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Computador quântico ameaça os segredos globais

Veículo: The Wall Street Journal 

Sessão: Artigo por Liam Pleven

A Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos divulgou, no ano passado, um projeto “para proteger nossa nação, seus cidadãos e seus interesses”. A suposta ameaça não vem de terroristas internos ou de exércitos estrangeiros hostis. O perigo está em uma série de problemas matemáticos obscuros e no risco de alguém resolvê-los. O serviço de espionagem do governo americano, conhecido por sua discrição, declarou que, “num futuro não muito distante”, começaria a alterar os métodos de criptografia usados para proteger os segredos dos EUA — os mesmos métodos que protegem nossos registros de saúde, transações on-line e grandes volumes de outros dados sensíveis.

O motivo para essa missão gigantesca? A chegada iminente dos computadores quânticos — máquinas poderosas que podem estar a apenas 10 ou 20 anos de distância. O computador quântico representa uma mudança de paradigma na computação como ela é entendida hoje, mudança essa capaz de abrir novas possibilidades em áreas que vão da engenharia à farmacêutica. Mas esses computadores também poderão resolver — quase instantaneamente — os problemas matemáticos que hoje são a base da criptografia moderna. Resultado? Um futuro onde muitos de nossos segredos podem estar em perigo.

Michele Mosca, um dos fundadores do Instituto de Computação Quântica em Waterloo, no Canadá, vem há anos soando o alarme. Ele é um líder no crescente movimento para superar as máquinas do amanhã, o qual conta com o apoio de governos e empresas temerosas de que o prazo para garantir a segurança de seus dados esteja acabando.

Há motivos para esperança. “Acreditamos que há várias bases matemáticas da criptografia que estarão seguras mesmo contra o ataque de grandes computadores quânticos”, diz Neil Ziring, diretor de capacidades técnicas da Agência de Segurança Nacional — ou NSA, da sigla em inglês.

Mosca está testando novos métodos de criptografia em situações de ataque. E para compreender totalmente a ameaça, ele também trabalha com pesquisadores que estão tentando construir os computadores quânticos que ele quer superar. O objetivo é encontrar formas de proteger nossos segredos por muitos anos.

WSJ: Como dados sensíveis e pessoais são transmitidos pela internet hoje?

Mosca: Uma das principais ferramentas usadas é a criptografia. Normalmente, há algum tipo de chave e os detentores legítimos dessa chave são capazes de decifrar a informação. Pense na chave como uma receita para misturar a mensagem. Qualquer um com a chave pode facilmente inverter o texto cifrado e ver a mensagem original.

WSJ: O sistema se baseia na chamada criptografia de chave pública. Por que esse nome?

Mosca: A chave pública é um número — digamos, de 100 a 600 dígitos — que é amplamente disseminado. Qualquer um que tiver sua chave pública pode codificar informação e enviá-la para você. [...] Para decifrá-la, você precisa conhecer a chave privada. Em um sistema comum, a chave privada são os números primos menores que são multiplicados para criar a chave pública. O navegador de seu computador pessoal mantém esses números menores em segredo. Se a chave pública for grande o suficiente, nem um supercomputador controlado por hackers consegue explorar todas as possibilidades rápido o suficiente para descobrir a chave privada, o que mantém sua informação fora de alcance.

WSJ: E a criptografia de chave pública é geralmente considerada difícil de decifrar, certo?

Mosca: Sim, é uma premissa fundamental de nosso ecossistema tecnológico. Se você me dá uma chave privada de 600 dígitos, leva uma eternidade para fatorar com os métodos de hoje. [...] Mas isso mudará com a vinda dos computadores quânticos.

WSJ: Como os computadores quânticos ainda não existem, como sabemos o que eles poderiam ser capazes de fazer?

Mosca: Temos pequenos protótipos de computadores quânticos. Estamos tentando muitíssimo ativamente construir maiores porque eles podem resolver problemas importantes que pensávamos que eram insolúveis — por exemplo, prever as propriedades de materiais novos e exóticos. Os computadores quânticos serão provavelmente bons para a otimização — examinar um grande número de configurações potenciais. Quando você está projetando um material ou um remédio ou a planta de um prédio, você precisa testar incontáveis configurações para encontrar a melhor. O computador quântico permite que você faça isso de uma maneira que o computador clássico não pode fazer. Então, existem todas essas razões excitantes e positivas para fabricá-los, mas acontece que eles também decifram os problemas em que a criptografia está baseada. Até agora, a criptografia de chave pública é segura porque é preciso um número pequeno de passos para criptografar, mas um número astronômico para decifrar. Mas um computador quântico pode decifrar tão facilmente quanto um computador regular pode criptografar; não haverá um intervalo entre criar e decifrar esses códigos. Toda nossa informação criptografada torna-se vulnerável e temos um problema sério em nossas mãos.

WSJ: E esse problema está sendo abordado por pesquisadores em todo mundo?

Mosca: Felizmente, essa debilidade foi descoberta em 1994, então nos deu 20 anos para nos prepararmos. Infelizmente, por muitos e muitos anos a atitude foi: se não está quebrado, não conserte. Então, só um grupo relativamente pequeno de pesquisadores no mundo, incluindo em Waterloo, vinha olhando isso seriamente. Mas o anúncio da NSA mudou tudo. No último ano ou dois, vimos um impulso bem maior e agora há um esforço acadêmico global.

WSJ: Por que tanta urgência?

Mosca: Porque, mesmo se descobrirmos um novo método de criptografia resistente ou mesmo invulnerável a ataques quânticos, levará muitos e muitos anos para implementá-lo. [...] Lembre do desafio do Y2K [o bug do milênio]. Não havia nenhum mistério matemático sobre o que precisava ser feito, mas ainda assim tínhamos que pegar todos esses sistemas antigos, identificar os problemas e consertá-los.

WSJ: O que acontece se os computadores quânticos chegarem antes?

Mosca: Haverá dois problemas quando os computadores quânticos chegarem. Primeiro, um inimigo usando um computador quântico poderia decifrar facilmente todas as informações que atualmente estão criptografadas com métodos vulneráveis a sistemas quânticos. E isso será um risco mesmo se os computadores quânticos chegaram depois de termos tornado nossos sistemas à prova de invasões quânticas. Digamos que um oponente estivesse, neste exato minuto, coletando dados sensíveis criptografados com métodos vulneráveis a computadores quânticos. Esses dados podem ainda ser sensíveis quando os computadores quânticos chegarem e, então, seriam fáceis de decifrar. Segundo, se os computadores quânticos chegaram antes de criarmos sistemas resistentes a eles, então esses sistemas se tornarão muito vulneráveis e, em muitos casos, simplesmente deixarão de funcionar. Imagine as consequências se a rede de energia se tornar vulnerável a tais ataques.

WSJ: Você acredita que esses cenários são prováveis?

Mosca: Nos últimos cinco anos, tenho me preocupado com o fato de o prazo para criar computadores quânticos em larga escala esteja se sobrepondo ao prazo para criar proteções contra eles. [...] Tenho certeza que alguns sistemas estarão despreparados, mas espero que sejamos capazes de tornar os sistemas mais importantes resistentes a computadores quânticos a tempo. E que teremos sistemas, ferramentas e padrões disponíveis suficientes para proteger outros sistemas antes de uma grande catástrofe. Mas isso é uma esperança. Muitas medidas precisam ser tomadas para evitar consequências desastrosas.



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