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Gucci tenta superar a líder Louis Vuitton

François-Henri Pinault, o bilionário presidente do conselho de administração do grupo francês de artigos luxo Kering, reacendeu a rivalidade com o compatriota Bernard Arnault no começo deste ano quando declarou que a Gucci, carro-chefe de suas marcas, poderia eclipsar a Louis Vuitton. 

Os comentários de Pinault foram uma provocação dupla. A Louis Vuitton não é apenas a maior marca de luxo do mundo em receita - cerca de 50% superior à da Gucci. Os dois empresários também carregam um passado de disputas. A LVMH perdeu para a Kering, então conhecida como PPR, uma longa e cáustica batalha para adquirir a Gucci há quase 20 anos.

Desde então, a Gucci tornou-se símbolo da longa rivalidade entre a LVMH e a Kering e entre os Arnault e os Pinault, as respectivas famílias que além de donas também as administram.

Pinault tem motivos para ser otimista. Na semana retrasada, o balanço trimestral da Kering mostrou o sétimo trimestre consecutivo de crescimento superior a 10% nas vendas da Gucci. As ações da Kering atingiram cotação recorde. As vendas subiram 49% nos primeiros três meses do ano e somaram € 1,9 bilhão, superando a expansão de 43% que a marca havia registrado no quarto trimestre de 2017.

Em vista desse ímpeto notável, seria realista pensar que a Gucci tem condições de superar a Louis Vuitton?

Como se trata dos donos dos dois maiores grupos de bens de luxo com sede em Paris já "há uma competição por definição", segundo o vice-presidente da Altagamma, associação da indústria de bens de luxo da Itália, Armando Branchini. Além disso, também há uma rivalidade geracional que amplifica a tensão, acrescentou. Pinault, de 55 anos, sucedeu seu pai no comando da Kering em 2005 e busca arrebatar a coroa de Arnault, de 69. 

A competição entre a Gucci e a Louis Vuitton é a manifestação mais recente dessa batalha de dinastias, disse Branchini. "Em uma indústria na qual o sucesso e o crescimento têm sido tão grandes, esta rivalidade faz parte do jogo." 

Com a recuperação da Gucci, a reputação de Pinault ganhou mais pontos. A marca famosa por seu logotipo de duplo G promoveu a virada mais impressionante dos últimos anos no mercado de luxo, o que é particularmente notável por ser um mundo conhecido justamente por ter muitas viradas. 

Há pouco mais de dois anos, a marca era vista como carta fora do baralho por executivos do setor. As vendas estavam em queda e seus desfiles nas passarelas, assim como sua imagem, cansavam os olhos.

O golpe decisivo de Pinault foi promover Marco Bizarri, uma estrela ascendente na Kering, conhecido por sua habilidade para gerenciar pessoas, ao cargo de executivo-chefe da Gucci. Bizarri, por sua vez, escolheu como diretor criativo o romano Alessandro Michele, de 45 anos, um membro, em grande parte desconhecido, da equipe interna de design da Gucci, mas notável por sua afeição à moda de rua e pelo estilo renascentista.

A dupla revigorou a marca de 97 anos. Colecionou prêmios e mais prêmios de moda e elevou as vendas do grupo de € 3,5 bilhões para € 6,2 bilhões entre 2014 e 2017. O lucro operacional da Gucci quadruplicou desde que o Bizarri e Michele assumiram as rédeas. 

Sua receita para o sucesso foi dedicar-se a oferecer uma marca de luxo que estivesse orientada à geração Y (nascidos entre início dos anos 80 e início dos 2000), o grupo de consumidores de maior crescimento na atualidade. Somados aos colegas da geração Z (nascidos entre meados dos anos 90 e meados dos 2000), essas faixas etárias vão ser o maior grupo de consumidores de luxo em 2030, segundo a firma de consultoria Bain.

A mudança se deu, em parte, graças à estética eclética de Michele, que tem raízes na tradição da marca. Seus desfiles nas passarelas são profusões de lantejoulas, estampas florais, casacos com capuzes e imagens de desenhos, mocassins revestidos de peles e logotipos retrabalhados da Gucci, que caíram no gosto da geração Y e lhe valeram o apelido "Guccy". Uma combinação que, de forma crucial, conseguiu sobressair-se nas redes de relacionamento social na internet. 

Paralelamente, Bizzarri, 55, um consultor de administração de empresas de 1,96 metro de altura, reescreveu a estratégia da marca de luxo. Alçou a criatividade e a mídia digital ao cerne da empresa, relegando o marketing e o merchandising a papéis de apoio. A firma de pesquisas L2 escolheu a Gucci como a principal marca de moda no mundo digital nos últimos dois anos.

"Mudamos radicalmente a forma como nos comunicamos", disse Bizarri ao "Financial Times" em 2017. "Mudamos tanto, que mais de 50% de nossos negócios agora vêm da geração Y."

O desafio agora para a Gucci e a Kering é tornar a marca italiana um sucesso longevo como é o caso da Louis Vuitton. E, ao longo do caminho, contradizer aqueles que duvidam da marca e acham que os consumidores vão se cansar logo de sua estética maximalista. 

Paola Cillo, professora associada de administração na Bocconi University, de Milão, é uma das especialistas na indústria de moda apostando que "a recuperação iniciada por Bizzarri e Michele ainda não acabou". Embora todos saibam que "as marcas populares agora não vão ser tão populares daqui a dois anos", Bizzarri e Michele vêm rompendo com esse roteiro, segundo Cillo.

"O que é novo na transformação da Gucci é que eles criaram uma plataforma muito aberta e muito caótica de certa forma. É muito aberta a interpretação", disse.

