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'Mercado vive choque entre expectativas e realidade'

Veículo: Valor Econômico
Seção: Finançãs

O rali da eleição presidencial nos Estados Unidos elevou às alturas as bolsas americanas. Após a posse de Donald Trump, porém, os mercados globais têm assistido os primeiros dias do governo entre a euforia e o medo. Na semana passada, por exemplo, o Dow Jones ultrapassou o patamar dos 20 mil pontos pela primeira vez na história, após Trump assinar decretos para flexibilizar regulamentações ambientais e apoiar a retomada de projetos de oleodutos, suspensos durante a gestão Obama. Mas ontem a história foi diferente: as bolsas globais se abalaram diante do anúncio pelo governo americano de uma radicalização nas regras de imigração e bloqueio de entrada no país de visitantes de algumas nações com predomínio muçulmano.

Na visão da estrategista de mercados globais do J.P. Morgan Asset em Nova York, Gabriela Santos, os mercados viveram nesta segunda­feira "um choque entre a realidade e as expectativas". Em entrevista ao Valor, a especialista da instituição americana previu aumento de volatilidade, em meio às incertezas das políticas de Trump, mas também a sustentação das altas das ações, diante do fortalecimento dos fundamentos econômicos e corporativos, "que independem do cenário político". Valor: As políticas do presidente dos EUA, Donald Trump, têm causado incertezas nos mercados globais. O que esperar da qui para a frente? 

Gabriela Santos : Se a gente isolar as políticas, há três medidas que são o foco dos mercados, vistas como positivas: as reformas dos impostos corporativos, menor regulação em setores importantes, como saúde, financeiro e energia, e, em terceiro, o possível pacote de investimentos em infraestrutura. O que a gente acha que vai acontecer nos próximos meses é que o mercado vai perceber que negociar esses três pontos vai ser difícil. Ou seja, as negociações entre o presidente Trump e os republicanos no Congresso vão levar meses, até que possamos enxergar os detalhes de implementação das políticas. Com isso, vamos ver uma volatilidade do mercado em função dessa decepção de "timing". E decepção com os detalhes também. Valor: Essa decepção do mercado pode ganhar mais força com o foco sobre as políticas negativas?

Gabriela : Nós diríamos que sim, por dois canais: a implementação do protecionismo e de algumas reformas em relação a imigração podem ter efeito negativo direto sobre a economia americana. Além disso, agora os investidores estão percebendo que existe também esse lado negativo da agenda política do novo governo. E o segundo canal é o impacto negativo que isso pode ter nas negociações com os republicanos no Congresso. Ou seja, essas medidas polêmicas tiram o espaço para negociação desse lado mais positivo, como a reforma dos impostos corporativos, por criar atrito entre a Casa Branca e os congressistas, com políticas que não têm necessariamente o apoio dos republicanos.

Valor: Diante das incertezas que cercam as políticas do novo governo americano, o que esperar para as bolsas neste ano? Gabriela : Nós temos uma visão positiva para a renda variável e em particular renda variável nos EUA. Essa visão é baseada não na política, mas nos fundamentos positivos da economia e das companhias americanas. Então se a gente pensar como chegamos no Dow Jones a 20 mil pontos ou no S&P 500 atingindo nível recorde na semana passada, nós tivemos duas forças distintas e separadas por trás desse bom desempenho. A primeira é relacionada aos fundamentos. A melhora da economia americana já começou na metade do ano passado, então é pré­eleição. Junto com isso, os resultados das companhias também têm melhorado desde a metade do ano passado. E é nessa história que nós acreditamos, na melhora já existente da economia e dos resultados. Certamente teve uma perna depois da eleição de euforia do mercado em relação a algumas políticas que poderiam ser implementadas pelos republicanos. Aí que a situação fica um pouco mais complicada. Achamos que os mercados estavam focados demais sobre algumas políticas. E é isso que estamos vendo, o choque entre realidade e expectativa de política. 

Valor: Vê algum risco para a economia global vindo das políticas de Trump? Gabriela : Acho importante, nesse contexto em que a gente tem tanto barulho político, a gente olhar melhor para as ordens executivas que foram assinadas pelo presidente Trump e ver se são mais simbólicas ou se realmente têm medidas implementáveis. Com relação ao comércio, tudo o que ele assinou na semana passada é puramente simbólico. Trump disse que os Estados Unidos não iriam assinar o TPP [Parceria Trans­Pacífica], mas, na verdade, nem a Hillary Clinton [candidata democrata derrotada por Trump] iria assinar o TPP. Então não é nada dramático. O clima nos EUA já estava difícil para qualquer um assinar o acordo, seja Trump ou Hillary. Além da TPP, o presidente assinou a intenção de começar a renegociar o Nafta. Outra vez, é uma intenção, um ato simbólico, e não necessariamente algo que já está mudando o comércio global. Então é isso que temos de prestar atenção, o quanto é simbólico e o quanto é efetivamente ação. Até agora a gente ainda não viu nada que possa mudar o panorama global. 

Valor: Qual o efeito no curto prazo de mudanças de expectativas? Gabriela : Não acreditamos que medidas mais agressivas de protecionismo serão adotadas. Mas essa discussão toda tem um potencial de causar mais volatilidade nas próximas semanas. Mas a gente tem de lembrar que a volatilidade estava anormalmente baixa. Se a gente olhar o VIX [CBOE Volatility Index, indicador de volatilidade, conhecido como índice do medo], ele estava abaixo de 12 na semana passada e só atingiu esse nível algumas vezes na história. Dizer que a volatilidade vai subir é dizer que vai retornar ao patamar normal. A volatilidade vai aumentar na esteira do choque entre a realidade e a expectativa política. E isso vai depender exatamente do andamento das negociações entre Trump e o Congresso americano nesses fatores em que o mercado está muito interessado e preocupado, como os cortes de impostos corporativos. Mesmo com a volatilidade, esperamos a continuidade da migração de recursos da renda fixa para a renda variável. A bolsa subiu 230% nos últimos anos e muitas pessoas físicas não participaram desse ganho das ações. Nós tínhamos muitos investidores com uma concentração muito forte em renda fixa. É saudável essa migração exatamente para que os investidores tenham uma alocação de ativos mais diversificada. Uma exposição mais normal a ativos de risco. 



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