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Ilegal, e daí?

Veículo: Valor Econômico 

Seção: Empresas 

A sonegação de impostos no país já atingiu R$ 520 bilhões este ano, até novembro, segundo dados apresentados pelo Procurador-Chefe da Dívida Ativa da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro (PGE-RJ), Marcus Vinícius Barbosa, com base em informações do Sindicato dos Procuradores da Fazenda Nacional sobre perdas com evasão fiscal. 

São recursos que poderiam estar irrigando a atividade econômica e que expõem a fragilidade de mecanismos de prevenção e combate desse tipo de crime. Crime, aliás, que vem acompanhado, muitas vezes, de vários outros ilícitos como fraudes, falsificação, contrabando e pirataria de bens e serviços. 

Combustíveis e cigarros estão entre os principais alvos de organizações criminosas, que roubam e comercializam os produtos no mercado ilegal. E esses são justamente os dois itens de maior peso na arrecadação de tributos no país, como o Imposto sobre Produto Industrializado (IPI), no caso dos cigarros, e o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), nos combustíveis. Ao deixarem de recolher impostos, afrontam as contas públicas. 

Essas questões foram amplamente debatidas durante o seminário "Ilegal, e daí?", sobre ilegalidade, pirataria e contrabando, realizado no último dia 30 pelo jornal "O Globo", em parceria com o Valor, "Extra" e "Época", no Rio. 

O encontro reuniu executivos de empresas nacionais e multinacionais, especialistas e autoridades do poder público que analisaram os impactos sociais e econômicos de crimes que afetam toda a sociedade. O consenso entre os participantes é de que cada vez que se compra um produto roubado, falsificado ou contrabandeado, fomenta-se a atividade criminosa, com impactos nefastos para a segurança pública e a atividade econômica. 

O problema é tão grave que as perdas com sonegação de ICMS, no Rio de Janeiro, correspondem à previsão do déficit orçamentário do Estado para 2018, de R$ 10 bilhões. Ou seja, o orçamento para o ano que vem será aprovado nos próximos dias já com um rombo dessa magnitude, contribuindo para agravar a crise fiscal do Estado, que tem no ICMS sua principal fonte de  Para melhorar o combate a fraudes e à sonegação fiscal no Rio de Janeiro, a Assembleia Legislativa (Alerj) aprovou a criação de uma nova Vara de Fazenda Pública, para julgar ações contra sonegadores. O objetivo é que ela comece a operar no primeiro semestre do ano que vem. Juristas reconhecem que há uma baixa efetividade na punição de crimes de sonegação fiscal no país, pois a legislação dá benefícios ao sonegador caso, em algum momento, ele resolva pagar o devido. 

O contrabando de cigarros é tão intenso que a marca mais vendida hoje no país é a paraguaia Eight, já dominando quase 50% do mercado brasileiro. Do total de 100 bilhões de cigarros comercializados no Brasil por ano, cerca de 48 bilhões são provenientes do Paraguai, vendidos aqui por um terço do preço do produto nacional, disse o presidente da Souza Cruz, Liel Miranda, apontando a concorrência desleal. Além da carga tributária de 16%, bem abaixo dos 80% do cigarro brasileiro, o produto paraguaio contrabandeado entra no Brasil sem pagar imposto. 

O produto nacional é vítima ainda do roubo de cargas, dominado por facções criminosas. Somente no Estado do Rio de Janeiro, as perdas com esse tipo de crime atingiram cerca de R$ 20 milhões no ano passado, segundo cálculos da indústria de fumo. Foram 519 ocorrências no Estado fluminense em 2016. Como estratégia de defesa, as empresas montam esquemas de escoltas armadas nas operações de distribuição. As transportadoras do Rio de Janeiro já investem de 15% a 20% do faturamento em segurança, seguro, rastreadores e escolta, com impactos diretos sobre o preço final dos produtos.

Para a presidente da Comissão de Segurança Pública da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), deputada Martha Rocha (PDT), o enfrentamento do problema ultrapassa a esfera da segurança pública. Ela defende a cassação definitiva dos registros de CNPJ e dos alvarás de funcionamento dos estabelecimentos que comercializam produtos roubados.

Segundo o procurador do Ministério Público Federal José Maria de Castro Panoeiro, é preciso reforçar a atuação dos órgãos de inteligência e segurança nos trabalhos de investigação contra as quadrilhas de roubo de cargas e contrabando. Em seu entender, esses são crimes estruturados em cadeias econômicas de distribuição, que precisam ser desmontadas. "Se um sujeito comercializa produto ilegal, acaba contaminando o concorrente, num efeito espiral. Se não houver punição, banaliza o ambiente do crime", diz ele.

O presidente da comissão de segurança pública da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ), Breno Melaragno, concorda que é necessário investir mais em inteligência para desbaratar organizações criminosas. Didático, ele diz não existirem na legislação crimes de pirataria, "o que há são diversas condutas ilícitas, a maioria delas com sanção penal extremamente branda".

Para Melaragno, a conscientização da sociedade é fundamental para combater a compra de produtos no mercado ilegal, mais baratos. O advogado acredita, contudo, que "a demanda não vai acabar, ainda mais num país como o Brasil, com sérios problemas sociais". 

Na percepção do setor empresarial, o combate ao roubo de cargas não é prioridade da política de governo e o problema é agravado pela escassez de recursos públicos. A Polícia Rodoviária Federal não tem dinheiro para colocar gasolina nas viaturas e a Agência Nacional do Petróleo (ANP), com verbas cortadas pelo governo, não renovou contratos com universidades para o controle da qualidade dos combustíveis comercializados, disse o presidente da Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes (Fecombustíveis), Paulo Miranda, que representa um setor prejudicado pela concorrência desleal. 

O subsecretário geral de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro, Luiz Cláudio Fernandes Lourenço Gomes, contabiliza mais de quatro milhões de litros de combustíveis apreendidos em barreiras fiscais. "Mais de 60% desse total ninguém vai buscar", disse ele, configurando as suspeitas de ilegalidade do produto. 

Já o presidente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), do Ministério da Fazenda, Antônio Gustavo Rodrigues, destacou recente instrução normativa da Receita Federal segundo a qual operações financeiras acima de R$ 30 mil realizadas em dinheiro em espécie por pessoas físicas ou jurídicas devem ser comunicadas. Para ele, a medida contribuirá para o combate do crime de lavagem de dinheiro.

O seminário foi patrocinado por Enel, Light, Sindicom e Souza Cruz. 



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