A professora acrescentou que isso permite à marca evoluir junto com os gostos dos consumidores e atrair uma ampla variedade de compradores, com produtos como sapatos de salto alto e bico fino Sackville, de € 730, ou uma jaqueta jeans superdimensionada com a palavra "Spiritismo" gravada ao longo do peito, de € 2,7 mil.

Pinault disse ao "Financial Times" em fevereiro que a Gucci estava "apenas no começo". "Temos um fenômeno que vai bem além do sucesso efêmero", disse. "O que é muito importante para nós é que queremos alcançar os clientes ao longo do tempo." 

Ainda assim, tentar alcançar a Louis Vuitton é um grande desafio, dizem analistas e executivos do setor. Para começar, a Gucci é muito menor.

A LVMH não divulga os números exclusivos da Louis Vuitton, mas a marca é a principal fonte de lucros do grupo. Analistas estimam que seja responsável por quase 70% das vendas da divisão de artigos de moda e couro, a maior do grupo. As vendas dessa unidade subiram 16%, para € 4,27 bilhões no primeiro trimestre, depois de uma expansão de 21% em 2017, para € 15,5 bilhões, quando só a Louis Vuitton teve aumento de 2 bilhões de euros nas vendas.

"Tentar superar a Louis Vuitton é uma meta bem complicada para a Gucci", disse Luca Solca, analista do Exane BNP Paribas especializado no mercado de artigos de luxo, argumentando que a marca francesa é "um negócio melhor e mais forte" do que a italiana.

Solca considera que uma das chaves do sucesso da Louis Vuitton são suas políticas de não conceder abatimentos nem de vender no atacado, ao contrário da Gucci, que tem lojas de desconto e negócios atacadistas. 

O controle da Louis Vuitton sobre sua distribuição ajuda a manter a exclusividade da marca, acredita o analista. Mesmo quando lançou uma linha de perfumes em 2016, sua primeira em 70 anos, os produtos ficaram disponíveis apenas nas lojas da Louis Vuitton. 

O analista Thomas Chauvet, do Citigroup, disse que a força da Louis Vuitton também tem sido sua "extrema constância", que lhe permite criar fontes constantes de vendas, como as bolsas tipo "canvas" com o logotipo Neverfull. O preço de varejo gira em torno a € 1 mil e as bolsas se tornaram um símbolo de status pelo mundo. A Louis Vuitton também tem uma grande proporção de produtos que consegue manter de uma temporada a outra.

Seu diretor criativo mais recente é o altamente prestigiado Nicolas Ghesquière. A Louis Vuitton ampliou as colaborações em 2017, como as acertadas com a marca nova-iorquina de moda de rua Supreme e com o artista Jeff Koons, que recriou obras-primas de pintores como Gauguin e Monet e as transpôs a bolsas de mão Louis Vuitton. Além disso, Michael Burke, o CEO da Louis Vuitton, é executivo de longa data da LVMH e um auxiliar fundamental de Arnault. 

"Há uma enorme dose de criatividade nos produtos e [há] marketing de impacto em uma pequena parte dos negócios, que cria burburinho e visibilidade de marca. Além disso, o controle pleno da distribuição e a ausência de descontos ajudam a proteger a marca Vuitton como nenhuma outra", acrescentou Chauvet.

"A Louis Vuitton tem um histórico de crescimento constante e, em grande parte, muito sólido. Acho que é aí que Pinault quer posicionar a Gucci - em contraste com os ciclos anteriores de ascensão e queda." 

A Gucci é mais diversificada que a rival, com cerca de 60% de sua receita vindo dos artigos de couro. Também tem grande parte dos negócios em áreas como calçados e moda prêt-à-porter. Embora a Louis Vuitton continue menos diversificada que outras megamarcas do setor, com cerca de 90% de sua receita vindo da área de couros, isso lhe dá mais potencial para expandir-se em outras categorias, segundo a Exane BNP Paribas. 

Além disso, existem fatores que poderiam fazer a Gucci desencarrilar. A partir do segundo semestre deste ano, a marca vai ter bases de comparação mais difíceis de superar, uma vez que seu renascimento começou no verão europeu de 2017. "Deverá haver uma normalização progressiva ao longo do ano", disse Jean-Marc Duplaix, diretor de finanças da Kering, na semana passada, acrescentando que, ainda assim, o ritmo de crescimento da Gucci deverá continuar alto.

Outro possível problema é que a Gucci está sob investigação na Itália por questões tributárias, o que poderia abalar sua imagem cuidadosamente trabalhada, mais notavelmente com os tão importantes compradores da geração Y. Mas o maior perigo para marca talvez seja sua trivialização, o risco de a Gucci se tornar onipresente e superexposta.

Chauvet estima que as receitas da Gucci vão crescer 26% neste ano, 9% em 2019 e 7% em 2020. Para a divisão de moda e artigos de couro da LVMH, ele projeta expansões de 11% em 2018, de 7% em 2019 e de 7% em 2020.

Por enquanto, o que se vê é Pinault pisando fundo no acelerador e Arnault tentando limitar o tamanho já considerável da Louis Vuitton, para manter sua imagem e atratividade.

"Tudo o que precisaríamos para dobrar as receitas seria produzir mais", disse Arnault na assembleia anual da LVMH em abril. "Mas isso se daria em detrimento da qualidade e envolveria abrir a distribuição, o que no longo prazo teria sérias consequências na percepção sobre a marca, em seu status, sua imagem e sua atratividade." 

O que me interessa na Vuitton não é o tamanho. É que a Vuitton continue a marca mais desejável do mundo daqui a dez anos", disse Arnault, talvez em referência a toda badalação quanto à trajetória de crescimento da Gucci e ao desafio feito pelo rival Pinault. 

Veículo: Valor Econômico

Seção: Empresas



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