Notícias
Corte de impostos nos EUA vai ajudar economia? Há dúvidas
Veículo: Valor Econômico
Seção: Internacional
Mesmo com a grande alta dos preços das ações americanas ontem, em resposta à aprovação no Senado dos EUA da reforma tributária que corta impostos, muitos analistas se mostram bastante pessimistas com a ideia de que a reforma vai transformar uma economia que já se encontra perto do pleno emprego.
Kent Smetter, uma ex-autoridade do governo Bush que supervisiona a instituição de pesquisas Penn Wharton Budget Model, acredita que haverá um aumento anual de no máximo 0,1 ponto porcentual na taxa de crescimento da economia ao longo de dez anos, como resultado da nova reforma. O impacto de longo prazo sobre as tendências de crescimento será desprezível, acrescenta ele, já que o endividamento extra que resultará da perda de receitas vai pesar sobre a economia. "Não se trata de um empurrão significativo", afirma.
Politicamente, não há dúvidas de que a aprovação do pacote ocorre num momento bastante oportuno. Os Estados Unidos já viram duas leituras de crescimento anual do PIB em 3% ou mais, e o modelo do Fed de Atlanta aponta para um crescimento de 3,5% para o quarto trimestre do ano.
Admitindo que a reforma seja definitivamente aprovada, ela colocará os republicanos em posição de adotar a recuperação com obra do partido, apontando para as mudanças fiscais como combustível para a continuidade do crescimento e potencialmente aumentando suas chances nas eleições legislativas de 2018.
Kevin Hassett, o presidente do Conselho de Assessores Econômicos da Casa Branca, disse ao "Financial Times", antes da aprovação da proposta pelo Senado, que uma reforma tributária significativa significaria "no mínimo que as chances de sustentar o crescimento no patamar dos 3% aumentam enormemente".
Mas os republicanos também terão de assumir a responsabilidade pelo aumento dos déficits, com a Comissão por um Orçamento Federal Responsável projetando que a reforma tributária e dos gastos que está na agenda poderá levar os EUA a um aumento do déficit público na casa do trilhão de dólares a partir de 2019. E o pacote indiscutivelmente não resolve desafios econômicos de longo prazo, nem o aumento da dívida pública, incluindo o aumento da desigualdade social, os fracos resultados educacionais e a desaceleração do crescimento da força de trabalho.
A Câmara dos Deputados e o Senado enfrentam agora a dura tarefa de reconciliar suas duas versões da reforma aprovadas, e vão se esforçar para apresentar uma proposta de lei ao presidente Donald Trump até o fim do ano. Mas o aumento da probabilidade de a proposta se transformar em lei está levando analistas a elevar suas estimativas de crescimento para o curtíssimo prazo.
Alec Phillips, analista do Goldman Sachs, diz que a redução da receita tributária equivalerá a 0,6% do PIB em 2018 e 1,1% em 2019. Supondo o quanto será realmente gasto, transformando-se assim em PIB extra, isso se traduz em um estímulo de 0,3 ponto porcentual ao PIB de 2018 e 0,3 ponto ao PIB de 2019, segundo ele. "Depois disso, o tamanho do corte dos impostos ser estabiliza e começa a cair um pouco, de modo que não esperamos nenhum aumento adicional da contribuição para o PIB em 2020."
Os principais benefícios que estão sendo alardeados pela Casa Branca derivam das reduções do imposto de renda das pessoas físicas e do corte da alíquota do imposto corporativo de 35% para 20%, que segundo acreditam economistas vão se traduzir em maiores investimentos e desse modo, aumento dos salários. O presidente Donald Trump tomou ontem para si o mérito da disparada dos preços das ações, enquanto se jactava dos cortes nos impostos, declarando no Twitter que "os empregos estão voltando com força".
A decisão do Senado de adiar o corte das alíquotas corporativas para 2019, permitindo ao mesmo tempo às empresas deduzir imediatamente os investimentos de capital de 2018, poderá induzir ainda mais as empresas a se apressarem para investir no ano que vem, segundo Scott Greenberg da Tax Foundation. Isso porque as empresas poderão deduzir os custos totais contra uma alíquota de 35%, mas os lucros obtidos com os investimentos seriam posteriormente taxados em 20%. Ele descreve o efeito como "um grande negócio" no curto prazo, embora nem todos os analistas esperem um grande aumento do PIB decorrentes da medida, como ele.
No longo prazo, os efeitos da reforma tributária são muito mais ambiciosos. Jason Furman, que presidiu o Conselho de Assessores Econômicos de Barack Obama e hoje está na Harvard Business School, diz que o maior endividamento vai impor gradualmente um contrapeso crescente ao desempenho da economia além do ano que vem. Ele diz também apoiar a reforma fiscal, mas "eu me certificaria de que ela se pagaria e que não abriria novas brechas".
E mais: analises das iterações anteriores da reorganização tributária sugeriram que os maiores beneficiados seriam os americanos mais ricos, em parte porque as posições em ações corporativas estão concentradas nos grupos mais ricos. Em 2027, quando os cortes das alíquotas de imposto individuais expirarem, mais de 60% dos benefícios caberão ao 1% mais rico da população, segundo o Tax Policy Center. Nesse ano, as taxas subirão modestamente para o grupo de renda mais baixa, mudarão pouca coisa para os grupos de renda média e cairão para os mais ricos.
Janet Yellen, presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA), descreveu o aumento da desigualdade como "perturbador" e sugeriu que se a renda está sendo transferida para os grupos mais ricos, isso poderá reduzir o crescimento geral dos gastos.
"Não acho que será um grande benefício e intensifica de uma maneira grava o problema da desigualdade social", diz Bill Cline, economista do Peterson Institute for International Economics. Ele acrescenta que os principais beneficiários do pacote deverão ser os detentores de ações e o grupo do 1% mais rico da população. A queda de US$ 1 trilhão esperada na arrecadação nos próximos dez anos, como resultado do plano, poderá levar alguns parlamentares a defender cortes nos gastos sociais, o que poderia prejudicar ainda mais os pobres, diz ele.
Compartilhe:
<< Voltar