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Abertura comercial daria impulso ao país após reformas, vê BID

Veículo: Valor Econômico
Seção: Brasil

O presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Luis Alberto Moreno, acredita que a crise econômica é um oportunidade para o Brasil aprovar reformas e preparar o ambiente de negócios para o futuro. Na visão dele, após enfrentar as mudanças na Previdência a nas leis trabalhistas, o país seria o mais beneficiado na América Latina, ao lado do México, caso faça uma abertura comercial. 

Moreno avalia que a abertura levaria à criação de cadeias de valor na região, o que impulsionaria a economia brasileira. Ele também elogiou as alterações nas regras para os investidores participarem de projetos de infraestrutura no país, como o fim de exigências de taxas de retorno. Por fim, o presidente revelou que, após a administração do presidente Donald Trump parar de contribuir com um fundo do BID, a instituição está obtendo apoio de outros países para financiamento. "Os Estados Unidos disseram 'não', mas o resto do mundo está apoiando", disse o colombiano. A seguir os principais trechos da entrevista. 

Valor: O Brasil conseguirá aprovar reformas e sair da crise? Luis Alberto Moreno: Aqui nos Estados Unidos dizem que a crise é uma oportunidade que não se pode perder. A pergunta é se o Brasil está aproveitando ou não a crise. Eu creio que muitas coisas estão acontecendo no Brasil e nunca ocorreram antes com essa dimensão, como as reformas. Há reformas, como o teto de gastos e como a da Previdência, que são fundamentais. O êxito do teto de gastos não vai acontecer sem o da reforma da Previdência. Hoje, um em cada dez brasileiros está se aposentando. Em 2050, será um em cada três. Todos os países da América Latina fizeram reformas previdenciárias para aumentar a idade mínima de aposentadoria.

Valor: Qual a expectativa para a economia brasileira caso seja aprovada a reforma da Previdência? Moreno: Depois da reforma do teto de gastos, que não foi fácil, pois foi constitucional, o mercado de valores aumentou muito, mais de 30%. Houve também um número recorde de investimentos estrangeiros diretos. Algo mostrou que as pessoas já estão vivendo oportunidades no Brasil. Eu diria que a economia tocou fundo. Esse ano não vai decrescer. 

Valor: Quais outras reformas podem ser feitas para impulsionar a economia brasileira? Moreno: Há todo um conjunto de reformas que o Brasil está encarando e são de natureza estrutural, como a trabalhista. O Brasil é também o país com maior carga tributária da América Latina, com mais de 36% do PIB. A maioria dos países está entre 16% e 20% do PIB. Creio que os brasileiros estão repensando também o sistema de comércio. Há uma maior abertura a discussões que no passado não ocorriam no Brasil. 

Valor: A posição do Brasil e da Argentina por maior abertura comercial pode ajudar a alcançar um eventual acordo do Mercosul com a Aliança do Pacífico? Moreno: Sim. Os dois presidentes nos pediram para trabalharmos no processo de acompanhamento de maior integração econômica. Ao todo, temos 33 acordos comerciais na América Latina. Todos esses acordos mostram um alivio às exportações muito grande. 

Valor: Mas o Brasil não tem nenhum acordo comercial. Moreno: O que eu posso dizer é que quando nos encarregarmos de convergir as regras de origem e fizermos acordos de comércio de maneira que essas regras sejam iguais para todos, isso poderia multiplicar o comércio tremendamente. A abertura daria maiores benefícios para os países, mas as duas principais economias da região ­ Brasil e México ­ seriam as mais favorecidas. Nunca houve uma convergência de regras de origem entre o Brasil e o México. Se houver, o comércio na região cresceria muitíssimo. 

Valor: O caminho para essa convergência seria uma negociação entre Mercosul e Aliança do Pacífico? Moreno: O caminho vai depender da agenda política e do que os países querem. O certo é que estamos num ponto em que muitas coisas passaram dentro da inércia quanto aos acordos na América Latina e, agora, temos a oportunidade de dar um salto muito importante. Aí, o Brasil é central. Sendo a maior economia da região, o país tem muito o que ajudar. Pode até se manter protecionista, como sempre, pensando no seu mercado interno. Mas o resto da região não tem alternativas a não ser globalizar­se mais. Quando se tem uma economia com o tamanho da economia peruana, colombiana ou chilena, se o comércio exterior não for grande, a sua economia não cresce. 

