Notícias

Os efeitos nefastos da crise fiscal

Veículo: Valor Econômico

Seção: Opnião

Em abril deste ano, a meta de déficit primário do governo central para 2018 aumentou de R$ 79 bilhões para R$ 129 bilhões, como reflexo da dinâmica das contas públicas mais negativa do que a antecipada. Na semana passada, o governo enviou ao Congresso uma nova proposta para elevar a meta de déficit primário de 2017 de R$ 139 bilhões para R$ 159 bilhões e a de 2018 também para R$ 159 bilhões. Apesar de todo o esforço da equipe econômica, a consolidação fiscal não mais começará no atual governo. Uma eventual frustração das receitas fiscais nos próximos meses pode exigir uma nova alteração da meta de 2017. Em 2018, o desafio será ainda maior, principalmente se a arrecadação tributária não tiver um melhor desempenho em termos relativos do que em 2017 e o governo aumentar muito os seus gastos por conta das eleições. 

As metas de déficit primário do governo central para 2019 e 2020 também aumentaram para, respectivamente, R$ 139 bilhões e R$ 65 bilhões. A despeito disso, continuará sendo difícil cumpri-las. A previsão de declínio do déficit fiscal a partir de 2019 parece otimista. Mesmo assumindo a aprovação da atual proposta de reforma da Previdência Social pelo Congresso nos próximos meses, a melhoria dos resultados primários apenas ocorrerá, no melhor dos cenários, a partir de 2020. Nesse sentido, é muito alta a probabilidade de o próximo governo conviver com déficits primários durante todo o seu mandato. Assim, a dívida pública como proporção do PIB aumentará até meados da próxima década. É um cenário desafiador e muito suscetível a choques desfavoráveis. 

A maioria dos participantes de mercado não parece ter incorporado integralmente em suas análises os possíveis efeitos negativos da atual crise fiscal. Parte desse comportamento se deve à vasta liquidez internacional e às condições razoavelmente robustas do balanço de pagamentos do país. Ao contrário do que se observou em crises passadas, esse ambiente torna improvável que o desequilíbrio fiscal seja revertido em crise do balanço de pagamentos no curto prazo. Todavia, as consequências de médio prazo são desfavoráveis. O impacto de sucessivos déficits nas contas públicas sobre os fundamentos vai além dos custos de 3,6 pontos percentuais do PIB relativos à eventual postergação da aprovação integral da atual proposta de reforma previdenciária para 2019, frente a um cenário improvável de sua aprovação ainda neste ano. A crise reduzirá a eficiência da economia, com consequências negativas sobre o emprego. Considerando a base de dados da OCDE, os economistas do Credit Suisse analisaram a evolução do PIB e da taxa de desemprego em 37 países entre 1961 e 2017. Nessa amostra, há 123 episódios recessivos. Em 110 casos, o PIB superou o seu patamar do início da recessão antes de a taxa de desemprego recuar para o seu valor do começo da contração econômica. Destes, em 59 episódios a taxa de desemprego não tinha recuado no primeiro trimestre deste ano para o seu patamar de antes da retração da atividade, enquanto o PIB já havia se recuperado. Em outros 50 casos, tanto a taxa de desemprego como o PIB retornaram para o seu patamar de antes do início da recessão. No entanto, o retorno do PIB para o seu valor anterior ao início da retração econômica foi mais rápido do que o recuo da taxa de desemprego para o seu nível do começo da recessão

Para recessões profundas como a atual no Brasil, esse processo tomou, na média, 15 trimestres para o PIB e 17 trimestres para a taxa de desemprego. Além disso, a estimativa para a taxa natural de desemprego na maior parte dos episódios analisados é maior no período após a recessão do que antes do seu início. O exercício sugere que a taxa natural de desemprego pode ser 1,5 ponto percentual superior à observada antes da atual recessão. Assim, o Brasil terá, possivelmente, 1,5 milhão de trabalhadores a mais à margem da sociedade. Outro impacto negativo sobre as perspectivas de crescimento de médio prazo decorrerá da taxa de investimento. Nas atuais circunstâncias, a manutenção da despoupança pública (i.e., déficit fiscal elevado) e a concentração do ajuste fiscal nos investimentos públicos nos próximos anos indicam que a taxa de investimentos continuará, provavelmente, bem baixa. Isso porque não há indicações de forte aumento da poupança privada e há limitações para a utilização da poupança externa (i.e., elevação do déficit em transações correntes).

Essa reduzida taxa de investimentos e o declínio do bônus demográfico até sua extinção em meados da próxima década tornam a aceleração do crescimento dependente de uma maior expansão da produtividade total de fatores (PTF). A manutenção de uma alta sustentável do PIB próxima a 3% ao ano exigiria um aumento da PTF bem superior à sua expansão média entre 2004 e 2010, época em que vários fatores conspiravam muito favoravelmente. Esse cenário parece irrealista. O crescimento do PIB desta década será baixo, tornando-a ainda mais perdida do que a de 1980. O enorme déficit primário contratado para os próximos anos é compatível com uma expansão econômica baixa por um longo período. O risco é de a próxima década também ostentar um reduzido crescimento econômico, caso não seja adotado um profundo processo de consolidação fiscal e reformas estruturais que aumentem a eficiência da economia. Os grupos de interesse lutarão para evitar a perda de seus privilégios e resistirão à adoção desse vigoroso ajuste fiscal. Nesse cenário, os fundamentos do país seriam cada vez mais frágeis; e a distribuição de renda, ainda menos equânime. O próximo presidente do Brasil enfrentará, muito provavelmente, obstáculos ainda mais desafiadores do que os de seus antecessores.



Compartilhe:

<< Voltar

Nós usamos cookies em nosso site para oferecer a melhor experiência possível. Ao continuar a navegar no site, você concorda com esse uso. Para mais informações sobre como usamos cookies, veja nossa Política de Cookies.

Continuar