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As consequências econômicas de Trump.

Veículo: Valor Econômico

Donald Trump conquistou a Presidência, apesar de ter perdido no voto popular. Os Estados Unidos, como resultado, escolheram como seu próximo presidente um homem cuja experiência, caráter, temperamento e conhecimento parecem fazer dele inadequado para esse alto cargo. As consequências da Presidência Trump serão muitas e variadas. Mas as econômicas não serão menos importantes. Seu governo poderá até mesmo reverter a globalização, desestabilizar o sistema financeiro, enfraquecer as finanças públicas dos EUA e ameaçar a confiança no dólar. A globalização, liderada pelos Estados Unidos, já anda frágil. Trump parece disposto a enterrá­la.

Após sua vitória, a Parceria Transpacífico (TPP, na sigla em inglês) parece condenada. Isso poderá deixar uma fresta para a alternativa liderada por Pequim: a Parceria Econômica Regional Abrangente. Mas a TPP poderá ser substituída por nada. A proposta Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento, que se encontrava moribunda, agora está morta. Trump também sugeriu que vai revogar, ou renegociar, o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta). Acima de tudo, ele insinuou que vai impor tarifas elevadas, especialmente sobre as importações da China e do México, "para desencorajar as empresas a demitir seus funcionários para realocar a mão­de­obra para outros países e embarcar seus produtos de volta para os EUA livres de impostos".

É quase certo que isso seria contrário às regras da Organização Mundial do Comércio (OMC). Isso também criaria o risco de uma retaliação. O custo para os EUA, o comércio mundial e a credibilidade do sistema comercial poderá ser muito alto. Uma segunda área de preocupação é a regulamentação financeira. Trump apoia a revogação da Lei Dodd­Frank, a resposta reguladora à crise financeira. Muitas instituições financeiras a odeiam. Mesmo assim, a questão é se ela será substituída por uma alternativa mais eficiente ou por um retorno ao vale­tudo do pré­crise. Se for o segundo caso, as chances de uma outra crise, possivelmente maior, certamente aumentariam.

Ainda na questão da regulamentação financeira, ao contrário do comércio, o populismo de Trump poderá proteger os EUA dos piores instintos liberalizantes dos republicanos do Congresso, em vez do contrário. Trump também quer um grande aumento nos gastos com infraestrutura e cortes de impostos. A primeira opção seria desejável, especialmente se os projetos forem sensatos. Na verdade, seria uma grande ironia se Trump conduzisse, com o apoio republicano no Congresso, exatamente o tipo de estímulo fiscal keynesiano a que os republicanos resolutamente rejeitara, quando sugerido de maneira sensata pelo governo Barack Obama em 2009. Infelizmente, o momento seria muito pior, uma vez que a economia dos Estados Unidos está hoje muito mais perto do pleno emprego do que estava então. As propostas de corte de impostos seriam enormemente benéficas para americanos já ricos, como Trump.

Segundo o Tax Policy Center, seu plano mais recente elevaria a renda, depois dos impostos, para aqueles que se encontram no quinto intermediário da distribuição de renda em US$ 1.010, ou 1,8%. Mas a faixa de 0,1% mais rica da população gozaria de um corte médio nos impostos de quase US$ 1,1 milhão, ou mais de 14% dos rendimentos após os impostos. O aumento cumulativo da dívida federal poderá ser de até 25% do PIB até 2026. Os republicanos do Congresso poderão querer compensar isso depois, pelo menos parcialmente, reduzindo os gastos, inclusive com a Previdência Social e a saúde. Mas Trump é contra isso. Juntos, então, o populismo de Trump e a mania de cortar impostos dos republicanos poderão iniciar um crescimento grande e permanente nos déficits fiscais.

Isso representaria um grande desafio para o Federal Reserve (Fed, o banco central americano). A resposta óbvia seria apertar a política monetária. Trump já indicou que favorece isso. Mas ele também sugeriu que a economia deveria crescer perto de 4% ao ano. Isso parece impossível dado o lento crescimento da força de trabalho. Mesmo assim, ao escolher em 2018 um substituto para Janet Yellen, a presidente do Fed, Trump poderia buscar alguém que conduza a política monetária sob a suposição de que esse crescimento é plausível.

O resultado seria a mistura populista clássica de políticas monetária e fiscal extremamente frouxas. Os efeitos prováveis seriam a alta da inflação, taxas de juros nominais de longo prazo mais altas e um dólar fraco. Isso poderia marcar uma transformação no regime monetário mundial. Poderia até mesmo gerar o tipo de cenário visto na década de 70, quando o presidente Richard Nixon e Arthur Burns, o presidente do Fed, estavam no comando. O que na verdade vai acontecer dependerá de Trump fazer, como presidente, o que ele proclamou enquanto candidato, e de sua interação com o Congresso. Há quem sugira que cabeças mais sábias irão conter seus excessos. Pouca coisa de seu comportamento passado sugere que isso seja plausível. Não se engane: o triunfo de Trump poderá desestabilizar os EUA e a economia global.



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