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E se não houvesse a reforma da Previdência?

Veículo: Estadão
Seção: Economia

Em dezembro de 2016, o Poder Executivo encaminhou ao Congresso Nacional uma proposta de reforma da Previdência ousada, ampla e de extrema importância para o País. Desde então, diversos setores da sociedade vêm tentando desqualificá-la. Para os críticos, não há necessidade de implementar tal reforma, pois o sistema previdenciário brasileiro não é deficitário. Valem-se, para tanto, de diversos artifícios contábeis, em muitos casos inconsistentes ou mesmo falsos. O que se sabe é que, de um lado, em 2016, o déficit do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), dos trabalhadores do setor privado, atingiu R$ 149,7 bilhões. Soma-se, ainda, a essa cifra o déficit da previdência dos servidores públicos, civis e militares, da União, Estados e municípios. De outro lado, os gastos previdenciários estão em 13% do PIB, enquanto o investimento público é de menos de 3%. Mas isso parece não convencer os críticos da reforma.

Então, imaginem que aceitemos a ideia de que o País não precisa passar por uma reforma previdenciária e que estará muito bem tão logo a economia volte a crescer e as receitas voltem a aumentar.

Realizamos um estudo partindo da folha de pagamentos do RGPS do ano de 2015. Naquele ano, o número total de beneficiários somava 32 milhões, com despesa de R$ 436 bilhões. Separamos apenas 9 milhões de beneficiários urbanos referentes exclusivamente à aposentadoria por contribuição e por idade, com gasto de R$ 160 bilhões. A ideia é simular a evolução do número destes beneficiários, bem como das despesas com tal clientela, sempre a preço de 2015, para até 2060. Ou seja, ao longo do tempo, até 2060, quantos seriam os aposentados urbanos do RGPS e quanto eles custariam aos cofres públicos, se não aprovássemos reformas?

Nossos resultados mostram que, sem reforma, aquele número específico de aposentados urbanos sairia de 9 milhões de pessoas, em 2015, para 65 milhões, em 2060. Ao mesmo tempo, as despesas com esses benefícios sairiam de R$ 160 bilhões para R$ 1,1 trilhão, a preço de 2015.

Não há milagre que financie esse forte incremento nos gastos previdenciários. Os impostos precisarão crescer bastante; os gastos com saúde, educação, segurança pública, entre outros, deverão sofrer cortes; ou a União terá de aumentar substancialmente a dívida pública. Sabemos que aumento de impostos e de dívida pública deteriora as condições de crescimento sustentável, compromete a geração de emprego e renda e conduz o País rumo à mediocridade econômica e social.

De modo contrafactual, em caso da aprovação da reforma previdenciária que aumente gradualmente o tempo médio para se aposentar rumo a 65 anos de idade em 15 anos, por exemplo, ainda assim também teríamos aumento relevante de beneficiários (daqueles 9 milhões para 31 a 37 milhões de pessoas, conforme variações de proposta), assim como dos gastos para essa clientela de aposentados urbanos, dos R$ 160 bilhões atuais para R$ 580 bilhões a R$ 700 bilhões, sempre a preço de 2015.

Neste caso, supõe-se aumento da média de idade das aposentadorias dos atuais 57 anos para algo como 66 anos, em 2032, e 68 anos, em 2060, o que é uma progressão perfeitamente aceitável, dado o envelhecimento projetado de nossa população. Afinal, a população idosa (com 65 anos de idade ou mais) sairá de 8,2% da população total, em 2016, para 27%, em 2060. Ou seja, a reforma proposta pelo governo está alinhada com a dinâmica demográfica de longo prazo. Flexibilizações da proposta vão requerer mais reformas logo à frente.

Este exercício, mesmo que parcial, ilustra a importância da reforma em discussão. Mesmo aprovada, o Brasil ainda assim enfrentará dificuldades para financiar a Previdência, pois a dinâmica demográfica vai impor um ritmo crescente de seus gastos.

*Professor na Escola de Economia da FGV (FGV-EESP), autor do livro 'A Economia do Ajuste Fiscal' (Elsevier, 2016); foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda



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