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Crise eleva crença no esforço próprio, diz estudo

Veículo: Valor Econômico 

Seção: Brasil 

Após a maior recessão já vista pelo país, pode surgir um brasileiro com um novo espírito, mais determinado a reconquistar o que perdeu durante a crise e consciente de que terá de fazer isso a partir de seu próprio esforço. Que sonha com mais educação, qualificação e em conseguir um bom trabalho e guardar dinheiro para ter o que deseja, em vez de esperar que de alguma forma isso surja como que por milagre. 

A visão, que certamente agradará aqueles que anseiam por um país mais liberal, capitalista e com um "Estado menor", vem de Eduardo Lorenzi, copresidente da agência Publicis no Brasil, e de Renato Meirelles, do instituto Locomotiva, e está baseada em uma pesquisa que acabam de realizar. Os resultados, avaliam eles, mostram que o brasileiro que sai da crise mais crítico, racional e poupador. 

Realizada entre julho e dezembro de 2017, com 3.614 pessoas de todas as regiões do país, a pesquisa indicou que dois em cada três brasileiros têm mais orgulho de si hoje do que há dez anos. Nove entre dez entrevistados concordam com a ideia de que quem quer alguma coisa deve correr atrás e não esperar nada de ninguém. Além disso, 76% dos entrevistados acreditam na própria capacidade de mudar de vida e 88% pretendem trabalhar muito para guardar dinheiro este ano. E 82% pretendem ampliar seus estudos.

Segundo Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva, a recessão de 2014 a 2016 foi a primeira desde a criação do Plano Real, em 1994, que as famílias sentiram uma efetiva perda de conquistas. Desta forma, o "otimismo ingênuo" dos brasileiros como "no fim tudo dá certo" deu lugar a um olhar mais pragmático em relação ao futuro, de que o futuro depende deles e não de políticos ou instituições.

"As crises desde o Plano Real adiavam sonhos de consumo, como uma viagem, mas não provocam um efetivo downgrade nas famílias. Pela primeira vez, agora, houve uma sensação grande de perda. Quem acessou champagne tem dificuldade para voltar à sidra. Quem viajava de avião não quer levar três dias para chegar a Fortaleza. Essa perda mudou comportamentos e alguns deles vieram para ficar", disse Meirelles. 

De acordo com a pesquisa, 97% dos brasileiros disseram ter sido atingidos pela crise econômica, sendo 56% muito e 38% um pouco. Para enfrentar a crise, a grande maioria (93%) decidiu adotar alguma forma de restrição: 80% reduziram o consumo de alguma categoria de produto, 53% mudaram para marcas mais baratas e 49% pararam de comprar alguma categoria de produto.

Eduardo Lorenzi, copresidente da Publicis, diz que o objetivo da pesquisa foi exatamente identificar como o recessão mexeu com os valores. Ele lembra que a crise que afetou emprego e renda das famílias ganham uma proporção ainda maior quando considerado o otimismo vivido pelo país em anos anteriores. Ele refere-se à Copa do Mundo de 2014, aos Jogos Olímpicos de 2016, ao grau de investimento e à ascensão da classe C. 

"Tudo isso deu lugar a perda do grau de investimento, o crédito indo embora, a Lava-Jato revelando a escala da corrupção, o desemprego, o zika vírus e até mesmo a goleada de 7 a 1 sofrida contra a Alemanha. Não achávamos que fosse possível que isso não tivesse mexido com a alma e convicções do brasileiro. E foi por isso que decidimos fazer a pesquisa, com o objetivo de entender essas mudanças", disse o executivo.

A pesquisa sugere que os tempos de escassez forjaram um consumidor mais exigente e crítico: 76% dizem exigir mais de seus direitos hoje do que há dez anos e 86% afirmam que quando vão às compras hoje têm mais consciência de seus direitos do que no passado. Os que afirmam já ter defendido causas ou bandeiras chegam a 87%. Esse perfil mais criterioso e racional é perceptível ainda quando 85% dos entrevistados afirmam que estão pesquisando mais antes de comprar do que pesquisavam há cinco anos, e 87% afirmam que gostam de levantar informações sobre produtos ou serviços que querem comprar. 

Esse novo padrão de comportamento pode moderar a retomada do consumo das famílias nos próximos anos, em comparação ao padrão do período pré- crise, mas pode torná-la mais "sustentável" no médio e longo prazos. A pesquisa mostra que 70% dos consumidores vão controlar mais seus gastos após o aprendizado da crise. 

"Os brasileiros perderam conquistas e vão querer retomar aquilo, mas a recuperação vai ser com consumo mais criterioso, racional, com pesquisa", disse Lorenzi. 

O levantamento também sugere que candidatos poderão ter dificuldade para angariar votos com a bandeira da retomada da economia, na avaliação do presidente do Instituto Locomotiva. Com consumidores relacionando conquistas ao próprio esforço, a tendência é que atribuam pouco crédito aos resultados da políticas econômicas. Além disso, as famílias ainda não têm uma percepção de melhora de bem-estar, apenas de interrupção do ciclo de piora. 

"Uma coisa são os dados macroeconômicos. Outra coisa é a economia do cotidiano. O governo fala em menor inflação todos os dias. A 'dona' Maria associa isso a uma queda de preços. Mas quando olha o orçamento dela, a percepção é apenas que os preços estão subindo mais devagar. Os alimentos podem ter caído, mas para cozinhar ela usa energia, gás", disse Meirelles.

 



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