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"O direito também existe para resolver crises e não para criar outras"

Veículo: Valor

Ex-­presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), do Supremo Tribunal Federal (STF) e do processo de impeachment de Fernando Collor, em 1992, no Senado, o jurista Sydney Sanches, de 84 anos, afirma que o julgamento da chapa Dilma/Temer pelo TSE, a partir desta terça­feira, é "de interesse do país", e que "o direito existe mas também é para resolver crises e não para criar outras". O magistrado aposentado diz que, em sua opinião, seria surpresa se o resultado fosse uma absolvição folgada para o presidente Michel Temer, depois das evidências colhidas ao longo do processo e da "péssima situação" do pemedebista com a divulgação da delação da empresa JBS. Para Sanches, eventual vitória de Temer poderá ser por 4 votos a 3, mas não por 5 a 2 ou 6 a 1, como se tem especulado, o que aumentaria ainda mais a insatisfação da sociedade com o julgamento, diz. O jurista afirma que é preciso "dar razão a quem tem", mas "numa situação como esta não são só as partes que estão em litígio". "Aliás, nem estão mais. O PSDB e o PMDB são aliados", sublinha o ex­magistrado, para quem uma absolvição apenas arrastará o caso e prolongará a crise política e econômica. Sydney Sanches afirma que, neste caso, o PSDB terá o dilema de recorrer ou não da decisão do TSE. Precisará assumir as responsabilidades em relação ao processo que o próprio partido moveu. A despeito disso, o Ministério Público Federal poderá recorrer, depois de publicado o acórdão e de abertos os prazos para embargo de declaração e recurso extraordinário. Em seguida, o caso pode ser levado ao Supremo. "Até lá, como estará Temer? Terá caído ou não, terá havido denúncia ou não? Isso também terá repercussão no Supremo", diz Sanches, numa referência ao inquérito no STF que investiga o envolvimento do presidente no esquema de corrupção delatado pelo dono da JBS, Joesley Batista. O ex­magistrado afirma que o encontro entre Temer e Joesley no Palácio do Jaburu, gravado pelo empresário, terá peso no julgamento do TSE, ainda que o presidente seja absolvido ­ ajudado pelo "espírito de gratidão" dos dois ministros recentemente indicados por Temer, Admar Gonzaga e Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, e pelo presidente do tribunal, Gilmar Mendes, cujas declarações têm sido favoráveis ao pemedebista. No início da semana passada, Mendes afirmou que o "TSE não é instrumento para solução de crise política", posição da qual Sanches discorda fortemente. "A parte política não pode ser desprezada [pelo TSE], nem pelo Supremo", diz o jurista, que lembra ter enfrentado muitas situações semelhantes em sua carreira. É o caso de processos, afirma, que podem custar bilhões aos cofres do Tesouro ­ como os que envolviam aplicação de correção monetária ­ e necessitavam de julgamento para além da questão técnica. Não que haja falta de provas, ressalta. Para Sanches, a nova linha de defesa do presidente da República ­ que antes apostava na separação das contas das chapas de Dilma e de Temer ­ não faz sentido. A tese de que fatos estranhos ao objeto inicial da ação devem ser desconsiderados não se sustenta, afirma o jurista. Os ministros do TSE, ressalta, podem até absolver Temer, mas vão ter que levar em conta, em seus votos, as evidências colhidas depois da delação da Odebrecht e, principalmente, dos depoimentos dos marqueteiros João e Mônica Santana. A convocação do casal e a reabertura de prazos para diligências, lembra Sanches, foram pedidos pela própria defesa de Temer, quando sua estratégia era a de postergar o julgamento. "As partes concordavam, ninguém se insurgiu", diz. Na ocasião, o relator do processo, ministro Herman Benjamin, que deve votar pela cassação da chapa, resistiu ao expediente mas por fim concordou com a tomada dos depoimentos, que acabaram por produzir provas ainda mais relevantes. "Ele tem mais argumentos do que antes. O voto dele hoje é ainda mais fácil. Se tinha mil páginas, pode ter duas mil agora", afirma Sanches. Para o ex­presidente do TSE, se o tribunal não considerar estas evidências será uma "incoerência". Ainda que os fatos fossem estranhos à causa, diz, eles permitiram uma formação de provas ainda mais robusta de que houve abuso de poder econômico durante a campanha de 2014. Isso sem contar a delação da JBS, que completa um quadro de "conjunto da obra" de razões técnicas, enquanto no impeachment de Dilma Rousseff havia mais elementos políticos, de perda de sustentação no Congresso. A petista, aponta, foi julgada pelo Senado, onde o "foro é político, os juízes [os senadores] são políticos". "No TSE, o processo não é político, é jurídico. Mas a política ajuda a formar a convicção", diz. Para Sanches, em tese, a partir da delação da JBS, cabe contra o presidente um processo de crime de obstrução de Justiça no Supremo e de crime de responsabilidade, no Congresso, e seria até melhor se o TSE esperasse a perícia, pela Polícia Federal, da gravação da conversa entre Temer e Joesley, mesmo que se diga que o "áudio é imprestável". "Mas o adiamento também seria ruim. A situação de Temer tem que ser resolvida logo", defende.



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