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O “dream team” fracassou?

O “dream team” fracassou? Esta é uma pergunta pertinente na hora em que se constata que equipe econômica do governo Temer – cultuada pelo mercado financeiro e por boa parte da elite econômica – muito provavelmente não vai conseguir colocar o Brasil de volta numa trajetória de crescimento aceitável nos seus dois anos e meio de gestão, que parecem tempo suficiente para exaurir a justificativa da herança maldita.

Em artigo ontem (12/6/18) no jornal Valor Econômico, o cientista político Fernando Limongi escreve que não se deve esperar autocrítica dos ortodoxos diante do fracasso do governo Temer, e também do fiasco do “dream team” liderado pelo ex-ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, em cumprir a promessa de que a economia voltaria a crescer.

Segundo Limongi, “os liberais se eximem de culpa e a única solução que enxergam para a crise é radicalização do seu programa”. Na verdade, a crítica aqui se parece com a que os próprios liberais frequentemente fazem aos responsáveis pelas mal sucedidas experiência heterodoxas na economia brasileira – não “cola” dizer que não deu certo porque não se foi suficientemente a fundo nas mudanças.

O cientista político narra em sua coluna como a equipe econômica de Temer teve carta branca para aplicar o seu “receituário ortodoxo”, mantendo seu prestígio junto ao mercado mesmo quando já havia uma completa desmoralização dos políticos “profissionais” que lideraram a articulação do atual governo no Congresso.

Limongi, entretanto, passa batido sobre um ponto essencial: a reforma da Previdência, o alicerce fundamental sobre o qual estava montada toda a estratégia econômica do “dream team”, não foi aprovada. O que o cientista político chama de “radicalização” do programa dos liberais nada mais é do que plano original. Não é porque um projeto foi diluído ou não teve sua principal parte implantada que a sua concepção inicial passa a ser radicalismo.

Algumas críticas pertinentes podem e têm sido feitas à atual equipe econômica em relação ao fracasso da reforma da Previdência e aos resultados decepcionantes da política econômica de Temer e Meirelles. Na verdade, esses resultados desapontadores são explicados em boa parte justamente pelo fato de a reforma não ter sido aprovada, deixando o rombo fiscal estrutural intacto, com toda a vulnerabilidade daí derivada. Outro fator que explica o fraco desempenho econômico de 2016 a 2018 foi a natureza extremamente lenta de uma retomada que envolveu grande processo de desalavancagem de famílias e empresas após a recessão superprofunda de 2014 a 2016.

A primeira crítica pertinente é que o governo deveria ter usado o seu capital político inicial para aprovar a reforma da Previdência, em vez de colocar o teto de gastos na frente. É uma crítica mais fácil de se fazer depois que se sabe o resultado da escolha, e ninguém pode negar que o escândalo das fitas de Joesley em maio do ano passado, que colocou a pique a reforma da Previdência, foi um fato totalmente imprevisível. Por outro lado, pode-se alegar que, dado o clima do Brasil com a Lava-Jato e a reputação ética de Temer e seus aliados no Congresso, a possibilidade de que algum grande escândalo implodisse o capital político do presidente era bastante real e deveria ter sido levada em conta no timing das reformas.

A outra crítica tem menos a ver com questões táticas e tem uma natureza quase moral: devem tecnocratas competentes servir a governos que, mesmo com um programa econômico que estes técnicos consideram corretos, são suspeitos das piores práticas políticas e não têm respaldo popular? Evidentemente, não é uma pergunta fácil de responder.

Tirando essas críticas, entretanto, não faz sentido tomar a recente experiência do “dream team” como uma comprovação do fracasso do seu programa econômico. A ideia de que os ortodoxos usam hoje a mesma desculpa que os mentores da nova matriz econômica – não se foi a fundo o suficiente – é uma falsa simetria. A pergunta que deve ser feita é: qual o economista heterodoxo respeitado que hoje defende que os aportes do Tesouro no BNDES deveriam ter sido o dobro, assim como os subsídios ao consumo de bens industriais de Guido Mantega, ou o número de plataformas a serem construídas pela Sete Brasil, ou as pedaladas fiscais, etc.? Evidentemente nenhum, embora haja aqueles que não são levados a sério nem pelos seus colegas do mesmo campo ideológico que possam defender um ou outro desses absurdos.

Quando se pensa na atual gestão da equipe econômica de Temer, é o contrário. Não só há um total consenso dos economistas afinados com o “dream team” de que ficou faltando fazer a reforma da Previdência, como, quando ficou evidente que ela não passaria, rios de tinta foram gastos em artigos na imprensa alertando que, sem esta essencial reforma, a situação econômica brasileira ficaria extremamente vulnerável e dependente dos humores do mercado externo.

Critica-se Meirelles e a equipe econômica por terem prometido o que não entregaram e por manterem o otimismo mesmo depois que a reforma da Previdência tornou-se progressivamente mais difícil de passar, sendo finalmente abandonada. Mas é da natureza de qualquer autoridade econômica manter uma visão otimista para tentar induzir a confiança nos agentes. É claro que, a partir de certo ponto, esse otimismo oficial desanda, e se torna caricatural e contraproducente. Daí a achar que a equipe econômica deveria ter anunciado que muito provavelmente tudo daria errado na sua gestão porque a reforma da Previdência não foi aprovada é passar um atestado de ignorância sobre como governos funcionam em qualquer país do mundo.

No final das contas, entretanto, o que interessa, como numa Copa do Mundo, é o resultado. O Brasil tinha um timaço em 1982, autodeclarou-se “campeão moral” em 1978 por não ter perdido nenhuma partida, mas nada disso tirou o gosto amargo destas duas copas. Dessa forma, é melancólico que o “dream team” – que deu passos muito importantes para o futuro do Brasil tanto na macro como na microeconomia – vá chegando aos 15 minutos finais do segundo tempo sem ter entregado a principal promessa e associado ao governo mais impopular desde a redemocratização. Daí a vaticinar o fracasso de uma agenda que não foi implementada na sua proposição central – a reforma da Previdência – é um grande equívoco.

Veículo: Estadão

Seção:  Economia e Negócios



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