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A volta da China como grande potência

Veículo: Estadão 

Seção: Opinião

A percepção generalizada em nossos dias é de que a China surge como uma potência emergente cada vez mais influente no cenário internacional. É mais exato, porém, o entendimento de que a China retoma seu papel central no mundo, como até meados do século 18.

Na cidade chinesa de Macau, no início de junho, participei de encontro acadêmico e empresarial sobre a Iniciativa One Belt One Road (Obor), uma ideia lançada pelo presidente Xi Jinping em 2013. Com a iniciativa Obor, a China passa a substituir os países ocidentais nas propostas de projetos de grande porte e de visão de futuro.

A Obor consiste na criação de eixos de infraestrutura terrestre e marítima da Ásia ao Mediterrâneo, nos moldes das antigas rotas de comércio que constituíram a Rota da Seda. Composta por duas vertentes distintas, a iniciativa compreende o Cinturão Econômico da Rota da Seda (Belt), corredor terrestre que estabelece ligação entre China, Ásia Central e Europa, e a Rota da Seda Marítima (Road), que conecta a China ao Sudeste Asiático, Oriente Médio e Europa por via naval.

A Obor é uma das principais prioridades da diplomacia chinesa e faz parte do arcabouço institucional da projeção da China como potência global no século 21. Trata-se de um projeto bastante ambicioso, cobrindo cerca de 65% da população do mundo, perto de um terço do PIB global e ao redor de um quarto de todos os bens e serviços mundiais.

A realização da cúpula multilateral sobre a Obor, em Pequim, em maio, contou com a presença de 28 chefes de Estado, incluindo os presidentes da Argentina e do Chile. É importante ressaltar que, para além das considerações de estratégia geopolítica, a One Belt estaria gerando benefícios para a economia chinesa e seu comércio externo.

Segundo relatório da Universidade Renmin, entre junho de 2013 e junho de 2016 a China comercializou bens com países localizados na rota inicial da Obor no valor de US$ 3,1 trilhões, o que representa 26% do volume de seu comércio naquele período. Além disso, até junho de 2016 foram firmados contratos para empresas chinesas no valor de US$ 9,41 bilhões com países integrantes da iniciativa, um crescimento de 33,5%, comparado com 2015.

Estima-se que os investimentos totais desse ambicioso programa, entre 2016 e 2021, totalizarão US$ 5 trilhões. A Obor contará com dois mecanismos principais de financiamento: o Banco de Investimentos em Infraestrutura da Ásia (AIIB) – que iniciou suas atividades em dezembro de 2015, com capital de US$ 100 bilhões – e o Fundo da Rota da Seda, anunciado no final de 2014, com capital integralizado de US$ 40 bilhões.

Com relação ao fluxo de investimento da China em países no One Belt, One Road, entre junho de 2013 e junho de 2016, segundo se informa, o investimento externo direto chinês na região foi de US$ 51,1 bilhões (12% do investimento chinês total no mesmo período). De acordo com dados do Ministério do Comércio chinês, para o ano de 2015, os países incluídos no Obor receberam US$ 18,9 bilhões do fluxo de investimento externo direto da China e contam com estoque de investimento chinês de US$ 115,5 bilhões. A lista completa dos projetos concluídos ou em curso não está disponível e são escassos os dados sobre as condições de financiamento e os valores precisos dos investimentos realizados por estatais e fundos chineses nos projetos da Obor.

O cinturão econômico é parte de uma ação de maior penetração política e de projeção da China na Ásia e em outros continentes. Pequim coloca-se em posição central numa espécie de nova arquitetura econômica regional encabeçada pela China, principal provedor de recursos e empregos em regiões com elevada demanda por infraestrutura e com mão de obra jovem em busca de trabalho.

A projeção de influência global deverá estender-se aos setores cultural, educacional e até mesmo ao da cooperação na área espacial. Os serviços oferecidos pelos satélites chineses seriam elemento de um “corredor de informação espacial” da Obor, a ser constituído nos próximos cinco anos. A rede Beidou, com 14 satélites em operação, deverá contar com 35 até o fim desta década, segundo o governo chinês, ao custo de US$ 25 bilhões.

O governo de Pequim pretende que Macau, ex-colônia portuguesa e hoje uma das regiões especiais da China, se transforme numa cabeça de ponte para os países de língua portuguesa com o objetivo de acompanhar o desenvolvimento desse projeto. Macau pode ser aproveitada como plataforma para os países de língua portuguesa promoverem o desenvolvimento de laços econômicos e comerciais, a fim de ajudar companhias desses países a explorar várias formas de comércio, logística, investimentos, agricultura, pesca, exploração de recursos naturais, infraestrutura, saúde e telecomunicações. A intenção é transformar Macau em facilitadora de negócios nos países de língua portuguesa. Nesse sentido, seria útil a realização de encontro do Conselho Empresarial dos Países de Língua Portuguesa em Macau, para estimular a cooperação econômica e comercial e também obter informações sobre investimentos e oportunidades de negócios, além da participação em feiras e exibições.

Em nível microeconômico, as firmas chinesas vão-se confrontar com uma série de riscos quando se pensa em termos de projetos. Esses riscos podem incluir barreiras diplomáticas e regulatórias, incompreensões culturais e uma miríade de diferentes sistemas legais, que terão de ser enfrentados. Nenhuma dessas barreiras, porém, é insuperável. Firmas de todas as nacionalidades encontram tais desafios quando atuam em outros mercados e entram em territórios não conhecidos.

É cedo, contudo, para especular se a Iniciativa Obor se transformará num significativo marco na história da economia globalizada.



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