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China testa sistema para vigiar crédito e conduta de cidadãos

Veículo: Valor Econômico
Seção: Notícia

Chen Li foi multada em US$ 6 e recebeu uma reprimenda do inspetor do metrô de Hangzhou, na China, por tentar usar o passe escolar de seu filho e não pagar a passagem integral. Um comunicado colocado nas proximidades sugere consequências mais severas. Ele alerta que os infratores podem perder pontos no "sistema de informação pessoal de crédito". Uma queda na classificação de crédito de Chen, segundo anúncios oficiais, pode afetar sua vida diária, inclusive impedir a obtenção de empréstimos, empregos e vagas na escola para seu filho.

"Tenho certeza de que se [a infração] aparecer em algum lugar, eu posso explicar", disse ela, dizendo que pegou o passe acidentalmente. "Não foi intencional." O governo de Hangzhou está testando um sistema de "crédito social" que o Partido Comunista quer implementar em todo o país a partir de 2020, uma versão digital dos métodos de controle social que o regime já usa para impedir ameaças à sua legitimidade. 

Mais de três dezenas de governos locais na China estão começando a coletar registros digitais do comportamento social e financeiro das pessoas para classificar riscos de crédito. Uma pessoa pode ganhar pontos negativos por cometer infrações como trapacear no preço pago por passagens nos transportes públicos, atravessar a rua sem observar as regras de trânsito ou violar regras de planejamento familiar. O projeto copia o "dang'an", um sistema de dossiês que o Partido Comunista mantém sobre o comportamento dos trabalhadores urbanos. Com o tempo, Pequim espera criar bancos de dados conjuntos, maiores, incluindo a atividade das pessoas na internet, segundo entrevistas com alguns criadores do sistema e análise de documentos do governo. Os algoritmos usariam uma série de dados para calcular a classificação do cidadão, que então seria usada para determinar quem estaria apto a obter empréstimos, obter serviços governamentais mais rapidamente ou ter acesso a hotéis de luxo.

A iniciativa fortalece a campanha do presidente chinês Xi Jinping de acirrar o controle sobre o país e ditar moralidade em um momento de incerteza econômica que ameaça enfraquecer o partido. Em outubro, Xi pediu por inovações na "governança social" que iriam "fortalecer a capacidade de prever e prevenir todas as formas de riscos". O objetivo do sistema nacional de crédito social, segundo um slogan repetido nos documentos de planejamento, é "permitir que os [cidadãos] dignos andem por todos os lugares e dificultar que os desacreditados deem um único passo". Por enquanto, os sistemas pilotos que coletam dados não estão conectados ao sistema central de varredura planejado por Pequim para dar uma classificação a cada um dos cidadãos do país. 

Zan Aizong, ativista de direitos humanos de Hangzhou, vê o sistema, quando estiver totalmente operacional, como um exercício "Orwelliano" para manter um controle estrito sobre a população, que já não possui liberdades básicas como liberdade de expressão. "Monitorar todo mundo dessa forma", diz Zan, "é como '1984'", referindose ao livro de George Orwell. O sistema judiciário da China já criou uma lista negra que pode ser vinculada à operação nacional de crédito social. Zhuang Daohe, jurista de Hangzhou, cita o exemplo de um cliente, coproprietário de uma agência de viagem, que agora não pode comprar passagens de avião ou de trens de alta velocidade porque um tribunal de Hangzhou o colocou em uma lista negra depois que ele perdeu um litígio com um senhorio. "O que acontecerá quando [o sistema] punir a pessoa errada?", pergunta Zhuang. 

As autoridades de Hangzhou não responderam aos pedidos de comentários. Outro sistema do governo criou uma lista negra para turistas com mau comportamento. O Conselho de Estado e a agência central de planejamento nacional dirigem o sistema de crédito social. Um modelo publicado pelo Conselho, o gabinete chinês, em 2014 declarou que o objetivo é "construir sinceridade" nas atividades econômicas, sociais e políticas. Ele ressaltou a necessidade de um governo transparente e justo e de punição para as fábricas poluentes e aqueles que recebem propina. 

As listas negras exporão os transgressores e limitarão suas atividades, enquanto os cidadãos bem comportados terão acesso a serviços governamentais mais rapidamente, afirma o modelo. Advogados, contadores, professores, jornalistas e outras profissões consideradas sensíveis estarão sujeitas a um exame mais amplo, segundo o documento. O Conselho de Estado e a agência de planejamento nacional não responderam aos pedidos de comentário. O governo chinês terá que superar obstáculos tecnológicos e burocráticos para construir um sistema com poder para monitorar 1,4 bilhão de habitantes. Os departamentos do governo frequentemente não compartilham informações, prejudicando os esforços de construção de uma base de dados unificada, e seus sistemas geralmente não são compatíveis, diz Meng Tianguang, cientista político da Universidade Tsinghua, de Pequim, que assessora Pequim na aplicação de "big data" em questões governamentais, mas não está envolvido diretamente no sistema de crédito social. 

"Não é certeza no momento se realmente seremos capazes de lançar [o sistema]", diz Meng. "De qualquer forma, é melhor que o tradicional", até recentemente, diz ele, "quando não tínhamos dados e o sistema se baseava no julgamento de indivíduos". O governo de Xangai em um site oficial definiu várias infrações que podem incorrer em multas em seu sistema piloto, como o não pagamento de contas e a violação de leis de tráfego. A mídia estatal divulgou ainda infrações como não cuidar de pais idosos. Pela lei chinesa, os pais acima de 60 anos podem processar os filhos que não os visitarem regularmente ou não fornecerem alimentação suficiente. 

O sistema de Xangai ainda parece estar em fase inicial. Os moradores podem checar os seus registros no sistema, mas aqueles analisados pelo The Wall Street Journal não continham dados não financeiros. As autoridades da cidade de Xangai não responderam a pedidos de comentários. Pesquisa de Yang Wang, especialista em comportamento na internet da Universidade de Syracuse, mostrou que os usuários chineses de internet, acostumados com a ideia da intrusão do governo, estão menos preocupados com a privacidade on­line que os americanos. A palavra da língua chinesa mais comum para privacidade, yinsi, não aparecia nos dicionários populares chineses até meados da década de 90, disse ele. 

O sistema de crédito social também pretende coletar dados sobre comportamento de empresas e mostrar os resultados para os consumidores. Um exemplo seria a segurança alimentar, uma questão importante desde a morte de seis crianças envenenadas por leite em pó contaminado por melamina em 2008. Escândalos posteriores, como a venda de óleo já utilizado para ser reaproveitado em restaurantes, têm continuado a instigar desconfiança. Alguns assessores do governo dizem que eles são céticos sobre o início do sistema em 2020 devido à imensa tarefa de integração de dados e a manutenção das informações de forma segura.

Em Hangzhou, onde Chen Li usou o passe de metrô do filho, os residentes podem checar seus registros de crédito social em centros de serviços do governo. Os dados analisados pelo WSJ mostravam apenas se as pessoas estavam em dia com os pagomentos de planos de assistência médica e previdência, muito menos que o objetivo do governo central. 



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