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Lava-Jato é 'espada de Dâmocles' , diz Galló, da Renner

Veículo: Valor 

Seção: Empresas 

Com mais de dois mil anos, a história grega da espada de Dâmocles é uma advertência sobre os perigos que cercam quem almeja o poder a qualquer custo. Dâmocles aceitou ser rei por uma noite, mas sentiu calafrios ao perceber uma espada afiada, suspensa por um fio, sobre sua cabeça. Com o poder, ensina a lenda, vem a responsabilidade. Para o presidente da Lojas Renner, José Galló, a operação Lava­Jato, que há três anos vasculha a corrupção, é a espada de Dâmocles que paira sobre o Brasil. Para ele, dados macroeconômicos recentes, como a queda da inflação e dos juros, e perspectivas de reformas, mostram que o país está pronto "para um crescimento interessante". Mas a paralisia política provocada pela Lava­Jato ­ uma operação absolutamente necessária e que, segundo ele, está depurando o país ­ nubla essa paisagem de recuperação. 

Para Galló, no comando da Renner desde 1991, é "quase um milagre" o que aconteceu de positivo na economia do país nos últimos oito meses. Ele vê a aprovação, na Câmara, de mudanças na terceirização e trabalho temporário como um bom começo rumo à flexibilização das leis trabalhistas. O executivo reclama, no entanto, da iminência de o setor produtivo ter de arcar com mais impostos para ajudar o governo a tapar o rombo no orçamento, como sinalizado pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Para ele, é um hábito nesse país aumentar a carga tributária quando falta dinheiro. "Nunca ouvi alguém falar assim: 'pera lá um pouquinho; vamos aproveitar melhor os recursos que temos'". Abaixo os principais trechos da entrevista:

Valor: Os dados macroeconômicos começam a apresentar melhora. O varejo têxtil registrou liquidações de verão com resultados melhores que os do ano passado. O senhor percebe essa melhora?

José Galló: Sim. Na Camicado [loja de artigos para casa que pertence ao grupo] percebemos melhora nas vendas de pequenos itens. A confiança é uma grande força. Se você tem confiança no futuro, você se endivida mesmo quando não tem dinheiro. Mas não compra, mesmo com dinheiro, quando está assustado. Estávamos numa situação tão crítica que é quase um milagre o que aconteceu nos últimos sete a oito meses. Começamos a ver a inflação diminuir, de 11% para 4%, o que é fantástico. Os juros começam a cair. Tudo isso inspira, muda o astral das pessoas. Elas começam a agregar poder de compra. Além disso, houve correção salarial. Os últimos dissídios deram uma correção de 7% a 7,5%. Com inflação em torno de 4%, você começa a deixar de perder. 

Valor: O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, sinalizou recentemente com a possibilidade de alta de impostos como forma de compensar o rombo no orçamento. O que o senhor acha disso?

Galló: Eu acho isso extremamente desagradável. Esse país é interessante. Quando surgem os problemas, a solução mais fácil é aumentar impostos. É interessante também ver todo o mundo achar que para fazer a coisa melhor tem que aumentar a quantidade de recursos. Nunca ouvi alguém falar assim: 'pera lá um pouquinho; vamos aproveitar melhor os recursos que temos'. Ninguém fala em ineficiência, como as inexplicáveis bolsas, como aquela do pescador, que destinava 40% dos recursos aos pescadores do Lago Paranoá, em Brasília. Tem muito dinheiro, certo? Só que é mais fácil pedir mais. Por quê? Porque falta mentalidade de gestão. Ou a gente muda essa situação ou não tem mais espaço para o aumento de impostos. 

Valor: Fala­se em aumento de PIS e Cofins, entre outras possibilidades. Se isso ocorrer, qual será o impacto dessas medidas?

Galló: Vamos repassar. Somos recolhedores de impostos. Mais imposto significa menos consumo. 

Valor: O que o senhor achou do projeto aprovado pela Câmara que permite a terceirização em todas as atividades das empresas e altera regras do trabalho temporário?

Galló: Hoje usamos terceirização para limpeza, segurança. Ainda preciso estudar melhor para entender o que pode mudar em nossa vida. Em relação ao trabalho temporário, temos algumas situações. No domingo nosso volume de vendas dobra. Precisamos melhorar a prestação de serviço nas lojas. Mas, hoje, o trabalho temporário custa tanto que se torna inviável. Abrir vagas temporárias nos fins de semana, para repor mercadorias e atender a um volume maior nos caixas beneficiaria estudantes que precisam para pagar seus estudos. Esse trabalho não substitui o permanente. 

Valor: O senhor acha que esse projeto pode ser um bom começo para uma reforma trabalhista?

Galló: Sem dúvida. Mas prefiro não chamar de reforma, mas de flexibilização das leis do trabalho. Uma flexibilização bem feita não tira direitos de ninguém. Será que as pessoas não se dão conta de que o país tem 50 milhões na ilegalidade, não registrados? As leis trabalhistas são tão ultrapassadas e a burocracia é tão grande que é mais fácil manter as pessoas na ilegalidade. 

