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Inflação melhora bem-estar, mas nível pré-crise ainda está longe

Veículo: Valor Econômico 

Seção: Brasil 

O forte recuo da inflação tem feito o "Índice de Miséria" cair ininterruptamente ao longo do último ano. Desde agosto de 2016, o indicador vem sinalizando melhora na sensação de bem-estar da população, chegando neste mês ao patamar do começo do segundo mandato da ex-presidente Dilma Rousseff. O retorno a um nível próximo ao período pré-crise, no entanto, deve ficar apenas para o fim do ano que vem. A partir de agora, a tendência é que, com o fim da queda da inflação, o recuo da taxa de desemprego dê continuidade a esse processo, ainda que de maneira mais lenta e acidentada.

O Índice de Miséria é calculado pelo banco Fibra e combina inflação e emprego para reproduzir, de maneira simplificada, a sensação de bem-estar das famílias. Ele foi criado pelo economista americano Arthur Okun no começo dos anos 70, com o nome de Índice de Desconforto, rebatizado posteriormente pelo ex-presidente Jimmy Carter. O recuo do indicador nos últimos meses reverte um processo também brusco e ininterrupto de alta que durou mais de um ano. De dezembro de 2014 a janeiro de 2016, o Índice de Miséria subiu sem pausas, começando em 13,4% e chegando a 20,5%. Quanto mais próximo zero, melhor é considerada a situação do país. O auge da série histórica, iniciada em 2012, foi atingido em agosto do ano passado, quando o índice chegou a 20,6%. Desde então, ele vem caindo até chegar a 15,8% em junho deste ano. "O que se observou foi uma queda bastante abrupta da inflação no acumulado de 12 meses", diz Cristiano Oliveira, economista-chefe do Fibra. De janeiro do ano passado a junho deste ano, o acumulado de 12 meses do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) caiu de 10,71% para 3%. "Isso fez a gente perceber melhora mensal e bastante rápida do Índice de Miséria nos últimos meses." A tendência a partir de agora é que o indicador continue caindo, mas mais lentamente. A inflação no acumulado de 12 meses deve voltar a subir, segurando o recuo do índice. Oliveira, do Fibra, calcula que o IPCA terminará este ano em 3,4%, e o ano que vem em 4,4%. Na direção contrária, a queda da taxa de desemprego deve ser mais lenta do que o recuo da inflação e com turbulências ao longo do caminho. Entre o primeiro e o segundo trimestres deste ano, a taxa de desemprego da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua foi de 13,7% para 13%. 

"Mas essa taxa vai ter um movimento curioso nos próximos meses", diz. Como o desemprego divulgado pela Pnad Contínua mede a procura por trabalho, essa taxa pode ter uma alta nos próximos meses, já que, à medida que a recuperação econômica se mostrar mais clara, mais pessoas que desistiram de encontrar uma vaga devem voltar à procura. Além disso, segundo ele, em um "aumento quase vegetativo", aproximadamente um milhão de pessoas entram no mercado de trabalho brasileiro a cada ano. "No mínimo, o mercado tem que absorver essas pessoas." Por causa desses dois fatores, "a tendência da taxa de desemprego é de queda, mas não vai ser linear. Ela fatalmente vai para um dígito nos próximos dois anos, mas em alguns meses vai acabar subindo". A previsão (com viés de baixa) do Fibra para o Índice de Miséria é de 13,8% no fim do ano que vem. "Vai voltar para algo próximo do patamar que estava antes da subida mais forte. É, digamos assim, uma volta ao normal, ao patamar que estava antes do segundo mandato da Dilma", diz Oliveira. Para Emerson Marçal, do Centro de Macroeconomia Aplicada da Escola de Economia da FGV-SP, a intensidade e a duração da recessão jogam contra a recuperação do emprego e do bem-estar. "Estávamos em uma recessão muito forte e tivemos que fazer ajustes também muito fortes. As empresas vão esperar a retomada mais sustentada da atividade econômica para pensar em contratar. O último estágio da melhoria será o mercado de trabalho", diz. "Fizemos o ajuste das contas externas, acertamos a inflação, colhemos alguma coisa ainda muito incipiente da atividade econômica, teremos que acertar as contas fiscais e depois o emprego. Essa é a sequência." 

