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China precisa frear logo e isso afetará o Brasil, diz Pettis

Veículo: Valor Econômico 

Seção: Internacional 

A economia da China só está crescendo 6,5% ao ano devido a um endividamento galopante e terá de frear muito nos próximos anos, para evitar uma crise. Esse ajuste chinês poderá derrubar a cotação de algumas commodities, como metais industriais. E será doloroso para países exportadores de matérias-primas, como o Brasil.

Essa é a previsão de Michael Pettis, um dos principais economistas ocidentais radicados na China, professor de finanças na Escola de Administração Guang-hua, da Universidade de Pequim.

Pettis vem há tempos alertando para a queda do crescimento potencial da economia chinesa e para a complexidade do processo de transição do país, de uma economia voltada para investimentos e exportação para uma voltada para o consumo interno. 

A crise financeira de 2008 dificultou ainda mais essa transição e fez com que Pequim voltasse a pisar no pedal do investimento, à custa de uma escalada do endividamento sem precedentes. 

A questão da dívida chinesa é polêmica, pois os dados oficiais não são confiáveis. O Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês), uma associação global de instituições financeiras, divulgou estimativa na semana passada de que a dívida total da China (pública e privada) estaria em quase US$ 33 trilhões no primeiro trimestre de 2017, o equivalente a mais de 300% do PIB. 

Pettis estima que o crescimento subjacente real da China, isto é, a expansão sem o anabolizante da dívida, está entre 2% e 3%. E, quanto mais tempo Pequim levar para frear a economia, menor será o crescimento no futuro, pois maior será o peso do endividamento. 

"As pessoas parecem não entender o quanto a economia chinesa ainda precisa desacelerar", afirmou. "Simplesmente não é possível que o crescimento seja muito superior a 2% ou 3%." O economista acredita que o governo vem protelando o ajuste por conta do congresso do Partido Comunista chinês, no fim deste ano, que deve referendar uma concentração grande de poder no presidente Xi Jinping, o que seria necessário para fazer avançar a transição de modelo econômico

Depois disso, deverão surgir os primeiros sinais de que Pequim pisará no freio. Um desses sinais poderá ser o abandono das metas anuais de crescimento, que se tornam uma camisa de força, pois precisam ser cumpridas. Esse ajuste da China poderá deprimir ainda mais os preços de algumas commodities. Pettis prevê que a cotação do minério de ferro continuará caindo. "Alguns países, como o Brasil, serão mais duramente atingidos." 

Leia abaixo a entrevista concedida por telefone ao Valor.

Valor: Há quase um consenso de que o crescimento na China já atingiu um pico e que a economia está desacelerando, o que está afetando as commodities, como o minério de ferro. O sr. concorda com isso?

Michael Pettis: Sim. Minha discordância é que as pessoas parecem não entender o quanto a economia chinesa ainda precisa desacelerar. Ainda há pessoas que temem que um crescimento chinês abaixo de 5% geraria uma crise tremenda. Simplesmente não é possível que o crescimento seja muito superior a 2% ou 3%. Ele precisa cair muito.

Valor: Muito quanto?

Pettis: Quatro ou cinco anos atrás eu calculei que a taxa subjacente de crescimento real seria de 3% a 3,5% ao ano, no máximo. A taxa atual de crescimento do PIB é maior do que isso somente devido ao tremendo crescimento do endividamento. E esse crescimento da dívida não é sustentável.

Infelizmente, quanto maior o nível de endividamento, menor é a taxa de crescimento sustentável. Assim, seja qual for essa taxa sustentável, ela é já é inferior aos 3% ou 3,5% que eu calculei alguns anos atrás. Não sei qual é esse número, mas poderia bem ser 1% ou 2% de crescimento médio

Isso significa que, se temos um crescimento hoje muito maior, deve-se basicamente a um aumento significativo do endividamento, que está financiando investimentos que não têm valor produtivo. O que vai acontecer é que isso reduzirá o crescimento futuro. Assim, creio que teremos um longo período, talvez mais de uma década, de taxas de crescimento que não deverão exceder muito os 2%, 3%. 

Valor: E qual será o impacto disso para as commodities? 

Pettis: A China continua a ser o maior comprador de metais industriais, e acredito que [esse ajuste] levará os preços para baixo. No fim de 2011, quando o minério de ferro era negociado acima de US$ 190 [a tonelada], alertei os meus clientes que, em até três anos, os preços cairiam mais de 50%. E foi o que aconteceu. Desde então, o preço do minério de ferro se recuperou um pouco. Depois de ficar abaixo de US$ 50, chegou perto de US$ 90. Mas isso se deveu a compras especulativas na China e claramente não era sustentável, e os preços já caíram novamente [ontem foi cotado na faixa de US$ 62]. 

No começo deste século, o minério de ferro era negociado a US$ 15, US$ 20. Não há razão pela qual não possamos voltar a esses preços. Acredito que, ao final desta década, o minério de ferro estará oscilando em torno de US$ 30. 

Valor: Não é um bom cenário para o Brasil?

Pettis: Não, acho que o Brasil apostou demais na recuperação do minério de ferro. Mas não há muito crescimento no mundo, e o único crescimento, que vem da China, é muito artificial, puxado por um enorme aumento no endividamento. Não sabemos quando isso vai parar, mas não poderá continuar por muito mais do que dois ou três anos. E quando parar, a demanda vai cair e voltaremos aos preços dos metais industriais que tínhamos no começo deste século. 

