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Dólar a R$ 3,70 vira piso para mercado

A perspectiva para o dólar ao longo deste ano tem assumido um tom cada vez mais negativo. Especialistas hoje veem grande chance de a cotação terminar 2018 acima dos R$ 3,70 - estimativa do Boletim Focus -, o que aumenta a relevância das projeções em cenários alternativos. 

O ambiente de maior apreensão ganhou reforço no fim de semana, após o imbróglio envolvendo a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mesmo tendo sido revogada mais tarde, a determinação de soltura de Lula gera incertezas jurídicas e deve reforçar a busca por dólares por parte dos investidores, com o objetivo de proteção. 

A persistente demanda pela moeda americana no mercado de derivativos é uma evidência clara desse tom mais sombrio. Ao longo do mês de junho, o mercado não apenas absorveu toda a oferta de US$ 43 bilhões em contratos de swap cambial do Banco Central (BC) como também ampliou posições compradas em derivativos, num sinal de expansão das apostas na alta da cotação. O fato de o movimento não ter sido revertido, mesmo com a alta do dólar para cima dos R$ 3,90, é uma demonstração de que o mercado segue vendo chance de altas adicionais da taxa de câmbio. 

A posição comprada em dólar no mercado chegou a US$ 51 bilhões, maior nível desde março de 2016. O número inclui operações com dólar futuro e cupom cambial (DDI), além dos próprios swaps oferecidos pelo BC. "Se acreditasse que o dólar já bateu as máximas, o mercado não estaria ampliando suas posições compradas", diz um experiente gestor.

As intervenções do BC se concentraram no período de seis dias, entre 8 e 15 de junho, quando o dólar rondava R$ 3,75. Isso significa, de acordo com especialistas, que aquele era um nível considerado "barato" para se tomar o derivativo e manter na carteira. Desde então, a cotação já encostou nos R$ 3,95, inclusive no mercado futuro, sem dar sinais de que um alívio sustentável está por vir. 

Para o chefe de estruturação de derivativos do BofA Merrill Lynch, Nuno Martins, o ritmo de compra de dólares pode ser mais gradual daqui para frente, dado o atual patamar e também o volume de intervenções do BC. "Mas o ambiente é de preocupação, seja pela sombra de guerra comercial lá fora, seja pelo crescimento mais acentuado da economia dos Estados Unidos", diz. "E a busca por dólares vem num ambiente de incertezas em relação à eleição no Brasil." 

Outra demonstração de que o mercado vê riscos de instabilidade à frente está no nível de volatilidade implícita nos derivativos. Esse indicador - que demonstra o risco de oscilação do dólar ante o real - aponta para um salto substancial nos contratos para outubro. A taxa avança para 23% no mês da eleição, o que significa uma flutuação mensal do dólar de cerca de 6,5%. Para o período de 12 meses, o mercado trabalha com uma volatilidade implícita de cerca de 16%, o que corresponde à expectativa de flutuação mensal em torno de 4,5%. "Em tempos normais, o nível é de cerca de 13%. Portanto, mesmo fora de outubro, o mercado precifica um certo estresse nos próximos 12 meses", diz o gestor.

Embora não tenha havido ainda uma rodada de revisões de expectativas para o dólar, o comportamento do mercado mostra que esses cenários, traçados no início do ano, ficam cada vez mais frágeis. O economista-chefe da Mapfre Investimentos, Luis Afonso Lima, admite que a probabilidade de sua projeção para o câmbio se concretizar é de "apenas" 60%. "Eu considero baixa (...) e se tivermos de corrigir vai ser para cima", aponta o especialista da Mapfre, que faz parte das cinco instituições que mais acertam projeções de médio prazo no Boletim Focus. Ele espera uma taxa cambial de R$ 3,70 por dólar no fim do ano, mas o risco de tocar, temporariamente, R$ 4 até lá não é descartado.

O Itaú Unibanco já revisou sua projeção para o câmbio no fim de 2018 e 2019 para R$ 3,90, ante estimativa anterior de R$ 3,70. A mudança reflete uma reavaliação do risco ocorrida na economia brasileira no último mês, principalmente porque a reforma da Previdência não foi aprovada, conforme aponta em relatório. 

O risco de a reforma não sair do papel nem no próximo governo é só um dos pontos que contribuem para um cenário mais adverso. Algo mais extremo seria a reversão do teto de gastos. Na avaliação do economista-chefe do Rabobank Brasil, Maurício Oreng, o dólar poderia chegar a cerca de R$ 4,50 com um presidente "pseudorreformista". A taxa poderia subir ainda mais, a aproximadamente R$ 5,50, com a chegada de um governo declaradamente "antirreformas". 

"Em ambos os casos, a tendência seria de fuga de capitais [acomodada apenas temporariamente pelo uso de reservas internacionais pelo BC]", diz Oreng. O cenário base, entretanto, é dólar a R$ 3,70 com um quadro político mais apaziguado. "Essa projeção já está bem otimista (...) é difícil estimar um câmbio muito melhor com tanta incerteza", acrescenta. 

Na B3, cerca de 10% dos contratos de opção de compra de dólar para janeiro de 2019 têm valor de referência acima de R$ 4,50, indicando alguma proteção contra o cenário mais adverso. Se o dólar superar esse nível no começo do ano que vem, vale a pena exercer o direto de compra ao preço estabelecido no contrato. Vale observar que as opções de compra da moeda superam as de venda. 

"Com a conjuntura externa e interna atual, o risco de uma deterioração dos ativos locais é maior do que o oposto, e isso tende a ser determinante no posicionamento", diz o operador Cleber Alessie Machado, da H.Commcor.

Até a eleição, a moeda americana deve oscilar entre R$ 3,80 e R$ 4, aponta o economista Luciano Sobral, do Santander Brasil. "O mercado está menos confiante na vitória de um candidato reformista, é um cenário pior do que o nosso", diz. A projeção do banco - que também faz parte do Top 5 de médio prazo - foi mantida em R$ 3,50 desde o começo do ano. "Parecia exagerado antes e agora tem uma cobrança de que a taxa poderia ser mais alta", afirma Sobral.

A condição para esse cenário é a eleição de um candidato reformista. "Nesse caso, quem fez hedge ou quem tem uma aposta mais especulativa pode desfazer a posição, revertendo a pressão no câmbio", diz Sobral.

Por ora, a falta de informação sobre as propostas dos presidenciáveis se traduz num prêmio de risco muito elevado, que tende a ser ajustado com o andamento das campanhas eleitorais, diz Afonso Lima, da Mapfre. "Não precisa ser nem o céu, nem o inferno, pode ser que um candidato que não é governista ou reformista - como esperava o mercado no começo do ano - tenha propostas razoáveis", diz. E lá fora, acrescenta, a expectativa sobre o aperto monetário dos Estados Unidos tende a se ajustar diante de sinais menos intensos de crescimento da atividade.

Veículo: Valor Econômico

Seção: Finanças



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