Valor: Esses países tiveram crescimento econômico com a abertura comercial. Esse é um caminho? Moreno: Sim. Mas o que subiu através dos anos foi a porcentagem do tamanho dessas economias no comércio exterior. O Brasil tem 15% de sua economia voltada ao comércio exterior. Os outros países têm mais de 35%, 40%. O México tem quase 50%. 

Valor: O sucesso das economias peruana e colombiana foi resultado dessa abertura comercial? Moreno: Isso foi parte do sucesso. Outra parte foi o bom gerenciamento macroeconômico. Mas não são economias tão diversificadas como a brasileira. Na economia peruana, por exemplo, metade dos ingressos provém da mineração. Eles aproveitaram os bons tempos dos preços mais altos do minério e ainda a agricultura de alto valor; as manufaturas e o mercado interno também cresceu muito.

Valor: Mas não temos mais preços tão altos para as commodities. Moreno: Por isso, temos que encontrar nossas respostas e ver como podemos nos integrar mais rapidamente. Na Europa, o comércio exterior dentro dos países ultrapassa 60%. Num país como a Alemanha, que é o principal exportador europeu, o destino das exportações está fundamentalmente no continente. Na Ásia, está em torno de 50%. Na América Latina, está em 20%. Temos oportunidade de gerar cadeias de valor na região. O presidente Mauricio Macri disse que não basta ser o principal produtor de grãos do mundo. Deve­se ser o supermercado do mundo. 

Valor: O que o Banco pode fazer para colaborar com esse processo? Moreno: As decisões são internas dos países, mas podemos ajudar de muitas maneiras tanto na parte analítica para informar essas discussões quanto com a facilitação de créditos, como estamos fazendo com Brasil e Argentina. Também podemos fazer encontros comerciais, como será feito no fim do mês no Brasil. O propósito é mostrar que estão acontecendo muitas coisas no Brasil e que há oportunidades para investir. 

Valor: Qual seria o primeiro passo para a integração entre Mercosul e Aliança do Pacífico? Moreno: Isso deve se perguntar aos governos. Mas é interessante ver o que aconteceu com a Aliança do Pacífico. Os países convergiram para liberar praticamente a totalidade do comércio, 94%. Também se preocuparam em integrar mercados de valores. A integração de fluxos de capital foi muito importante. Houve ainda a articulação das cadeias de valor e a convergência normativa do comércio, o que facilita para que ele se movimente. Além disso, há a infraestrutura. Estamos financiando um túnel que vai conectar o Chile com a Argentina na província de San Juán. 

Valor: No Brasil essa integração ajudaria? Moreno: Veja, se você está no Acre faz mais sentido vender para a Colômbia ou ao Peru do que a São Paulo. A União Europeia nasceu a partir da ideia de integrar a indústria de carvão e de aço, as cadeias de valor. Nos interessa muito ajudar esse processo na América Latina. Hoje, o mundo industrializado está num processo mais protecionista. Mas, no mundo emergente, o comércio está muito importante. Em 15 anos, retiramos milhões de latino­americanos da pobreza.

Valor: Será mais difícil fazer abertura comercial na América Latina com as tendências protecionistas na Europa e nos EUA? Moreno: Numa conjuntura mundial de baixo crescimento econômico, temos que encontrar fontes de crescimento entre nós mesmos. É um desafio. É algo que se fala há anos na América Latina. Nem sei quantas instituições entraram nesse assunto. Pelo menos 30 se preocupam com comércio exterior. Todos analisam essa questão, mas, em última instância, se requer um grande impulso político e que se tenha como centro toda a parte econômica e os benefícios disso. Ao fim, todos vão ganhar. 

Valor: No Brasil, costuma prevalecer a posição da indústria local contrária à abertura. Moreno: Mas isso está mudando. A crise no Brasil está ajudando a colocar esses temas na agenda. Ela é uma oportunidade para colocar essas discussões. Qual será a saída, eu não sei, mas não tenho dúvida de que há a oportunidade para se fazer essa discussão.

Valor: Qual o maior desafio para desenvolver infraestrutura na América Latina, atrair o setor privado? Moreno: Temos muito a fazer com parcerias público­privadas (PPPs) e há um conjunto de problemas. Um deles é legislativo. A Argentina não tem lei de PPPs. O Brasil já tem, há muito tempo. Há também meios de baixar os riscos para os participantes, como foi feito nos leilões de aeroportos. E há 37 concessões que serão concluídas, estão mais bem trabalhadas e a taxa de retorno para os investidores está melhor do que antes. Tudo isso deverá tornar os investimentos atrativos, como ocorreu com os aeroportos. Há projetos em que não há espaço para participação privada, que são de natureza pública. Mas, sem dúvida, no Brasil, há aspectos muito interessantes nos projetos que estamos acompanhando atentamente. 

