode ser abalada conforme o risco de guerra comercial aumenta. De fato, algumas sondagens começam a revelar empresários menos confiantes nas perspectivas econômicas. 

O Morgan Stanley considera que o crescimento anual nos lucros das empresas americanas já teve seu pico no segundo trimestre. Com números menos vistosos à frente, o mercado de ações pode sofrer. E isso — combinado com a redução da liquidez (à medida que o Fed aperta a política monetária) — é “receita para volatilidade”. 

“Nesse tipo de ambiente, moedas de países com grandes superávits em conta corrente provavelmente devem se valorizar, uma vez que a fraqueza de ativos de risco provocará fluxos de repatriação”, diz Hans Redeker, estrategista-chefe global de câmbio do Morgan Stanley. 

Redeker cita que o iene japonês é um “candidato natural” a se beneficiar desse cenário, dado o “grande” volume de investimento japonês fora do país. E o franco suíço também se apreciaria, embora em menor magnitude. “A volatilidade nos mercados emergentes em algum momento deve se estender aos ativos americanos, levando a fluxos de repatriação que amparam o iene”, acrescenta o estrategista, que prevê valorização de 11,1% do iene de hoje até o fim do ano em relação ao dólar. Como o iene, o franco zeraria as perdas até aqui e subiria 0,7% no mesmo período.

O câmbio emergente, aliás, tem deixado claro por que é considerado uma das mais voláteis classes de ativos. Desde abril, quando Trump deu sinais de que estava disposto a partir para uma guerra de preços, algumas moedas chegaram a cair mais de 20% (peso argentino), com lira turca, real brasileiro e rand sul-africano logo atrás — cada uma perdendo mais de 10% ante o dólar. Os tombos foram intensificados por problemas locais: elevados déficits em conta corrente (Argentina e Turquia), incerteza política (Brasil) e receios com o crescimento econômico (África do Sul). 

Porém, o Goldman Sachs considera que as moedas da Ásia emergente – notadamente won sul-coreano e dólar de Taiwan – aparecem como “fortemente expostas” a uma guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo. Em grande parte, essa visão é explicada pela expectativa de que as tensões piorem antes de qualquer melhora. 

O Goldman entende que as economias sul-coreana, taiwanesa e malaia e suas moedas são “significativamente” afetadas pelos acontecimentos na China, já que são bastante ligadas às cadeias regionais de oferta e exportam produtos similares a países similares, com Pequim sendo um importante destino final das exportações. O won, contudo, deve ser o mais afetado, com pressão extra vinda de questões idiossincráticas — desaceleração do ciclo de chips de memória, da economia e perspectiva mais fraca para os balanços das empresas domésticas. “Ficar vendido em won pode proteger uma série de portfólios de risco”, diz Irene Choi, analista de mercados para a Ásia do Goldman. Ela estima que o won recue 2,8% ante o dólar ao fim dos próximos 12 meses.

A moeda chinesa, o yuan, é um caso à parte. A divisa perde 6% ante o dólar desde que Washington elevou o tom protecionista, no começo de abril, e a possibilidade de escalada das tensões comerciais joga contra a taxa de câmbio da China, segundo o Commerzbank. Por outro lado, Morgan Stanley e Credit Suisse acreditam que Pequim priorizará a estabilidade da moeda para evitar êxodo de investidores do mercado local. O Morgan espera valorização de 1,3% do yuan ante o dólar até o fim do ano, e o Credit Suisse zerou posição comprada em dólar contra o renminbi “offshore” (negociado em Hong Kong). 

Risco de recessão

À medida que aumentam os riscos de uma guerra comercial mais ampla, alguns analistas começam a discutir riscos de recessão econômica nos próximos trimestres. O J.P. Morgan diz que a probabilidade de recessão nos EUA dentro de dois anos é de quase 60% e que, no passado, leituras semelhantes foram seguidas de baixas na economia.

Nesse caso, além do iene japonês, do dólar americano e do franco suíço, o banco inclui a moeda de Cingapura entre as que tendem a performar bem em períodos recessivos. Mas, ajustando as medidas a particularidades de cada recessão, o J.P. conclui que as moedas suíça e de Cingapura são os melhores “hedges” em momentos de contração econômica. “Sem surpresas, são divisas com posições externas extremamente fortes”, afirma Paul Meggyesi, diretor-geral do time de estratégia para câmbio global do J.P. Morgan.

Na outra ponta, real brasileiro, lira turca, won sul-coreano, dólar neozelandês e coroa sueca lideram, nessa ordem, a lista das divisas que mais costumam sofrer em períodos recessivos. Com as depreciações já experimentadas por várias das moedas de risco, porém, algumas estão em patamares historicamente baixos, o que as deixa com algum “colchão” de resistência a uma nova onda de vendas. É o caso especialmente da coroa sueca (26% mais fraca que sua média histórica de longo prazo) e do peso mexicano (-24%).

Mesmo caindo 14% neste ano ante o dólar, o real ainda está em linha com sua média histórica de perdas pré-recessão, segundo Meggyesi, o que deixa a moeda brasileira sem grande impulso. Já a divisa mais cara desse universo — e, portanto, com mais riscos de desvalorização — é o dólar da Nova Zelândia, atualmente 10% acima de seu valor médio de longo prazo.

Veículo: Valor Econômico

Seção: Finanças



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