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País do futuro cada vez mais distante

Veículo: Valor 

Seção: Opinião 

A grande maioria dos participantes de mercado argumenta que é necessário aprovar a reforma da Previdência Social para assegurar o reequilíbrio fiscal e a redução permanente dos juros reais, garantindo, assim, um maior crescimento da economia no médio prazo. Apesar de concordar sobre a necessidade de um forte ajuste nas regras previdenciárias, as estimativas sobre os efeitos da aprovação da atual proposta estão muito superestimados. Mesmo se a atual proposta fosse aprovada na íntegra, algo improvável neste momento, o déficit da Previdência Social aumentaria nos próximos anos. Não há como garantir um equilíbrio do sistema previdenciário sem uma reforma bem mais profunda, em particular com a desvinculação do benefício mínimo da aposentadoria em relação ao salário mínimo e com a imposição de limites rígidos aos salários e às aposentadorias de todo o setor público. Apesar disso, por ora, não se questiona qual seria o teor da reforma da Previdência requerido para conduzir às consequências benignas usualmente mencionadas.

Os preços de mercado continuam não refletindo o desequilíbrio fiscal que o país enfrenta, mesmo após o recente aumento da meta de déficit primário de 2018 de R$ 79 bilhões para R$ 129 bilhões, que sinalizou que a sua reversão ficará, em um contexto benigno, apenas para 2021. O próximo governo registrará, provavelmente, déficits primários durante a totalidade ­ ou, ao menos, a maior parte ­ do seu mandato, caso não eleve a carga tributária, reduza as renúncias tributárias disseminadas, controle os salários do setor público e aprove uma reforma da Previdência Social bem mais profunda. Mesmo assim, há quem defenda que o cenário mais provável é de uma retomada expressiva do crescimento do PIB por alguns anos, estimulada por elevada capacidade ociosa, expectativa de altos investimentos em infraestrutura e juros reais bem mais baixos. Apesar de ser possível, esse cenário parece cada vez menos provável.

No fim do ano passado, os cenários mais extremos de expansão do PIB para este ano e o próximo, apesar de possíveis, já me pareciam exagerados. A alegação de que a recuperação da confiança de empresários era um prenúncio de retomada acelerada dos investimentos neste ano e em 2018 também soava otimista demais. A leitura de que as condições existentes eram muito favoráveis para uma retomada mais sólida da atividade, por conta do forte corte de juros, da ociosidade elevada e de estoques reduzidos, entre outros argumentos, desconsiderava que o cenário naquele momento era bem diverso do existente nas recessões passadas. Esses cenários mais favoráveis atribuíam pouco peso à elevada incerteza que havia em diversas frentes. A atual crise política, que pode se prolongar bastante, confirma o quão presentes são alguns desses riscos. 

Há obstáculos muito marcantes para o país. O risco mais substancial é de o Brasil estacionar na situação conhecida como armadilha da renda média, em que a economia emergente, após superar a pobreza, deixa de crescer de forma significativa. As políticas adotadas atualmente não estimulam uma ampliação expressiva do capital físico e do capital humano. Do mesmo modo, é pouco provável que a produtividade total dos fatores acelere muito nos próximos anos. As reformas em andamento não têm a profundidade necessária para garantir esse salto do crescimento. A argumentação recorrente de que o déficit primário recuaria a partir da retomada da atividade sempre me pareceu invertida. Conforme tenho defendido desde o início do atual governo, a recuperação acelerada só ocorreria com a reversão do forte desequilíbrio fiscal. O corte de gastos seria a melhor forma de promover esse ajuste. Todavia, as últimas semanas confirmam que isso dificilmente será alcançado nos próximos anos, tornando mais provável a projeção de que, a menos que surjam receitas extraordinárias, não será possível cumprir as metas fiscais de 2017 e 2018. 

A percepção de que o Congresso concentrará esforços para resolver os problemas econômicos sem que o entrave político seja resolvido no curto prazo parece inocente. Dificilmente haverá condições de aprovar os ajustes necessários sem um amplo acordo político que viabilize medidas que, em um primeiro momento, suprimem supostos direitos conquistados nas últimas décadas. Ademais, a proximidade das eleições presidenciais em um contexto de incerteza sobre as candidaturas mais viáveis tende a fragilizar ainda mais a habilidade do governo de convencer os congressistas a aprovar as mudanças. As escolhas equivocadas das últimas décadas terão impactos desfavoráveis nas próximas, caso não sejam corrigidas mais rapidamente. Essa reversão exigirá um esforço do governo muito superior ao empreendido até agora, por mais meritória que seja a atuação da equipe econômica. A reforma da Previdência Social está na direção correta, mas não reverte o quadro de desequilíbrio das contas públicas. Há muito mais a ser feito; e, aparentemente, não parece haver hoje condições políticas para garantir isso. O risco é de o país enfrentar mais uma desilusão. No cenário que está se desenhando, o Brasil só se tornará uma sociedade mais justa e equânime em um futuro cada vez mais distante. Apesar de não podermos perder a esperança, são crescentes as razões para o desânimo. 



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