Valor: Existe uma demanda para seguros contra riscos políticos? Moreno: Aqui no banco não vemos muito essa demanda. Mas, em alguns casos, vemos participantes que teriam interesse em ter esses seguros contra riscos políticos. Aqui nós não oferecemos. O Banco Mundial oferece algo através da Miga (Agência Multilateral de Garantias e Investimentos). Mas não há muita oferta para esse seguro. O principal risco está em verificar como se estruturam os projetos. Quando há uma má estrutura, os investidores não entram. É preciso verificar como gerenciar os riscos de construção, os ambientais, os regulatórios, ver o quanto estão desenvolvidos os projetos em termos de estudos e da licitação. E há riscos em moeda local. O banco oferece crédito em longo prazo em moeda local no Brasil e no México. Isso é parte da ajuda. Alguém que vem de fora sabe que isso é uma maneira de mitigar o risco cambial. 

Valor: O quão grande é a necessidade de investimentos em infraestrutura na América Latina hoje?Moreno: O cálculo que nós fazemos é que teremos que investir o dobro do que se investe hoje. Hoje, investimos 2,5% do PIB da América latina e deveria ser 5%.

Valor: Como fazer para dobrar? Moreno: Parte da solução está em fazer PPPs exitosas que permitam trazer mais investimento privado. 

Valor: Como o BID pode ajudar os projetos? Com investimento direto ou com apoio técnico? Moreno: Com apoio técnico e com sistema de redução de riscos que fazemos, por exemplo, em projetos em moeda estrangeira em longo prazo. Fizemos com o BNDES um fundo que permite a preparação dos projetos. Na medida em que os desenhos são melhores para uma PPP, os investidores compreendem melhor a questão de eventuais riscos regulatórios. Mas as taxas de retorno devem ser interessantes. Se não houver taxas de retorno e riscos que os investidores possam calcular, simplesmente não entram. O que ocorreu com o setor de energia no Brasil foi um bom exemplo de como decisões regulatórias afetaram a rentabilidade de muitos projetos. 

Valor: Direcionar a taxa de retorno foi uma má ideia? Moreno: Se a taxa de retorno não for atrativa, o investimento não chega. Mas há recursos suficientes no mundo. Há grandes investidores procurando bons projetos para injetar capital. 

Valor: Há uma estimativa de que investidores teriam US$ 1 trilhão para aportar em infraestrutura. Moreno: Esse é um debate grande no G­20 e em toda a parte do mundo estão discutindo como atrair investimentos. É um tema permanente.

Valor: O governo Trump vai deixar de contribuir para o Fundo Mundial para Investimentos (Fomin) do BID? Moreno: O fundo foi criado no governo de George Bush e prestou grande ajuda. Ao todo, 60% dos fundos de "venture capital" no Brasil foram feitos com recursos desse fundo. O primeiro aporte foi de US$ 1 bilhão. O presidente George W. Bush fez outro. Agora, estamos no terceiro e a meta foi de US$ 300 milhões. Esse governo (Trump) disse que não vai mais fazer. Mas a boa notícia é que outros países resolveram participar. O Japão fez uma contribuição de quase US$ 85 milhões. A Espanha e a China também participaram. A região (América Latina) ajudou com outros US$ 85 milhões, o que foi um recorde. Os Estados Unidos disseram "não", mas o resto do mundo está apoiando. 

Valor: Com esses recursos foi possível manter o Fomin? Moreno: Agora, ultrapassamos US$ 316 milhões. A meta era US$ 300 milhões. A base é a de fazer investimentos menores, como, por exemplo, fundo de capital de risco para inovação, agronegócios e para ajudar em melhorias regulatórias nos países. 

Valor: Como está o contato com a administração Trump? Moreno: Está bem. Estamos falando com o secretário do Tesouro e com a Casa Branca.

Valor: Qual é a diferença no contato com essa administração e a de Barack Obama? Moreno: Creio que a América Latina em geral não é o tema central para as administrações americanas há muito tempo. A energia deles está voltada para Oriente Médio, para os problemas com a China, a Ásia, a Rússia. Não somos parte da grande agenda mundial (dos americanos). Dito isso, creio que deveríamos ser o número um na agenda de oportunidades, pois há muito o que pode ser feito no contexto das Américas. Mas essa é uma decisão a ser tomada pelo governo americano. E nós também temos as nossas complexidades. Como dizem: a América Latina não é para principiantes. 



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