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“Grandes economias têm mudanças estruturais e juro baixo vai durar”

Veiculo: Valor Econômico.

Seção: Valor Investe.

Questionado pelo Valor sobre o que exatamente ajuda o Brasil no momento, o economista José Júlio Senna, ex-diretor do Banco Central (BC) e chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/ibre), afirma que o mundo mudou. “Já vem mudando desde, talvez, o começo dos anos 2000 o mundo passa por mudanças estruturais importantes. Uma demanda, sem força, por investimento combinada ao grande desejo de poupar, de modo geral, resultou em juro neutro [juro de equilíbrio] em queda, no mundo desenvolvido. Essa condição reflete deficiência de demanda agregada. É bem provável que essa escassez de demanda esteja por trás da ausência de pressões inflacionárias relevantes, no mundo desenvolvido. Sob situação de juro neutro baixo e ausência dessas pressões, os juros [em geral] não precisam ser altos. E isto é o que nos ajuda.” 

Senna faz um breve, mas consistente inventário: “O juro real de longo prazo (30 anos) praticado nos Estados Unidos é inferior a 1% ao ano. Inflações implícitas projetadas para as próximas décadas estão abaixo da meta de 2%. Sondagens mostram a inflação em tendência declinante. Prêmios de alongamento em território negativo para prazos como 10 anos, sugerem que os investidores têm mais medo de choque deflacionário do que de choque inflacionário.” 

Profundo conhecedor da atividade de bancos centrais, José Júlio Senna diz que BCs do mundo desenvolvido têm conduzido suas políticas de juros em meio a ampla oferta de liquidez, reservas bancárias super abundantes e recorrem às taxas administradas de juros – como juro sobre reservas bancárias – como instrumento auxiliar na gestão monetária. “E os bancos centrais parecem estar gostando desse ‘novo modelo’. Moral da história: parece baixa a vontade de reduzir os balanços expressivamente, o que significa dizer que provavelmente teremos abundância de liquidez internacional ainda por muito tempo.”

Na avaliação do ex-BC, é pouco provável que essas condições se alterem, a curto prazo. “Quais, então, são as principais fontes de risco?”, pergunta. E cita três: risco de natureza geopolítica, como enfrentamento de Donald Trump à Coreia do Norte; a economia chinesa que é sempre uma incógnita; e as políticas adotadas pelo presidente norte-americano começarem a dar certo, no sentido de viabilizar forte expansão do déficit fiscal dos Estados Unidos. E desregulamentação financeira agressiva, uma forma de turbinar adicionalmente a demanda privada. 

“Nesse caso, como os Estados Unidos já estão em pleno emprego, ou muito próximo disto, a resultante expansão de demanda acarretaria alta da inflação. O mercado passaria a estimar juros mais altos no futuro. E o Federal Reserve (Fed) teria de acompanhar. Seria muito ruim, pois o dólar se fortaleceria. Dólar muito forte é sempre indesejável para países emergentes, para nós em particular. Se o dólar sobe, os preços das commodities tendem a cair, o que elevaria os prêmios de risco. Em um ambiente de risco mais alto, o real se depreciaria, em prejuízo das expectativas para a nossa inflação e do próprio crescimento dos preços. E o Banco Central teria de alterar sua política, fazendo os juros subirem”, explica Senna que considera pouco provável que Donald Trump consiga aprovar o que quer. Em especial porque no Congresso americano são muitos os que temem impacto adverso das propostas sobre a trajetória da dívida. Acredito que alguma coisa será aprovada, mas nada muito exagerado. 

“De qualquer modo, é aí que mora o perigo”, adverte José Júlio Senna. 



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