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Punição do mercado ao crescimento da dívida pública

Veículo: Estadão 

Seção: Economia & Negócios

Em dezembro de 2001 a dívida bruta brasileira no conceito do FMI era de 68% do PIB saltando, em dezembro de 2002 para 81%, passando a declinar daí em diante. Em dezembro de 2014, ela era de 62%, saltando para 72% em dezembro de 2015, e em maio de 2017 chegou a 80%, sem perspectivas de desaceleração.

O mesmo quadro é pintado utilizando o conceito brasileiro de dívida. Considerando apenas o tamanho da dívida a situação atual é pior, mas não é isso que mostram os prêmios de risco. Entre 2001 e 2003, o Embi-Brasil flutuava entre 800 e 1.200 pontos, e em 2015 a cotação do CDS brasileiro de dez anos (idêntica ao Embi) atingiu o pico de 550 pontos, declinando sensivelmente daí em diante. Quais são as razões para tal diferença?

A primeira deve-se à elevada proporção dolarizada da dívida em 2002/2003. Naqueles anos, o Brasil era vítima do “pecado original” – a incapacidade de financiar-se na própria moeda. A depreciação cambial elevava a relação dívida/PIB e aumentava o risco de solvência, levando à saída de capitais e à depreciação, fechando um círculo vicioso.

Lula sucederia a FHC, e havia o temor que abandonaria o compromisso com os superávits primários, provocando a queda da demanda por ativos brasileiros e a depreciação cambial. Uma profecia autorrealizável empurrava o País para a crise, que somente foi truncada quando ficou claro que o novo governo manteria o compromisso com a dívida e os superávits primários. Porém, Lula não cumpriu o compromisso com a meta de superávits através do controle de gastos reais que, com exceção de apenas um ano, continuaram a crescer à taxa média de 6% ao ano, e sim com o aumento de impostos.

Começando no governo FHC e continuando com Lula foram criados impostos como: Cofins, CPMF e CSLL; ocorreu o alargamento da base tributária permitido pela formalização no mercado de trabalho, com o aumento do emprego elevando a arrecadação sobre a folha de pagamentos; e a partir de 2002, o Brasil beneficiou-se da elevação de preços de commodities e dos ganhos de relações de troca, que favoreceram a arrecadação de impostos sobre as importações. O aumento de impostos ao lado de receitas não recorrentes permitiu a geração dos superávits, e a restauração da confiança desencadeou a valorização cambial, que foi a força motriz que provocou a queda da relação dívida/PIB.

Não duvido que agora o governo tenha de lançar mão do aumento de impostos e de uma massa apreciável de receitas não recorrentes, mas diferentemente do que ocorria no passado terá de pôr um peso muito maior no controle dos gastos.

Reconhecendo que era necessário dar um basta ao crescimento dos gastos em termos reais, o governo obteve a aprovação de emenda constitucional que os congela. Mas tal medida somente se sustenta caso nenhum gasto primário fique fora do congelamento, ou que a expansão de alguns seja compensada pela queda de outros.

A condição mais importante para permitir a execução do congelamento dos gastos reais é a aprovação de uma reforma da Previdência o mais próximo possível da proposta original do governo. Um governo politicamente fraco terá dificuldades em superar esse obstáculo. Mas mesmo assim dispõe de algum tempo. Tendo se livrado do “pecado original” o País não conta mais com o efeito benéfico da valorização cambial sobre a dinâmica da dívida. Porém, em escala muito menor, conta com a ajuda do cenário externo favorável.

O temor de que o Federal Reserve elevaria intensamente a taxa de juros caiu por terra diante das evidências de que caiu a taxa real neutra de juros nos Estados Unidos, sendo acompanhada pelas taxas neutras de juros na Europa e no Japão.

Com uma liquidez elevada, e com o mercado financeiro internacional passando ao mesmo tempo por um período de baixíssima aversão ao risco, os capitais se dirigem aos países emergentes, valorizando as suas moedas e deprimindo as cotações de seus CDS.

Não colhemos mais o benefício da valorização cambial sobre a dinâmica da dívida, mas nos beneficiamos de um cenário internacional que esconde a verdadeira gravidade do problema fiscal brasileiro.

Até quando?



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