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Indicadores de maio sinalizam economia ainda resistente à crise

Veículo: Valor 

Seção: Brasil 

A crise política desencadeada pelas delações da JBS é considerada um risco, mas parece não ter afetado ainda o desempenho da economia, ao menos até maio. Indicadores antecedentes já divulgados para o período tiveram comportamento positivo, e associações empresariais ouvidas pelo Valor relatam que não sentiram impacto relevante nos negócios. Segundo economistas, a piora do ambiente político deve afetar negativamente as expectativas e, consequentemente, setores mais ligados aos investimentos. Por outro lado, comércio e serviços, mais dependentes de renda e crédito, seguem respondendo à melhora dos fundamentos, como redução de juros e inflação em baixa. 

O efeito da crise política sobre a atividade deve ficar mais claro a partir de junho e será maior nos investimentos e na indústria, na avaliação de Bruno Levi, economista da Tendências Consultoria. A Tendências estima que o PIB tenha recuado 0,3% entre o primeiro e o segundo trimestres, feitos os ajustes sazonais, previsão que não foi alterada após o vazamento dos áudios. "Já esperávamos um segundo trimestre mais fraco, por conta da influência da agropecuária, que não deve se repetir", disse. A partir dos indicadores antecedentes já conhecidos para maio, o economista João Morais, também da Tendências, avalia que a piora do ambiente político não teve impacto sobre a atividade no mês. Com ajuste sazonal da consultoria, a produção de veículos subiu 9% em relação a abril, enquanto as vendas aumentaram 2,2%. Outros índices positivos foram as vendas de papelão ondulado (alta de 2,4%), o fluxo de veículos pesados (2,7%) e as consultas ao SPC (0,6%). 

No caso do consumo, a melhora dos fundamentos desde o fim de 2016 deve amortecer o impacto da crise, avalia Morais. Com o cenário político mais incerto, os segmentos da atividade que serão mais afetados são os relacionados à Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF). Após as delações, a Tendências reviu a previsão para o desempenho dos investimentos no PIB em 2017, de alta de 2% para queda de 1%. A expectativa de expansão para 2018 foi reduzida, de 9,2% para 6,8%. O mês de maio foi bastante positivo para as vendas de papelão ondulado e o setor não sentiu nenhum efeito prático da crise política sobre os negócios, segundo Sérgio Ribas, diretor da Associação Brasileira de Papelão Ondulado (ABPO). "Isso vem se prolongando há tanto tempo que a economia começa a não dar muita bola para a política", comenta. 

Sobre maio do ano passado, as expedições de caixas, acessórios e chapas subiram 5,78%, para 287,361 mil toneladas, resultado considerado bastante positivo por Ribas. Essa mesma dinâmica vem se mantendo em junho, diz, e a expectativa para o segundo trimestre é de crescimento sobre igual período de 2016, ainda que em ritmo mais fraco do que o observado no primeiro trimestre (5,1%). 

"A sensação que temos é que a economia está tendo sua própria dinâmica, em função da queda da taxa de juros e da inflação", afirma o diretor da ABPO, que mantém a estimativa de crescimento para 2017 entre 2% e 2,5%. No setor de aços planos, os números referentes a maio devem ser divulgados hoje, mas a percepção é que o mês passado foi melhor do que abril, quando as vendas caíram 13,2% ante igual mês do ano anterior. "A crise reverteu um pouco o entusiasmo com o PIB do primeiro trimestre", diz Carlos Loureiro, presidente do Instituto Nacional dos Distribuidores de Aço (Inda). Mesmo assim, afirma, há outros aspectos positivos, como o desempenho das exportações e a demanda do setor de máquinas agrícolas. Ele prevê vendas estáveis em relação ao primeiro trimestre. 

Para Mauricio Oreng, economista­chefe do Rabobank, a crise política colocou o viés de alta que ele tinha para a atividade neste ano em patamar "mais neutro". Ele calculava que o PIB ficaria estável em 2017, mas "era mais fácil ser um crescimento de 0,2% do que uma queda de 0,2%". Agora, a tendência de estabilidade ganhou força. "A crise política é algo que pesa", diz. Oreng se surpreendeu positivamente com a relativa calma apresentada por ativos como câmbio e Ibovespa em um mês de crise política. Entretanto, diz, um prolongamento das turbulências pode contaminar tanto esses ativos quanto a confiança de empresários e consumidores, além das expectativas de inflação, principalmente se a reforma da Previdência for descaracterizada ou avançar lentamente. "Sem a reforma, a solvência do setor público a médio e longo prazo já não fica tão clara", afirma. 

Por enquanto, sem a solução ou o agravamento da crise, Oreng optou por não rever as demais expectativas para este ou o próximo ano. Ele calcula, por exemplo, que o PIB terá alta de 2,5% em 2018 e que a Selic acaba 2017 em 8,5%. "Está tudo muito incerto ainda. Eu não consigo enxergar um palmo à frente dessa situação política", diz. No setor de produtos eletroeletrônicos, o cenário também é de expectativa. "É prematuro falar em redução de encomendas. Isso ainda não foi mensurado pelo setor", comenta Lourival Kiçula, presidente da Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros). "A atividade econômica do setor teve ligeira melhora", afirma. Em maio, o indicador da própria Eletros que mede a corrente de comércio do setor chegou a 113,9 pontos, o patamar mais alto em 11 meses. "Mas há instabilidade nos indicadores de utilização da capacidade instalada, investimentos e perspectivas sobre os negócios nos próximos meses", diz o executivo. Entre as empresas associadas, 17,2% afirmaram que viram em maio melhora da capacidade instalada (contra 24,1% em abril) e 10,3% viram piora (contra 6,9% no mês anterior). Já o número das que esperam melhora dos investimentos em tecnologia saltou de 10,3% para 24,1%. Para 20,7% das companhias haverá piora das perspectivas do país nos próximos meses (3,5% em abril). 

Kiçula vê como algo positivo para o setor a queda dos juros, mas afirma que o fator que definirá "o movimento de retomada do varejo também é o ambiente político e de reformas". Também na visão da equipe econômica do Banco Votorantim, o impasse político aparentemente ainda não impactou de maneira relevante a atividade econômica. "Embora ainda não tenham sido divulgados indicadores econômicos que possam capturar eventuais efeitos da crise política, o sentimento dos investidores ­ refletidos no mercado financeiro ­ continua positivo e sugere que os impactos sobre os dados de atividade podem ser moderados", diz o texto. "Até o momento, o efeito mais importante da crise parece ter sido o de frear o crescente otimismo com a economia, influenciando marginalmente o consenso em relação às projeções para PIB, câmbio e taxa de juros." 

Isso pode mudar principalmente se a eventual perda de governabilidade de Temer e de sua equipe atrapalhar a aprovação de "uma reforma relevante da Previdência", o que influenciaria "expectativas fiscais" e deixaria o país "mais vulnerável a choques internos e externos". O banco espera alta de 0,5% do PIB neste ano e de 2,4% no ano que vem, com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subindo, respectivamente, 3,7% e 4,5%.



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