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O efeito Trump

Veículo: Estadão 

Seção: Opnião 

Começam a ficar evidentes os sinais de que a ação do presidente Donald Trump tende a prejudicar o papel desempenhado pelos Estados Unidos no mundo em defesa da liberdade, tanto no plano político como no econômico, confirmando as previsões pessimistas de seus críticos. Um desses sinais vem de relatório sobre a situação da democracia no mundo, elaborado anualmente pela respeitada organização americana Freedom House.

Esse estudo aponta um declínio global da liberdade, que não vem de hoje, e afirma que os Estados Unidos têm responsabilidade nisso. “Pelo 12.º ano consecutivo, nossos pesquisadores constataram um declínio global da liberdade. Com os Estados Unidos enfraquecidos como líderes da democracia, os direitos básicos estão sob ameaça em todo o mundo.” Em outro trecho, diz que a democracia está sob ataque e recua no mundo inteiro, “uma crise que se intensificou à medida que os padrões democráticos dos EUA iam se deteriorando em ritmo acelerado”.

Embora não haja referência ao governo Trump – a Freedom House preza sua condição de organização apartidária –, a aceleração desse processo, apontada pelo estudo, foi vista como referência indireta à sua atuação. Com relação especificamente à situação da imprensa, a responsabilidade é dividida entre Estados Unidos e outros países democráticos: “O recuo da liberdade da imprensa no mundo deve continuar na ausência de uma forte orientação dos Estados Unidos, de membros da União Europeia e de outras democracias”.

As duras críticas de Trump aos meios de comunicação – que começaram na campanha eleitoral e só fizeram crescer depois que assumiu o poder – são lembradas nesse trecho do relatório. Mas uma ressalva importante se impõe: a Freedom House afirma que os Estados Unidos continuam sendo um dos países mais tolerantes do mundo em relação à imprensa.

Pesquisa do Instituto Gallup aponta na mesma direção do relatório da Freedom House: a queda da aprovação da liderança dos Estados Unidos no mundo se acentuou no governo Trump, caindo de 48% no fim do de Barack Obama para 30% no primeiro ano de mandato do atual ocupante da Casa Branca. Segundo o Gallup, mesmo assim ainda é cedo para determinar se a política de Trump é um sucesso ou um fracasso. Mas acrescenta: “Está claro que, com base na trajetória da opinião mundial sobre o país, muitas das alianças e parcerias consideradas ‘muito sólidas’ pelo governo Trump estão, na verdade, em risco”.

Apesar das naturais cautelas desses estudos, fica claro que as ações e as palavras desabridas de Trump não produzem apenas efeitos internos, acirrando e aprofundando as divisões na política e na sociedade de seu país. Elas estão abalando o prestígio dos Estados Unidos no mundo e, consequentemente, reduzindo sua influência nos assuntos internacionais, embora a liderança do país – pelo peso econômico e militar, sem paralelo com os demais – não esteja ainda sob séria ameaça.

Tudo indica, no entanto, que o desgaste dos Estados Unidos pode continuar, pois Trump não demonstra a menor intenção de se mostrar sensível às advertências contidas nesses estudos. Ao contrário, no mesmo momento em que eles eram divulgados, o presidente americano se mostrava particularmente agressivo com os meios de comunicação – acusados de serem “desonestos” e “inimigos do povo” –, anunciando os ganhadores de seu “Prêmio Fake News”, entre os quais os jornais The New York Times e Washington Post e a rede de televisão CNN.

No plano político, insistiu na construção de um muro na fronteira do México, e que esse país ainda deve pagar por ele, além de qualificar o Nafta – acordo que reúne Estados Unidos, Canadá e México – como “uma piada de mau gosto”. Sem falar na referência grosseira a Haiti, El Salvador e países africanos como “países de merda”. Incontrolável, mesmo por seus auxiliares mais próximos e de maior confiança, Trump parece determinado a ser cada vez mais ele mesmo.

 



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