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''Renúncia é cenário mais favorável para economia''

Veículo: Valor 

Seção: Brasil 

A nova crise política coloca em risco o andamento das reformas, comprometendo a recuperação incipiente da economia e trazendo o risco de o país voltar ao problema anterior à gestão de Michel Temer, de uma dívida em crescimento explosivo, segundo o economista Yoshiaki Nakano. Diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (EESP­FGV), Nakano afirma que a aprovação da reforma da Previdência é indispensável para a sustentabilidade das contas públicas. Sem ela, a ameaça de aumento explosivo do endividamento público voltará, pesando sobre a sociedade o risco de mais impostos, mais inflação ou de um calote. "O horizonte fica totalmente nublado." Para Nakano, o cenário mais favorável para economia é Temer renunciar e rapidamente se realizar uma eleição indireta, "exatamente" como diz a Constituição. "Se alguém que assumir tiver a habilidade de Temer para levar adiante as reformas, acho que nós salvamos o ano", diz ele, ex­secretário da Fazenda paulista. "Mas, se ocorrer um processo de impeachment e demorar seis meses, como demora normalmente, este ano vai embora", adverte ele, ao ressaltar a importância de se resolver o mais rápido possível o imbróglio político, causado pela divulgação da gravação da conversa entre Temer e o empresário Joesley Batista, da JBS. 

Nakano diz que a retomada da economia fica comprometida pela nova crise porque Temer era o grande articulador das reformas no Congresso. "Não se pode negar que ele estava fazendo um trabalho até surpreendente de fazer as reformas andarem", avalia ele, enfatizando o avanço das mudanças na legislação trabalhista e a perspectiva de aprovação de alterações no sistema de aposentadorias. "Agora existe uma dúvida geral se as reformas vão andar ou não". Nakano ressalta que, sem a mudança no sistema de aposentadorias, o projeto do teto de gastos da União é inviável. "A Previdência leva praticamente metade da receita do governo federal", diz ele. Sem a reforma, tende a voltar a preocupação quanto ao crescimento explosivo da dívida pública. Nesse quadro, retornará o risco de que o problema será resolvido ou com mais inflação, ou com aumento de impostos ou mesmo com um calote da dívida, alerta Nakano. 

O economista também considera muito importante a aprovação da reforma trabalhista, que já passou na Câmara. "Cada vez que um empresário contrata um funcionário, cria­se uma incerteza enorme. Existe o risco de se contratar um problema para o futuro", afirma ele, lembrando que as empresas enfrentam montanhas de ações trabalhistas. Nesse cenário, seria importante resolver o atual impasse político rapidamente. A renúncia de Temer parece a Nakano a opção mais favorável para o cenário econômico, embora ele destaque o papel do presidente em conseguir avançar reformas difíceis no Congresso. 

Ao analisar as perspectivas para a economia antes da eclosão da nova crise política, Nakano apontava a perspectiva de queda forte dos juros, a depender dos rumos das contas públicas. "Se fizer a parte fiscal direitinho, os juros podem cair muito mais." Nakano considera o cumprimento do projeto que limita o crescimento dos gastos da União uma iniciativa bastante importante, reiterando que ele exige a aprovação da reforma da Previdência. Se passar no Congresso, o projeto negociado pelo governo Temer com os parlamentares ajudará a desanuviar o cenário para as contas públicas, ainda que as concessões feitas apontem para a necessidade de uma nova mudança no sistema de aposentadoria dentro de alguns anos, avalia ele.

Para Nakano, contudo, é necessário ir além e fazer outras mudanças na política fiscal. O melhor seria o governo passar adotar o conceito de poupança pública, buscando um superávit entre receitas e despesas correntes. Desse modo, haveria recursos não inflacionários para financiar o investimento público, diz ele. Com um ajuste fiscal nesses moldes, o governo deveria apresentar um programa de investimento de longo prazo, com destaque para obras de infraestrutura. "Daí o investimento privado vem junto", afirma o economista. 

Nakano também destaca a necessidade de enfrentar a rigidez do orçamento, um problema que leva a um aumento automático das despesas. "Aí é que a está a loucura. Não tem como crescer, não sobram recursos para o investimento", diz ele, para quem a reforma da Previdência deve ser a primeira das reforma, sendo indispensável promover outras mudanças para desvincular os gastos. Com uma política fiscal em ordem, abre­se o espaço para quedas mais fortes dos juros, já em baixa num ambiente de grande ociosidade na economia, com inflação cadente, diz ele. Para Nakano, porém, também é muito importante fazer uma reforma monetária. É necessário promover a desindexação do sistema financeiro, todo ele atrelado aos juros básicos, segundo o economista, que há muito tempo vê comum um grande problema o fato de o Banco Central (BC) remunerar operações de curto prazo com a Selic, a mesma taxa dos títulos públicos. 

"Se você desindexar [o sistema financeiro], você puxa toda a curva de juros para baixo", afirma Nakano, para quem é importante o Tesouro trocar os papéis pós­fixados, corrigidas pela Selic, por papéis prefixados. Na visão do economista, fica mais fácil fazer essa troca num ambiente de queda dos juros e da inflação, em que os investidores preferem títulos prefixados para tentar obter taxas mais elevadas. Nakano avalia que, com essas mudanças na política fiscal e na política monetária, o Brasil pode inclusive passar a trabalhar com uma meta de inflação mais baixa ­ o alvo perseguido pelo BC brasileiro é de 4,5%, enquanto o de vários outros emergentes está na casa de 3%. "Se houver uma reforma da política monetária e uma definição clara da política fiscal, que seja realmente executada, é possível com certeza baixar [a meta de inflação]", diz Nakano. 

Para completar, o economista também acredita que o câmbio "precisa ter uma pequena melhora". Isso significa, segundo ele, que é necessária uma taxa um pouco mais desvalorizada, mas não muito. Embora diga ser difícil estimar qual é o nível do câmbio ótimo, Nakano considera um dólar na casa de R$ 3,40 a R$ 3,50 de bom tamanho. "Se desvalorizar muito, aumenta o custo das importações." Esse câmbio um pouco mais depreciado ajudaria a recompor a margem de lucro das empresas, muitas das quais estão estranguladas financeiramente, diz Nakano. Isso seria mais importante do que aumentar as exportações. 

juros e desvalorizar um pouco a moeda para recompor a margem de lucro das empresas, será criado um círculo virtuoso. "A economia vai recuperar mais rapidamente e haverá também uma situação fiscal melhor", diz ele, lembrando que, com mais crescimento, as receitas vão reagir mais rápido. O problema é que o cenário político se agravou, dificultando a adoção de medidas que levem a esse ambiente mais positivo. 



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