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Os nós tributários

Veículo: Estadão 

Seção: Economia 

Agora, fala-se em reforma tributária, como se fosse algo incontroverso.

No Brasil, a hora é das reformas trabalhista e previdenciária. Teses moderadas, reação dos que detêm privilégios que disseminam muitas falsas informações, má comunicação do governo, que subestimou a contrainformação. Nenhuma grande surpresa. Segue o jogo.

Agora, fala-se em reforma tributária, como se fosse algo incontroverso. Ledo engano: 10 tributaristas, 11 projetos. Se a população tem dificuldade de entender o que seja reforma previdenciária, é porque ainda não conhece o projeto de reforma tributária, qualquer que seja ele.

São muitas as queixas contra o sistema tributário do País. Em boa parte, procedentes. Queixas, porém, são comuns em todo o mundo, por isso os sistemas tributários demandam reformas permanentes. Mas há um tema pouco explorado, que talvez venha a ser a principal mazela do nosso sistema: os nós tributários.

Primeiramente, alguns números extraídos de fontes fidedignas: os créditos inscritos na Dívida Ativa da União totalizam R$ 1,5 trilhão; cerca de R$ 620 bilhões e R$ 330 bilhões de créditos relativos a tributos federais estão em discussão na esfera administrativa e judicial, respectivamente; 60% dos litígios judiciais são relativos à matéria tributária; em 2014, quase a metade das maiores empresas (35 maiores companhias abertas) recorreu a parcelamentos de tributos, muitas vezes associados a lamentáveis anistias e remissões; e, ainda em 2014, o valor das disputas fiscais das 30 maiores empresas de capital aberto constituiu 32% do respectivo valor de mercado.

Acrescente-se que, no final de 2015, tramitavam 73,9 milhões de processos na Justiça, dos quais 28,9 milhões (39,1% do total) eram de execução fiscal. Apenas como exercício estatístico, observe-se que, caso não ingressassem novos processos de execução fiscal (hipótese heroica) e fosse mantido o vigente ritmo de execução de sentenças (hipótese razoável), a Justiça levaria mais de 11 anos para liquidar o atual estoque.

Parece evidente que existe algo muito errado em tudo isso. A excessiva litigiosidade escandaliza os investidores estrangeiros. A morosidade processual e a expectativa de um parcelamento generoso favorecem os litigantes. A ineficiência do processo explica, em parte, o tamanho da carga tributária.

São muitas as causas desse desarranjo tributário. A extensão amazônica do nosso sistema tributário constitucional (mais de 250 dispositivos) estimula a litigância, sobretudo à vista do controle difuso de constitucionalidade. É a festa da indústria do contencioso e um exercício de poder dos que julgam. O Fisco, por sua vez, aprecia o litígio. Prefere a legislação complexa ou obscura, reservando para si a interpretação, sem falar das omissões legislativas. É outro (mau) exercício de poder.

Ademais, a estrutura do processo é ruim. O julgamento em 1.ª instância administrativa só prolonga o processo, porque quase invariavelmente homologa os lançamentos. A 2.ª instância, especialmente depois da Operação Zelotes, perdeu qualidade e insiste num falso modelo de representação paritária, com voto de qualidade sempre do Fisco (nossa curiosa paridade com número ímpar) e bônus de produtividade para os representantes do Fisco, o que, em tese, compromete sua isenção.

O julgamento em 2.ª instância não necessariamente implica inscrição em dívida ativa. O contribuinte pode optar por questionar na 1.ª instância judiciária, e assim começa um novo ciclo, cujo desfecho pode só ocorrer no STF. A presunção de liquidez e certeza dos créditos inscritos em dívida ativa é negada pelo próprio tamanho da dívida.

A execução fiscal no Judiciário é um absurdo, que resulta da combinação dos erros inerentes às fases anteriores do processo. O juiz, em desfavor de sua nobre missão, se converte em mero cobrador de tributos. Aliás, mal cobrador, porque exerce um ofício estranho à sua vocação.

É preciso mudar. É indispensável uma mudança radical no processo administrativo, judicial e administrativo. Quem se habilita?



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