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Decreto do presidente não irá reanimar setor de carvão

Veículo: Valor

Seção: Internacional 

O presidente dos Estados Unidos Donald Trump está tomando medidas audaciosas para revitalizar a decadente indústria da mineração do país, mas as iniciativas não irão restabelecer muitos dos empregos perdidos na Virgínia Ocidental, Ohio e Pensilvânia, Estados que ajudaram o presidente a conquistar a Casa Branca. Trump vai assinar hoje um decreto para desmantelar as bases do amplo esforço de seu antecessor Barack Obama para combater as mudanças climáticas, segundo mostram detalhes a que a Bloomberg teve acesso. O decreto permitirá a retomada das vendas de carvão extraído de terras federais, elevar os limites de emissão de dióxido de carbono por usinas geradoras de energia e acabar com as atribuições da era Obama que dão às agências o poder de considerar o aquecimento global em uma grande variedade de decisões. 

"Muita gente vai voltar a trabalhar, muitos mineradores vão voltar ao trabalho", disse Trump em um comício em Louisville, Kentucky, na semana passada, antecipando o anúncio. "Os mineiros estão voltando." Mas, por mais amplo que seja o decreto, ele não vai aumentar imediatamente a demanda por carvão ­ que enfrenta a concorrência acirrada do gás natural, que é mais barato, e um boom nas áreas de energia eólica e solar. O emprego no setor de mineração vem sofrendo há décadas, com escavadoras e esteiras de transporte substituindo os humanos com suas picaretas e mulas. 

"A verdade é que a demanda por carvão vem caindo há algum tempo e continuará caindo", disse em uma entrevista Sheldon Stone, sócio e diretor de reestruturação do banco de investimentos Amherst Partners. "Nem mesmo fazendo isso você vai conseguir devolver empregos à mineração." O decreto honra as promessas feitas por Trump durante sua campanha presidencial, de revogar as políticas ambientais do presidente Obama. 

Trump aproveitou uma onda de descontentamento de eleitores desfavorecidos e o mineiro de carvão é um símbolo poderoso do trabalhador americano que perdeu o emprego e foi deixado para trás pela economia globalizada e pelas políticas de combate às mudanças climáticas. 

Ele usou um capacete de trabalhador de minas durante um giro de campanha pela Virgínia Ocidental e mencionou seu apoio aos mineiros e operários da indústria siderúrgica para transmitir seu comprometimento com os eleitores da classe trabalhadora. Eles o apoiaram e Trump obteve 68% dos votos na Virgínia Ocidental, Estado que já foi declaradamente democrata. Ele também venceu na Pensilvânia, que já foi o centro da indústria mineradora de carvão. Patrick Hickey, um professor de ciências políticas da Universidade da Virgínia Ocidental, diz que o setor carvoeiro compartilha da mesma nostalgia do setor manufatureiro, associada à crença de alguns eleitores de que suas vidas eram muito melhores economicamente há 20 ou 30 anos. "Isso se tornou uma retórica política a ser retomada porque mesmo não estando você diretamente ligado ao setor, tem membros da família ou parentes e ancestrais que eram."

Em algumas partes dos Estados Unidos, "é suicídio político dizer aos cidadãos a verdade sobre o carvão", afirma Hickey. O principal alvo da Casa Branca hoje será o Plano Energia Limpa, uma política que era a pedra fundamental das iniciativas de Obama para enfrentar as mudanças climáticas. O plano, que foi suspenso pela Suprema Corte, visava reduzir as emissões dos gases responsáveis pelo efeito estufa, na geração de eletricidade, em 31% até 2030, em comparação aos níveis de 2005. Isso seria obtido em grande parte forçando geradores a reduzirem o consumo de carvão ­ que emite a maior quantidade de carbono para cada unidade de energia gerada ­ e substituí­lo pelo gás natural e as energias eólicas e solar, que são mais limpas. 

Trump também vai instruir o presidente da Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês), Scott Pruitt, a rever as exigências de redução da emissão de dióxido de carbono na construção de novas usinas geradoras de energia ­ regras que segundo os críticos tornariam muito caro construir uma nova usina geradora de energia movida a carvão nos EUA. Será preciso pelo menos um ano de trabalho burocrático para o governo Trump desmantelar o Plano de Energia Limpa, com a EPA sendo forçada a justificar sua mudança de política e buscar o comentário do público. E a iniciativa inevitavelmente será desafiada na justiça pelos mesmos ambientalistas que no momento defendem o plano de Obama. 

Mas mesmo sem o Plano de Energia Limpa em vigor, o uso do carvão para gerar eletricidade vem caindo como resultado de regras anteriores de combate à poluição e da concorrência mais acirrada de outros combustíveis. Se entrassem em vigor, as regras de Obama destruiriam uma parcela maior da geração de eletricidade baseada na queima de carvão, mas interromper o processo é diferente de trazer de volta usinas que já foram fechadas ou anunciaram seu fechamento, afirma Jason Bordoff, que serviu na Casa Branca sob Obama e é diretor do Centro de Políticas Energéticas Globais da Universidade Columbia. 

"Acabar com o Plano de Energia Limpa poderá desacelerar o declínio do carvão, mas não trará o carvão de volta", disse Bordoff. "Os principais responsáveis pelo declínio do carvão têm sido a fraca demanda doméstica por eletricidade, o gás natural barato e a queda dos custos as energias renováveis." Um dos defensores mais barulhentos de Trump no setor concorda. "As pessoas vão congelar no escuro por causa da destruição de uma rede confiável de geração de energia pelo governo Obama e os democratas", disse Robert Murray, presidente da companhia mineradora Murray Energy Corp "Trump está fazendo a coisa certa." 

Murray, que pretende estar com Trump no momento em que ele assinar o decreto, disse não ter planos imediatos de reabertura de minas ou contratar mineiros após a assinatura do decreto. "Ele não vai trazer empregos de volta imediatamente", justificou. "Precisamos impedir a destruição antes que possamos seguir em frente com a indústria do carvão." As companhias do setor de energia afirmam que estão dando sequência aos seus planos de mudar para as energias solar, eólica e o gás natural, mesmo sem o estímulo da EPA. 

"Continuaremos nossa transição para o gás natural e outras fontes renováveis de energia, enquanto equilibramos nossa carteira de geração e fornecemos emergia mais limpa", disse Tammy Reideout, uma porta­voz da American Electric Power Co de Columbus, Ohio, que tem uma capacidade de geração de 26.000 megawatts, sendo cerca de metade dela à base de carvão. E aumentar a demanda por carvão não é a mesma coisa que estimular a criação de empregos na extração do mineral. Como resultado, o número total de empregos gerados pelo setor de carvão nos EUA caiu para 53.000 no ano passado. Na década de 40 a Virgínia Ocidental empregava, sozinha, 126.000 mineiros. 

"Não acho que isso vai provocar uma grande mudança no setor, especialmente para os empregos na mineração de carvão", diz Thom Kay, um representante parlamentar do grupo ambiental Appalachian Voices. 



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