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Concorrência e programas de compliance

Veículo: Valor Economico 

Seção: Legislação 

Gun jumping é uma prática assim denominada pelo sistema jurídico dos EUA quando as partes envolvidas em uma operação de M&A realizam atos que importam caracterização de adiantamento do fechamento da operação, ou seja, as empresas devem administrar seus negócios como organizações separadas até a decisão final do agente antitruste.

Ao examinar a prática do gun jumping, a autoridade antitruste brasileira, como outras autoridades ao redor do mundo que utiliza o sistema de notificação prévia, tenta impedir que as empresas envolvidas na operação atuem de forma que elas se tornem uma entidade única antes da eventual aprovação pelo órgão regulador. 

No caso do Brasil, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) veda expressamente esse tipo de ação. Embora a restrição cubra todos os tipos de operação, a preocupação real da autoridade é com operações entre empresas concorrentes, o que pode resultar em troca de informações sensíveis. 

O sistema legal antitruste foi introduzido em nosso ordenamento em 2011 pela Lei nº 12.529, que segue o exemplo da Lei Antitruste dos EUA. O objetivo é também reduzir a concorrência desleal no mercado antes da decisão final da autoridade competente. Essa preocupação faz sentido em qualquer cenário, ou seja, independentemente da decisão da autoridade de aprovar ou desaprovar a transação. 

Em maio de 2015, o Cade aprovou o Guia para Análise da Consumação Prévia de Atos de Concentração Econômica (Guia de Gun Jumping), que visa estabelecer padrões para a análise do Cade e trazer à luz o conjunto controverso de parâmetros pelos poucos precedentes julgados pelo Cade. 

Passando a analisar o tema mais especificamente com ênfase em programas de compliance, entendemos que estes, tratando de temas concorrenciais, podem trazer disposições específicas no que diz respeito a notificações de atos de concentração às autoridades. Por exemplo, a Lei nº 12.529/11, em seu artigo 59, parágrafo 1º, autoriza o conselheiro-relator do Cade a conceder uma permissão precária à prática de atos que, em uma primeira visão, possam ser entendidos como gun jumping, desde que sejam casos específicos e que também haja a possibilidade de revogar o ato de concentração. 

Nesse sentido, um programa de compliance pode ser essencial para tal autorização, ou seja, se as empresas envolvidas tiverem um documento com regulamentos internos específicos destinados a prevenir e punir os funcionários que atuam em desacordo com a lei, certamente será considerado na decisão do Cade, aspecto que em última análise contribuirá para a continuidade da atividade negocial das referidas empresas. 

O Cade é influente e proativo ao incentivar as empresas a terem um programa de compliance e tem seu próprio Guia para Programas de Compliance, aprovado em janeiro de 2016 para fornecer orientação sobre estruturação e benefícios da adoção desse tipo de programa. Adicionalmente, o Cade em seu Guia de Gun Jumping também traz diretrizes relacionadas a programas de compliance, por exemplo, a troca de informações sensíveis durante a fase de negociação, mediante procedimento específico e que os atos de concentração contem com um clean team.

Entendemos que, para a eficácia de um programa de compliance para fins antitruste, a empresa deve seguir os preceitos indicados no Guia de Gun Jumping e no Guia para Programas de Compliance, ambos do Cade e pode, como uma sugestão, estabelecer disposições que tratam da troca de informações confidenciais, preços de produtos, salários dos funcionários, relação com fornecedores, patentes, planos e estratégias para M&A. Além de contratos de acordo com a legislação do Cade e legislação antitruste, relação das partes, especialmente relacionada à interferência nos negócios, transferência de ativos, propriedade intelectual e, por fim, procedimentos para notificação prévia de processo de M&A e consequentes penalidades pelo descumprimento às normas determinadas no programa de compliance. 

Do nosso ponto de vista, quando a empresa possui um programa de compliance efetivo, os procedimentos devem ser seguidos e os atos que estão em desacordo com a legislação podem ser mais facilmente identificados, tornando os atos ilegais mais cedo e mais facilmente impedidos, reduzindo os efeitos negativos, o que pode tornar possível a aplicação de uma multa diminuída. 

Identificar o limite entre o que é válido e o que é nulo nos atos de concentração é um grande desafio, uma vez que a caracterização do gun jumping depende do exame da posição competitiva das partes, condições de mercado, due diligence, programas de compliance, códigos de conduta e, finalmente, atos realizados durante o processo pelas partes e propósito da operação. Sob esse aspecto, um programa de compliance que se compromete com questões antitruste pode ser um caminho para um procedimento seguro de M&A, notificando previamente as autoridades e tornando claras todas as transações de pré-fechamento da operação.

Embora não exista uma disposição legal para mitigar as penalidades por gun jumping, a existência de guias e programas de compliance, em conjunto com as regras publicadas pelas autoridades e que determinam a adoção de certas medidas, pode demonstrar a intenção de se olhar favoravelmente para as empresas que adotam um programa de compliance antitruste. 

Dessa forma, e diante de tamanha complexidade envolvendo a definição do que pode ou não vir a ser considerada uma afronta à legislação em vigor, é altamente recomendável que as empresas implementem um severo programa de compliance com abrangência específica para a prática de atos envolvendo eventual operação de M&A. 

 



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