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Trump médico ou monstro e as perspectivas para o real em 2017

Veículo: Valor Economico 

Seção: Finanças 

A obra escocesa de ficção científica e terror do século XIX "O estranho caso de Jekyll e Hyde" ("O médico e o monstro", na versão brasileira) impactou o imaginário popular, virando sinônimo que caracteriza pessoas de múltiplas personalidades. Seria o presidente Trump, na pessoa jurídica, Jekyill ou Hyde para a economia mundial? Em outra história (mais para um drama), era uma vez um país com um déficit de transações correntes caminhando para 1% do PIB (decrescente por conta da recessão econômica) que é largamente financiado pelo investimento direto (em doze meses: 4 % do PIB). Com o saldo de quatro vezes de cobertura (US$ 50 bilhões), nem mesmo a saída acumulada de US$ 10 bilhões das carteiras de renda fixa em um ano (ajuste de portfólios estrangeiros após a perda do grau de investimento pelo Brasil ao final de 2015), conseguiu abalar a ótima fotografia do balanço de pagamentos. Esse país ainda acumula 20% do PIB de reservas internacionais, totalizando um seguro que chega a US$ 350 bilhões.

"O câmbio foi a variável inventada por Deus para prover humildade aos economistas" (autor: economista desconhecido). Profissionais de alto nível criam modelos econométricos para, a partir de diferentes variáveis, projetar "câmbios de equilíbrio". O esforço, apesar de louvável, não estimula os seus próprios autores a colocarem "a mão no fogo" pelos resultados. 

A definição da taxa de câmbio é resultado não somente dos fluxos de entrada e saída de reservas (campo comercial como financeiro), mas consolida também a antecipação das expectativas futuras (economia mais política) de movimentação de divisas. Lembrando ainda que a taxa cambial é uma variável relativa, o que exige do analista também a comparação das condições dos países envolvidos. Falemos do real em 2017 e sua inserção no ambiente econômico e político. O mercado definitivamente comprou a história do presidente Trump como o bom Dr. Jekyll. A política fiscal mais relaxada (déficit controlado) com investimentos em infraestrutura e redução de impostos, a taxa da Treasury de dez anos caminhando para 3% a ano rapidamente e a não confirmação das promessas protecionistas radicais. Resultado: dólar forte e a alta do preço das commodities. Portanto, falando de crescimento econômico, não estaria na hora, após as corretas revisões baixistas para o crescimento econômico local, de os economistas reestimarem para cima a contribuição do setor externo para o PIB de 2017? 

Sobre a influência do câmbio na inflação e política monetária, a última ata do Comitê de Política Monetária (Copom) citou a "relação não mecânica entre cenário externo e inflação". Entre as duas últimas reuniões, o real perdeu 6% perante o dólar. Com um "passtrough" modesto de 5%, isso se traduziria em aproximadamente 0,3% na inflação marginal prospectiva. No entanto, o BC aproximadamente 0,3% na inflação marginal prospectiva. No entanto, o BC surpreendeu com a queda da projeção de IPCA para 2017. Mesmo em recessão, será que a desvalorização e mudança permanente de patamar do real não é minimamente inflacionária ("passtrough" igual a 0)? Essa conclusão da ata confirma que, na visão do BC, o balanço de riscos aponta para um potencial maior de flexibilização monetária. 

O efeito da política local no comportamento do real surge como principal imponderável para 2017. Um eventual enfraquecimento do governo Temer pode prejudicar a aprovação da tão necessária reforma da Previdência. Com as denúncias diárias das delações, não podemos descartar nem a descontinuidade do governo antes de 2018. O canal de transmissão para o enfraquecimento do real se daria pela percepção de insolvência da dívida pública, sem o ajuste fiscal. E se, na hora da verdade, o Presidente Trump voltar a ser o Mr. Hyde? Expansão fiscal descontrolada associada ao cumprimento de promessas protecionistas mais agressivas, levando a uma bolha de crescimento de curto prazo, abertura mais intensa de curva de juros norte­americana (Treasury de 10 anos buscando 4% ao ano), com a piora das perspectivas de inflação. Isso afetaria o preço das commodities e dos ativos de risco (com o fim da lua de mel com as bolsas), com nova rodada de desvalorização das moedas emergentes. 

Por outro lado, o alto nível das reservas e o programa de repatriação dão mais segurança ao real. Porém, urge o debate mais qualificado sobre o custo (US$ 35 bilhões de diferencial de juros ou 2% do PIB) do nível de reservas (menos swaps cambiais) de US$ 350 bilhões versus o benefício da demonstração da solidez do país. Pior, quando ocorreu o sinistro "eleição Trump", o seguro foi inexplicavelmente muito pouco usado. Some­se a isso a potencial entrada de recursos da Lei da Repatriação, que já chega a US$ 40 bilhões líquidos somente na primeira fase. Ponderando as probabilidades, trabalhamos com um real mais desvalorizado no primeiro semestre de 2017, podendo chegar à casa média de R$ 3,50 a 3,60 por dólar. A hipótese do "Trump Dr. Jekyll" parece pouco crível e a curva longa de juros nos EUA deve sofrer nova pressão. Recorrendo a Mr. Hyde, faz­se necessário agregar a deterioração da política do governo que deverá criar dificuldades na tramitação da reforma da Previdência. 

A boa notícia é que o quadro de balanço de pagamentos ­ fluxo mais reservas mais repatriação ­ é tão positivo que, dificilmente, há espaço para uma desvalorização abrupta da moeda brasileira, a não ser no caso de ruptura política local. Os cenários alternativos embutem enorme desvio­padrão, com apenas uma certeza: a futura intensa e quase permanente revisão dos analistas sobre o valor do real ao final de 2017. E que Deus nos dê humildade de uma próxima vez que falarmos sobre câmbio.



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