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Os três Trumps

Veículo: Valor Econômico
Seção: Econômia

Nunca, na história recente, uma mudança de liderança atraiu tanta atenção e especulação quanto a ascensão de Donald Trump à Presidência dos EUA. Para entender o que essa mudança significa e o que ela promete é preciso desvendar três mistérios, porque existem três versões de Trump. O primeiro Trump é o amigo do presidente russo Vladimir Putin. O entusiasmo de Trump por Putin é a parte mais consistente de sua retórica. A despeito de uma visão de mundo que considera os EUA como uma vítima de potências estrangeiras ­ China, México, Irã, União Europeia ­ a simpatia de Trump em relação a Putin brilha intensamente. 

Um crescente corpo de evidências circunstanciais sugere que Trump vem recebendo apoio de dinheiro russo há décadas. Oligarcas russos podem ter salvo Trump de falência pessoal, e um deles teria supostamente viajado atuando como intermediário com o Kremlin. E muitos dos principais membros da equipe do Trump ­ entre eles Paul Manafort, seu primeiro diretor de campanha; Michael Flynn, conselheiro de Segurança Nacional; Rex Tillerson, ex­CEO da ExxonMobil e agora secretário de Estado; e Wilbur Ross, magnata de fundos de hedge e secretário de Comércio ­ têm, todos, negócios significativos com a Rússia ou com oligarcas russos. A segunda versão do Trump é de empresário ganancioso. Trump parece dedicado a transformar a Presidência em outra fonte de riqueza pessoal. Para a maioria das pessoas, a Presidência parece ser sua própria recompensa, e não se beneficiam financeiramente do cargo (ao menos durante o mandato). Isso não vale para Trump. Ao contrário, violando padrões estabelecidos pelo Birô de Ética Governamental, Trump está mantendo seu império de negócios, enquanto membros da família manobram para monetizar a marca Trump em todo o mundo.

O terceiro Trump é um populista e demagogo, fonte ininterrupta de mentiras. Pela primeira vez na história americana moderna, o presidente demoniza agressivamente a imprensa. Na semana passada, a Casa Branca impediu o "New York Times", a "CNN", o "Politico" e o "Los Angeles Times" de participarem de uma coletiva de imprensa. Segundo algumas interpretações, a demagogia de Trump está a serviço de seu estrategista­chefe, Stephen Bannon, que defende uma visão sombria de guerra entre civilizações. Ao elevar o medo ao nível mais alto possível, Trump pretende criar um nacionalismo violento baseado em "os EUA em primeiro lugar". Hermann Göring explicou a fórmula em sua cela de prisão em Nuremberg após a Segunda Guerra Mundial: "As pessoas podem sempre ser submetidas às intenções dos líderes. Isso é fácil. Tudo o que é preciso fazer é dizer a elas que estão sendo atacadas e denunciar os pacifistas por falta de patriotismo e expor o país ao perigo. Isso funciona em qualquer país".

Outra teoria é que todos os três Trumps ­ o amigo de Putin, o maximizador de riqueza e o demagogo ­ são, na verdade, um só: Trump, o empresário, há muito tem sido apoiado pelos russos, que o usaram durante anos como fachada para lavar dinheiro. Poder­se­ia dizer que eles ganharam uma mega­sena monumental, obtendo, com uma pequena aposta ­ baseada na manipulação do resultado de uma eleição que eles provavelmente nunca esperaram que Trump vencesse ­ num prêmio enorme. Segundo essa interpretação, os ataques de Trump à imprensa, às agências de inteligência e ao FBI visam desacreditar essas organizações antecipadamente em face de novas revelações a respeito das relações entre Trump e a Rússia. 

Aqueles de nós que vivemos a época de Watergate lembramos como foi difícil cobrar a responsabilidade de Richard Nixon. Sem a revelação das fitas de áudio secretas gravadas na Casa Branca, Nixon quase certamente teria escapado ao impeachment e completado seu mandato. O mesmo ocorreu com Flynn, que mentiu repetidas vezes ao público, e com o vice­presidente Michael Pence, que mentiu sobre suas comunicações com o embaixador russo antes de assumir seu cargo. No entanto, como Nixon, ele foi apanhado mentindo porque suas inverdades foram registradas, neste caso pelas agências de inteligência dos EUA. Quando as mentiras de Flynn foram expostas, a reação de Trump foi atacar o vazamento, e não as mentiras. A principal lição de Washington, e de homens autoritários em geral, é que mentir é o primeiro, e não o último, recurso. 

Se o Congresso tem um número suficiente de membros honestos ­ uma maioria ­, sabendo que os republicanos não policiarão os republicanos, exigirá uma investigação independente sobre os vínculos de Trump com a Rússia. O senador republicano Rand Paul foi explícito a esse respeito, declarando que "não faz sentido" que republicanos investiguem republicanos. Demagogos sobrevivem devido ao apoio da opinião pública, que tentam conservar mediante apelos à ganância, ao nacionalismo, ao patriotismo, ao racismo e ao medo. No curto prazo, eles despejam dinheiro nos bolsos de seus apoiadores sob a forma de cortes de impostos e transferências de renda. Trump tem mantido até agora os plutocratas americanos felizes, com promessas insustentáveis de cortes de impostos, enquanto hipnotiza seus correligionários brancos da classe trabalhadora com ordens executivas para deportar imigrantes ilegais e barrar imigrantes de países de maioria muçulmana. 

Nada disso tornou Trump muito popular. Seus percentuais de aprovação são baixos para um novo presidente ­ cerca de 40% ­, e cerca de 55% dos entrevistados o desaprovam. Contestações judiciais a decretos presidenciais, embates contra os meios de comunicação, tensões decorrentes do aumento dos déficits orçamentários e novas revelações sobre Trump e a Rússia manterão o pote em ebulição ­ e o apoio público do Trump poderá evaporar. Nesse caso, os líderes republicanos muito provavelmente se voltarão contra Trump. Mas ninguém deveria jamais subestimar a disposição de um demagogo para valer­se do medo e da violência ­ e até mesmo de uma guerra ­ para conservar o poder.



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