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País enfrenta risco de permanecer no 'modo crise'

A segunda grande crise do governo Michel Temer (MDB), provocada pela greve dos caminhoneiros nos últimos dias de maio, trouxe impactos mais graves para a economia do que o primeiro grande momento de tensão, causado pela delação de executivos da JBS, em maio passado. Com a nova turbulência, que ocorre em meio à piora do cenário externo e às vésperas da corrida eleitoral mais incerta da redemocratização, voltam a emergir dúvidas sobre o que será do futuro do país, passadas as eleições, e quais erros nos trouxeram até aqui.

Para responder a essas e outras questões, o Valor ouviu economistas com perspectivas diversas, como Renato Fragelli, da Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getulio Vargas (EPGE-FGV); Luiz Gonzaga Belluzzo, doutor em economia pela Unicamp; e Simão Silber, da FEA-USP. 

Na perspectiva de Silber, o risco de o país mergulhar novamente numa recessão é pequeno e a economia tende a continuar se recuperando, ainda que a passos lentos. Segundo o economista, a situação vivida pelo país hoje tem origem em erros que começaram nos governos militares e não podem ser imputados a Temer, cuja administração tem resultado líquido positivo, apesar das inegáveis "barbeiragens".

O professor da USP avalia 2018 como um ano de "desaceleração com relação às expectativas", onde um crescimento entre 1% e 2% da economia parece razoável. Para 2019, Silber acredita que um avanço de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) é possível, desde que eleita uma gestão capaz de negociar com o Congresso o ajuste de contas necessário. Mas os nomes que hoje lideram as intenções de voto tornam essa perspectiva duvidosa e pode vir pela frente mais baixo dinamismo no crescimento econômico e volatilidade. 

"O risco [de nova recessão] é pequeno, mas em economia temos uma frase lapidar que é 'nunca diga nunca'", afirma Silber. Segundo ele, a possibilidade de a economia voltar a encolher, após o breve respiro recente, aconteceria num caso extremo de desconfiança com relação ao país, em função de uma combinação de condições econômicas "totalmente deterioradas", condições políticas também nebulosas, com um Banco Central que não tivesse condições de intervir de maneira adequada a um ataque especulativo de grandes proporções, com consequente "overshooting" da taxa de câmbio. "Essa probabilidade existe, mas é um efeito de cauda, muito difícil de ocorrer", afirma. 

Assim, o cenário mais provável é de continuidade da lenta recuperação. "Como estamos vindo de uma base muito pequena, após a economia passar por uma recessão brutal, a recuperação está vindo, não da forma como se imaginava há seis meses, pois ocorreram eventos políticos que mudaram as expectativas", diz, citando as denúncias do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot contra Temer, e a recente greve dos caminhoneiros como exemplos. "Esta é a segunda morte de Temer", avalia. 

Para Silber, apesar das incertezas, o quadro eleitoral este ano não provoca tanto temor quanto aquele de 2002, primeira eleição do petista Luiz Inácio Lula da Silva. Naquele ano, foi a primeira vez na história da redemocratização que um presidente de esquerda chegava ao poder, lembra. "Não me parece que haja hoje um candidato que tenha na sua cartilha a ideia de fazer uma moratória de dívida do governo nesse momento", afirma, lembrando que à época, Lula lançou a "Carta ao Povo Brasileiro", para acalmar o mercado quanto a essa possibilidade, o que seria impensável para candidatos atuais. 

Na visão do economista, como já demonstrado na pesquisa Datafolha divulgada domingo, as turbulências recentes devem ter pouco efeito sobre a eleição. "A partir desta semana ninguém mais vai estar preocupado com isso, vai estar preocupado se o Brasil chega na final [da Copa] e todas essas coisas perdem importância", avalia. Silber acredita que os indecisos devem começar a diminuir a partir de julho.

Para o país voltar a uma rota de crescimento sustentável, mais do que a reforma da Previdência, é necessário um programa ambicioso de investimentos, capitaneado pelo setor privado a partir de um plano de privatizações, redução dos monopólios, concessões e parcerias, acredita. "O grande desafio do Brasil é, ao invés de crescer 2%, crescer 5%, e o que falta para isso é planejamento estratégico, definir as prioridades, com apoio da população e do Congresso", conclui.

Veículo: Valor Econômico

Seção:  Brasil



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