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Os mitos sobre a China

Veículo: Estadão / Fernando Dantas 

Livio Ribeiro, analista de China do Ibre/FGV, mostra por que diversas das atuais narrativas sobre a economia chinesa são equivocadas ou exageradas.

A ascensão da China como potência levou à criação de diversas narrativas sobre as características do modelo de desenvolvimento do país asiático e seu papel na economia global. Particularmente Donald Trump, o presidente dos Estados Unidos, gosta de atacar a China como um país que emprega diversos instrumentos escusos interna e externamente, que fazem com que seus avanços ocorram à custa do bem-estar de outras nações.

Dessa forma, a China é pintada como um país que manipula a taxa de câmbio e rouba empregos de outros países devido a salários (medidos em dólares) artificialmente baixos. Outra visão é de que a China, com sua enorme sobra de poupança, investe mal, além de manipular seus indicadores econômicos, como o PIB. Adicionalmente, há aqueles que creem que os desequilíbrios chineses são crescentes e forçam o governo a intervir cada vez mais na economia na tentativa de prolongar um modelo insustentável.

O economista Livio Ribeiro, especialista em China do Ibre/FGV, considera que, se for analisada a situação da China atual, as afirmações acima, de maneira geral, são mitos. Ainda assim, ele aponta algumas preocupações, mas que são bem mais modestas do que aquelas enxergadas pelos detratores da China.

Ele começa pela suposta manipulação cambial chinesa, crença em parte baseada no fato de que o renminbi perdeu valor contra o dólar depois da mudança no regime de câmbio em 2015. A primeira observação de Ribeiro é de que já houve algum ajuste desde o movimento inicial, embora a moeda chinesa ainda permaneça abaixo do seu valor em dólares prévio à mudança.

O economista acrescenta que, quando se olha o câmbio real da China contra uma cesta multilateral de moedas, que reflete o globalismo do comércio exterior do país, houve um fortalecimento do renminbi de quase 40% entre 2000 e 2017. Na verdade, ele continua, parece ter havido recentemente um certo esforço das autoridades chinesas para estabilizar a moeda contra a cesta multilateral, o que é muito diferente de manipulá-la para que tornar o câmbio supercompetitivo.

Em relação à acusação de que a China, com sua baixa remuneração do trabalho, rouba empregos de outros países, Ribeiro aponta que, em 2000, o salário médio do trabalhador chinês em dólares era 46 vezes menor que o do americano, diferença que foi reduzida para cinco vezes em 2015.

Assim, se é verdade que o trabalhador chinês, como o de qualquer país em desenvolvimento, é bem mais barato que o americano, a tendência dos últimos 15 anos foi de redução muito acelerada dessa diferença. Esse fato torna-se particularmente significativo quando se considera que, naquele mesmo período (2000-2015), o salário médio do trabalhador mexicano caiu substancialmente em relação ao do americano.

Na verdade, diz Ribeiro, “a economia chinesa perde competitividade de forma bastante acentuada desde 2000, num movimento simétrico ao da valorização do câmbio multilateral”. Hoje o trabalhador na indústria têxtil da China é mais caro do que o de outros países asiáticos como Malásia, Indonésia, Tailândia, Vietnã, Índia, Camboja, Paquistão, Bangladesh e Sri Lanka.

Em relação à qualidade dos investimentos da China, a diminuição da relação entre crédito e crescimento sugere, para Ribeiro, que há efetivamente recuo do retorno sobre o capital – por outro lado, ele observa que isto é até certo ponto natural num país que chegou ao limite de um modelo de crescimento (baseado em exportação e investimento), e que, por esta razão, empreende a transição para um crescimento mais baseado em consumo e serviços.

O economista acha que uma discussão sobre excessos do embalo investidor da China é válida, mas acrescenta que há também fatores positivos, como o enorme investimento em tecnologia de ponta e robotização, que pode ter imenso impacto na produtividade.

Análises detalhadas e comparações realizadas por Ribeiro não indicam manipulação dos indicadores chineses que levem a grandes distorções, como a superestimação do PIB. O que pode haver, segundo o economista, é apenas alguma suavização dos movimentos, mas os níveis e tendências reportados estão aproximadamente corretos.

Quantos aos desequilíbrios, o especialista considera que “algumas bombas têm que ser desmontadas, como excesso de capacidade, bolhas de ativos e saídas de capital, mas a narrativa do colapso iminente é exagerada”. Ribeiro enfatiza que as reformas para liberalizar o modelo da China não serão rápidas e agressivas, e que o Estado permanecerá com um grande papel de intervenção. 

 



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