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Melhora até quando?

No domingo (11/3) e na segunda-feira (12/3), o Estadão publicou notícias bastante sintomáticas de uma virada para melhor da economia brasileira neste ano e no próximo, depois do biênio terrível de 2015 e 2016 e da transição de 2017.

No domingo, Luiz Parreiras, estrategista da gestora Verde Asset Management disse em entrevista aos jornalistas Karla Spotorno e Altamiro Silva Junior que “está difícil construir um argumento muito pessimista em relação ao crescimento do Brasil hoje”.

A construção da frase é peculiar, mas suas entrelinhas ficam mais claras quando se sabe que a Verde tem como sócio principal o investidor Luis Stuhlberger, que se caracterizou nos últimos anos por muito ceticismo em relação à economia brasileira – derivado, é claro, da crônica incapacidade do país de atacar as causas mais profundas dos seus problemas estruturais.

Nessa ótica, a frase de Parreiras soa como um reconhecimento de que, apesar dos problemas estruturais não resolvidos, algo acontece que mantém a economia em trajetória de melhora por pelo menos um ou dois anos.

Em consequência, a Verde, como relatado na reportagem, passou de um posicionamento em ações brasileiras de praticamente zero em junho para algo em torno de 9% atualmente, e montou posições compradas em real e na queda dos juros. A gestora mantém uma visão cética em relação a prazos mais longos, mas rendeu-se à perspectiva de melhora neste ano e no próximo.

A outra notícia, manchete do Estadão de hoje, em reportagem de Renée Pereira, Anna Carolina Papp e Luiz Guilherme Gerbelli, é que as famílias brasileiras estão retomando os hábitos de consumo anteriores à longa recessão iniciada em 2014 e terminada em 2016. A constatação vem de dados da consultoria Kantar Worldpanel, que monitora o consumo de bens que tipicamente cai em recessões, como o de manteiga (substituída por margarina) ou de azeite. Assim, a manteiga voltou a ser consumida em dois milhões de lares e o azeite em 1,4 milhão.

Outros dados relevantes citados na matéria são a redução do endividamento das famílias de 22,8% da renda mensal em 2015 para 19,9% em dezembro de 2017, e a estimativa do Santander de liberação de R$ 124 bilhões na economia pelo aumento da massa salarial e recuo do endividamento.

Entretanto, apesar desses sintomas muito claros de uma maré ainda crescente de otimismo econômico no Brasil, é difícil construir uma narrativa que leve do curto ao médio e longo prazo, da recuperação cíclica a um período duradouro de crescimento sustentável.

O principal problema é que o governo que conduziu a política econômica que está levando a esses resultados é talvez o mais impopular desde a redemocratização. As razões são provavelmente duas. A primeira é que, como o mercado de trabalho é o último vagão do ciclo econômico, há de fato uma grande defasagem temporal entre a saída da recessão e a mudança do humor popular. O segundo fator é que, na arena política, o governo Temer está profundamente associado às piores práticas da política brasileira que vêm sendo atacadas pela operação Lava-Jato.

De qualquer forma, para piorar a coisa, Lula, independentemente de poder concorrer ou não, lidera disparado as pesquisas com um discurso que praticamente promete a reedição da nova matriz econômica que detonou a economia brasileira.

Assim, aparentemente não só o eleitorado rejeita tudo o que o atual governo fez, e que está levando à presente retomada, como também apoia a destrutiva política econômica que prevaleceu até 2014. Como há uma eleição presidencial este ano, a primeira inclinação do analista é a de achar que a soberania popular vai impor a interrupção e o desmonte de todo o ajuste duramente construído de 2015 para cá.

Como poderia dar certo? Em primeiro lugar, é preciso observar que as interações entre política e economia são mais complexas do que se achar que o eleitorado vota em determinado programa. Lula é carismático e presidiu uma das melhores fases econômicas para as massas menos favorecidas do Brasil. Assim, o voto é muito mais nele como líder popular do que no seu atual discurso ultraesquerdista. Se Lula não concorrer, não é certo que o eleitorado busque outro defensor da nova matriz.

Em segundo lugar, uma coisa é o discurso de campanha e outra é o governo. Se Lula, ou um candidato petista por ele apadrinhado, ou mesmo Ciro Gomes ganhar, será que haverá uma guinada populista na política econômica? Não parece haver muitos incentivos para isso. Afinal, o país estará crescendo com inflação baixa, e para que mexer em time que está vencendo?

Por outro lado, qualquer vencedor saberá que a janela para reformas difíceis e impopulares é no início do mandato. Lula e Dilma, aliás, atacaram o problema previdenciário no início dos seus mandatos, e há uma ala de importantes economistas ligados ao PT que defende com veemência a necessidade de uma reforma da Previdência.

Será que um novo presidente, seja qual for a sua coloração ideológica, vai remar cegamente na direção contrária à defendida pelo consenso técnico dos melhores economistas do País, da centro-direita à centro-esquerda? E, finalmente, há a chance, real, mas que hoje não parece nada garantida, de que, na ausência de Lula do pleito eleitoral, um candidato de centro, como Geraldo Alckmin, saia vencedor e dê prosseguimento à atual política econômica.

Essa narrativa sobre como a atual maré positiva no curto prazo poderia se transformar numa fase duradoura de crescimento sustentável não é das mais convincentes, mas tampouco é implausível. É sobre ela que se sustenta a esperança de que o Brasil não esteja mais uma vez numa trajetória de voo de galinha. 

Veículo: Estadão

Seção: Economia e Negócios



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