Valor: O governo chinês está ganhando tempo, ao permitir que a dívida continue a crescer. Está fazendo isso para ter tranquilidade num ano politicamente importante? 

Pettis: Sem dúvida. Acho que Pequim sabe basicamente o que precisa fazer. Os governos locais na China possuem muitos ativos. Pequim precisa forçá-los a liquidar boa parte desses ativos, em parte para pagar a dívida e em parte para permitir que o consumo das famílias cresça mais do que o PIB. Porque, quando o PIB cair significativamente, ninguém vai querer que o crescimento da renda das famílias caia tanto quanto. O problema é que isso é politicamente muito difícil de fazer. É improvável que Pequim consiga fazer isso sem um poder significativamente centralizado. E acho que, ao final deste congresso do partido, eles conseguirão atingir esse objetivo [de concentrar poder]. Mas eles não querem que o crescimento caia antes [do congresso do partido], pois isso tornaria mais difícil para o presidente centralizar o poder na dimensão em que ele deseja. 

Valor: Então 2018 será um ano mais arriscado para a China? 

Pettis: Sim, mas na verdade quem não quer ver problemas maiores na China deve desejar que o crescimento desacelere o quanto antes. Você pode ter o crescimento econômico que quiser. O Brasil poderia crescer 7% ao ano. Basta emprestar e gastar muito dinheiro. Mas só se pode fazer isso por um período limitado, após o que isso gera uma crise. Assim, quanto antes a China trouxer a taxa de crescimento para baixo, será melhor para a China no longo prazo, mas mais doloroso será para países como o Brasil, que dependem de preços elevados das commodities.

Valor: Quando o sr. esteve no Brasil, falou sobre a transição longa e difícil pela qual a China terá de passar, de uma economia baseada em investimentos para uma economia baseado em consumo pessoal. Essa transição, em suspenso agora, vai ganhar força no próximo ano? 

Pettis: Sim, se o presidente conseguir o que ele quer [a centralização de poder], e eu acho que conseguirá. Mas não sabemos ainda. Acredito que, a partir do próximo ano, o ajuste real vai começar. Tem havido um pouco de ajuste desde 2012, mas muito pouco.

Valor: Em que sinais devemos prestar atenção para saber se esse ajuste está em andamento? 

Pettis: O sinal mais óbvio, acho, é a meta de crescimento do PIB. A meta de PIB é tóxica, pois você pode alcançá-la, desde que aceite um aumento da dívida nos níveis extraordinários que estamos vendo. Assim, se eles quiserem seriamente colocar a dívida sob controle, terão de desistir de metas de crescimento do PIB. Minha aposta é que, a partir do final deste ano ou do começo do ano que vem, eles vão parar de falar de meta para o PIB, vão tirar a ênfase da sua importância, e vão passar a passar a focar em crescimento da renda familiar ou alguma outra métrica. Isso seria um sinal muito bom. Se continuarem a falar em manter o crescimento do PIB em 6,5% ou 6%, isso sugeriria que eles ainda não se sentem numa posição confortável o suficiente para implementar as reformas. 

Valor: Qual é o impacto do Presidência de Donald Trump para a China neste este momento? 

Pettis: É difícil dizer. Trump propôs um grande boom de gastos com infraestrutura nos EUA. Ele não fez isso ainda, mas, se estiver falando sério, isso seria muito bom para os EUA e para o mundo. Por outro lado, Trump está muito preocupado com o grande déficit comercial dos EUA, e acho que a sua equipe está certa em argumentar que o déficit é causado por distorções em países como a China, a Alemanha e o Japão, que reprimem a sua demanda interna. 

Não é tão fácil eliminar esse déficit, mas se os EUA realmente estiverem falando a sério sobre isso, seria muito doloroso para países como Alemanha, Japão e China. Estimo que agora, para poder atingir a meta de crescimento de 6,5%, a dívida chinesa tem de crescer 40 pontos percentuais do PIB ao ano. Mas cada ponto percentual do PIB de contração do superávit comercial eleva essa necessidade de endividamento em um terço. Assim, o superávit comercial é muito importante para a China, como forma de reduzir o custo dos ajustes. E, se os EUA tomarem medidas para reduzir o déficit comercial, isso causaria uma redução no superávit chinês, o que dificultaria muito o ajuste na China. 

Valor: Os mercados já precificaram corretamente o ajuste chinês?

Pettis: Não completamente. Acho que as pessoas finalmente entendem como as coisas estão, mas não acho que o mercado tenha precificado a dimensão total da desaceleração chinesa. Porém, é preciso lembrar que, se a China se ajustar de um modo não disruptivo, isso acabará sendo positivo para o mundo, pois significaria a diminuição do superávit em conta corrente chinês. 

Mas isso não será distribuído igualmente. Será muito ruim para os países exportadores de commodities, mas será bom para todos os demais. Assim, o mundo não será afetado negativamente por uma desaceleração da China. Mas alguns países, como o Brasil, serão mais duramente atingidos. 

Valor: Se acrescentarmos essa sua previsão às crises política e econômica interna no Brasil, isso provavelmente significará outro ano ruim para a economia brasileira? 

Pettis: Acompanho o Brasil atentamente e, infelizmente, as coisas não estão indo muito bem.

 

 



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