Valor: E quanto às demais reformas? O senhor acha que são uma oportunidade para o Brasil?

Galló: Criou­se uma situação extremamente favorável para modernizar o país. Acho tão obtuso o conceito de que as reformas vão fazer mal. O rombo da Previdência está aí e contra números não há argumentos. Isso ocorre quando se leva a discussão para o populismo por pessoas que não tem nenhuma intenção a não ser se reeleger. Será que elas não pensam no futuro deste país, pensam nos filhos, nos netos? Ou será que eles acham que os filhos deles também serão políticos que vão continuar com teses populistas absurdas? 

Valor: Mas o senhor não acha que o populismo diminuiu? G

alló: Quando tudo vai bem é difícil ser populista. Mas na desaceleração econômica o populismo volta com as promessas irrealizáveis para cima de uma população com analfabetismo funcional. Mais de 70% das pessoas desse país leem, mas não entendem o que está acontecendo. Uma pesquisa que li mostrava que há três ou quatro anos mais de 70% das pessoas não sabia o significado da palavra corrupção. Muita gente não se dá conta de que numa garrafa de água mineral paga­se 45% em impostos, a roupa tem 34% e um biscoito, 18%. O varejo é obrigado a colocar o valor dos tributos na nota fiscal. Sabe quantos olham para isso? Para muitos, é interessante que a população não saiba mesmo, porque se ela começar a se dar conta... A coisa é tão cruel que proporcionalmente as classes C e D são as que pagam mais impostos. As classes A e B têm renda maior, mas não consomem o dobro de biscoitos. 

Valor: O senhor falou em corrupção. Qual é a sua avaliação a respeito da operação Lava­Jato?

Galló Eu diria que é dolorida para as pessoas de bem, mas altamente necessária. É uma depuração da sociedade. Nenhum de nós tinha ideia da gravidade e do quão entranhada estava a corrupção.

Valor: O senhor acredita que essa depuração será favorável para as instituições ou o Brasil vai ficar com a imagem do país da propina?

Galló: Pois é. É um aspecto interessante. Daqui a pouco isso acaba virando paisagem e a gente acaba achando que é normal. Imagina uma criança vendo televisão. Corrupção por todos os lados. "O que acontece papai? Ah, isso é o Brasil". Aí ela entende que aquilo faz parte do 'way of life' brasileiro. Eu acho que as coisas tinham que andar mais rápido. Mas, infelizmente, cai­se no processo anacrônico, protetor da corrupção. Mesmo assim, ainda se veem abnegados lutando. 

Valor: Mas, ao mesmo tempo, o envolvimento de tantos políticos nos esquemas de corrupção não tende a atrasar as reformas?

Galló: Não digo as reformas, mas as conclusões e as penalidades. Na minha forma de ver qualquer pena de corrupção tem que ser aplicada em dobro. Uma pela corrupção em si e a segunda parte pelo que provocou. Quantas pessoas não perderam a vida por não serem atendidas? Quantos alunos não deixaram de ter escola? Quantas pessoas perderam a vida por falta de segurança? 

Valor: Que balanço o senhor faz do governo pós­impeachment?

Galló: Eu acho que voltou o bom senso, o equilíbrio, corrigiu­se uma série de distorções que quase destruíram esse país, com artificialismos, como os de custos de energia, excesso de isenção de impostos... Olha, estivemos à beira do abismo. Do jeito que ia, em mais dois anos nos transformaríamos numa Venezuela. Basta colocar num computador as variáveis econômicas. É inacreditável como há pessoas que não querem ver isso ou não têm interesse em ver. 

Valor: Num país mais estável, com juros mais baixos e inflação menor, quais seriam os desafios? O senhor espera melhoras na infraestrutura, por exemplo?

Galló: Nesse momento a infraestrutura seria o motor da retomada. Só que, infelizmente, os grandes ativadores disso tudo estão na Lava­Jato. Certamente há substitutos para isso. Mas é preciso ter rapidez, fazer consórcios, incentivar empresas menores de construção a se juntar. As concessões demoraram muito, mas pelo menos começaram. 

Valor: Mas, ao final, como o país vai sair desse processo? Melhor?

Galló: Veja, as variáveis econômicas estão sob controle, há queda de inflação, de juros e uma retomada lenta do poder de compra. Há necessidade de aumentar produtividade, o que puxa o setor de serviços. Só que agora temos uma espada de Dâmocles sobre a nossa cabeça, que se chama LavaJato. É uma grande incerteza até porque boa parte dessa ativação da economia tem seu lado político. Não fosse essa incerteza poderíamos ter um momento muito importante para o país. Estamos conseguindo uma contenção dos gastos. Passando a reforma da Previdência e a flexibilização das leis do trabalho acho que criaríamos condições para entrar num período de crescimento bastante interessante. 



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