A boa notícia é que, segundo Marçal, os efeitos benéficos da inflação menor ficarão mais perceptíveis a partir de agora. "Vai ter uma sensação de alívio, porque o cidadão vai ver que pelo menos o poder de compra dele não está mais sendo tão corroído", afirma. O banco Fator calcula um indicador de bem-estar das famílias semelhante ao Índice de Miséria, mas leva em conta, além de emprego e inflação, variáveis como perspectiva para câmbio, crédito e atividade. "A avaliação que temos há dois meses é que o ambiente para as famílias vai estar menos ruim no fim do ano", diz José

Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe da instituição. O carro-chefe da melhora, mais uma vez, será o emprego, mesmo que informal. Mas a percepção de que a situação do país está melhorando deve durar até o primeiro trimestre do ano que vem. "Daí as coisas começam a ficar muito incertas, por causa da eleição, e os salários param de subir em termos reais, com o fim da queda da inflação", afirma Lima Gonçalves. Para ele, a inflação estará em níveis baixos na segunda metade de 2018, assim como os juros, que devem ajudar a concessão de crédito. Mas a tendência é que o câmbio se desvalorize, em função de incertezas políticas. "E o emprego é uma dúvida grande. Não boto muita fé nessa recuperação [mais longa do mercado de trabalho]", diz ele, que considera que o ajuste fiscal promovido pelo governo tem características fortemente pró-cíclicas, que aprofundam a recessão. Para Lima Gonçalves, outro fator que não entra nesse cálculo, mas que tem grandes chances de atrapalhar ainda mais a retomada da sensação de bem-estar, é a qualidade dos serviços públicos. "O Rio de Janeiro, por exemplo, é uma referência muito ruim. Você liga a televisão e o rádio e só ouve falar do Rio e da Venezuela", afirma ele, destacando porém que essa piora dos serviços públicos "não será homogênea pelo Brasil". Marçal, da FGV, também cita o Rio como exemplo negativo e destaca o quanto a baixa qualidade de serviços como saúde, educação e segurança pública impede a evolução da sensação de bem-estar. "Você tem uma crise fiscal que piorou os serviços públicos no Brasil. O Rio talvez seja o caso mais emblemático, que está sofrendo com gastos insuficientes federais e estaduais", diz. 

Oliveira, do Fibra, acredita menos na capacidade que a qualidade desses serviços tem de afetar negativamente a sensação de bem-estar. "Me parece que como são coisas que estiveram presentes em toda a história brasileira, elas tendem a ter um efeito mais marginal sobre essa percepção", afirma. Para o economista, dada a penúria estrutural de hospitais e escolas públicas, o que realmente importa para a maior parte da população é, no fundo, o quanto ela tem no bolso. "Se sobra mais dinheiro no fim do mês, porque a inflação está baixa, a pessoa fica feliz. Se alguém da família é contratado, ela fica feliz." Oliveira cita, por exemplo, a contração do Produto Interno Bruto (PIB) per capita dos últimos anos como fator limitador da recuperação do nível de bem-estar em um período mais longo. "Isso vai demorar mais para se recuperar, dada a queda do PIB e o crescimento da população de lá para cá." Em meio a esse quadro complexo, Oliveira defende que a recuperação do Índice de Miséria pode ser "um ativo eleitoral" para o presidente Michel Temer no ano que vem. "Existem estudos nos Estados Unidos que mostram que há uma relação entre o Índice de Miséria e a popularidade do presidente", afirma. Quanto menor o primeiro, maior o segundo, diz. "Parte da motivação que levou as pessoas a irem para as ruas contra a expresidente Dilma foi que o Índice de Miséria estava muito alto. Para mim, essa relação é muito clara." Então o que explica a baixa popularidade de Temer em um momento de queda do indicador? Segundo Oliveira, são as denúncias de corrupção e a reação lenta do mercado de trabalho. "O que falta na verdade é que ele saia desse imbróglio e que o emprego se recupere mais rapidamente."



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