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Como Galló construiu a Renner, cobiçada pelas varejistas rivais C&A e Riachuelo

Veículo: Valor Econômico 

Seção: Economia 

Em 26 anos, a Renner deixou de ser uma empresa com oito lojas no Rio Grande do Sul, para se tornar a maior varejista de moda do país. A rede - que chegou a receber propostas de compra das rivais Riachuelo e C&A - tem atualmente 485 lojas e um valor de mercado de R$ 24,6 bilhões. Com avanços sucessivos de receita e lucro, a companhia entra agora em uma fase de internacionalização, com a meta de se tornar uma competidora relevante de moda nas Américas.

À frente desse processo contínuo de expansão está José Galló, que lançou ontem o livro "O poder do encantamento", pela Editora Planeta. Há 26 anos na varejista, sendo 25 no comando, Galló disse que sempre ouviu, no fim de suas palestras, sugestões para colocar no papel as histórias que contava. "Acho que tenho alguma coisa para deixar como legado para outras pessoas, que é o aprendizado das situações que vivi, além das minhas crenças no encantamento, na consistência do trabalho, na disciplina e na importância das pessoas, porque ninguém faz nada sozinho", afirmou ao Valor. No livro, ele conta que procurou ser um exemplo de seu próprio discurso.

A decisão de usar sempre as escadas no lugar do elevador na sede da Renner, evitar o uso do ar condicionado e, nas viagens, buscar hotéis simples, são alguns exemplos de atitudes tomadas por Galló para incutir conceitos de austeridade, disciplina e simplicidade. "Convencer as pessoas a usar as escadas não se deu em seis meses, levou três a quatro anos. Existe um aprendizado importante que é o da persistência. Muitas vezes, a empresa quer fazer uma mudança, faz um treinamento e, se não vê mudança em seis meses, cancela tudo. Mas, na verdade, algumas mudanças de mentalidade têm que levar três, quatro anos, com muita disciplina e muito reforço de exemplo de rotina."

Galló disse que mesmo o conceito de encantamento - que consiste em superar expectativas, entregar mais do que se espera, e que ele considera ser sua principal contribuição para a Renner - levou de dois a três anos para ser adotado por toda a equipe. O executivo foi contratado pela varejista em 1991, para elaborar um planejamento estratégico para a Renner, que na época enfrentava problemas financeiros. O convite foi feito pelo então presidente e um dos sócios da companhia, Cristiano Renner. Galló conta que, desde o início, a família fundadora deu espaço e independência para o executivo promover as mudanças que considerava necessárias. Em 1992, Galló começou a mudar o portfólio, trocando marcas internacionais por marcas próprias, 30% mais baratas, mas ainda com foco nas classes A e B.

Também deu prioridade à moda feminina. Em 1993, iniciou a padronização e reforma das lojas. Anos depois, em 1998, a companhia decidiu se tornar uma rede nacional, o que exigia um investimento próximo a US$ 80 milhões. Como a família fundadora não quis endividar a empresa, decidiu buscar um novo sócio. Depois de muitos meses de negociação, a americana JC Penney comprou a fatia da família na rede, de 52% das ações ordinárias e 6% das preferenciais, e em seguida, fez uma oferta para adquirir os demais papéis, passando a deter 98% do capital. 

"Na negociação com a JC Penney coloquei para eles que, se quisessem entrar no Brasil, aquele era o momento, porque o consumo vinha crescendo muito, a economia ia bem e havia duas redes que provavelmente teriam problemas adiante. Quando aconteceu a falência do Mappin e da Mesbla, não tínhamos alternativa senão aproveitar aquela oportunidade para entrar no Sudeste", afirmou Galló. A Renner adquiriu 19 lojas da Mesbla e 9 do Mappin. "Em um ano e meio abrimos 28 lojas em mercados onde a Renner era desconhecida. Antes disso tínhamos 21 lojas. Quando acabou essa fase, olhamos para trás e perguntamos: como conseguimos? Porque ninguém falou que era impossível, então fomos lá e fizemos. Acabamos incorporando essa frase para atitude da nossa equipe", disse Galló. Um dos momentos críticos da trajetória ocorreu em 2004, quando a JC Penney decidiu sair do Brasil. Galló disse que foi necessário um trabalho árduo dos executivos da Renner e da JC Penny, do Credit Suisse (coordenador da oferta de ações), de advogados, da bolsa de valores e da Comissão de Valores Mobiliários para definir uma proposta de oferta de ações que impedisse a compra do controle da Renner por uma concorrente.

No livro, ele conta que a Riachuelo e a C&A tentaram comprar a Renner por volta de 2004. Segundo ele, Nevaldo Rocha, fundador da Riachuelo, ofereceu US$ 80 milhões pela rede. O valor de venda estabelecido para as ações da JC Penney, em julho de 2005, avaliavam a rede em US$ 378 milhões. Já a C&A fez sua proposta quando a rede já estava próxima de fazer a oferta de suas ações na bolsa. Segundo Galló, a C&A ofereceu um valor 10% superior ao anunciado na oferta pública. Mas a intenção era fazer uma negociação fechada, com "due dilligence", o que levaria tempo. "Pelo que soube depois, a resposta à proposta da C&A teria sido curta e direta: 'O trem já partiu da estação' ", diz Galló, no livro.

A disciplina e a execução da estratégia correta, aliadas a um exercício contínuo de aprimoramento da gestão são citados por Galló como fatores decisivos para o sucesso e a longevidade de uma companhia. A busca por inovação e aprimoramento, na visão do executivo, fazem parte do conceito de encantamento. Para ele, o desejo de encantar deve estar presente em todas as áreas da empresa e ter como alvo todos os seus públicos - funcionários, fornecedores e clientes.

Simplicidade também é importante. "Hoje somos o que se denomina um 'fast retailer'. A velocidade está aumentando para tudo no mundo, inclusive para a moda. Começamos com duas coleções por ano e hoje estamos com oito coleções, mais coleções intermediárias. Essa mudança significou simplificar processos, dar mais coragem e poder para as pessoas tomarem decisões, deixar as pessoas errarem mais, se arriscarem mais."



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