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Será o fim da mobilidade social?

Veículo: O Estado de S.Paulo

José Pastore

Até meados da década de 1990 os brasileiros desfrutaram de muita ascensão social. O grosso dos movimentos ascendentes se deu quando se abriu o parque industrial e se expandiram as empresas estatais ao mesmo tempo que surgiram novas instituições financeiras de grande porte (1950-1970). Mesmo sem muita educação, o grosso da aprendizagem se fez em serviço e, com base nisso, os brasileiros aproveitaram as novas oportunidades de trabalho e chegaram a uma situação social melhor do que a de seus pais.

Apesar de não possuir dados precisos, suspeito de que boa parte dos brasileiros está atualmente em situação inferior à dos seus pais. Isso decorreu, em grande parte, da redução das oportunidades de trabalho em ocupações de status mais alto. O modelo econômico praticado pelo Brasil nos últimos 15 anos, ancorado no consumo, gerou um grande número de ocupações de baixa qualificação e baixo status social – balconistas, entregadores, serventes de pedreiros, cabeleireiros, etc. –, bem diferente do registrado no passado, quando a indústria, as empresas estatais e os grandes bancos abriram postos de trabalho que promoveram socialmente os brasileiros. A recessão de 2014-2016 veio como uma agravante, ao ceifar empregos de todos os níveis, inclusive os mais qualificados, o que reduziu as chances de ascensão social.

A estagnação da mobilidade social está presente também nos Estados Unidos, na Inglaterra, na França e em outros países. Desde o início dos anos 2000, os analistas vêm comprovando fortes quedas de status social da geração atual, quando comparada com a geração anterior. Uma pesquisa recente com amostras bastante grandes de americanos, ingleses e franceses revelou que os jovens de hoje correm o risco de morrer em situação social bem mais baixa do que a de seus pais (McKinsey, Poorer than their parents?, julho de 2016). É isso mesmo. O sonho da mobilidade ascendente parece ter chegado ao fim.

Muitos analistas atribuem a estagnação da mobilidade ascendente à globalização e, mais especificamente, à saída de indústrias dos Estados Unidos e da Europa para outras regiões e a consequente contração da oferta de empregos de boa qualidade para os americanos, ingleses e franceses. Donald Trump tem baseado toda a sua campanha eleitoral nessa hipótese, condenando abertamente o encolhimento do mercado de trabalho do seu país. Na Inglaterra, o Brexit expressou a mesma insatisfação. Na França, Marine Le Pen vê a globalização como causa da desigualdade reinante e da fraca capacidade daquele país para gerar empregos de boa qualidade.

A estagnação da mobilidade social está abrindo espaço para as doutrinas populistas. Isso é agravado pelo sentimento de “privação relativa”, segundo o qual a pessoa que desce na escala social fica ainda mais frustrada ao ver que outras não desceram.

No caso do Brasil, as frustrações aprofundaram-se nos últimos anos. A parcela da população que teve uma melhoria de renda em 2010-2013 se desiludiu ao perceber que a referida melhoria não dava para comprar um plano de saúde decente, para colocar seus filhos em escolas de boa qualidade ou para ter segurança na sua vizinhança.

Com a chegada da recessão e a escalada do desemprego, a frustração se agravou – potencializada pela influência das redes sociais.

Para restaurar um clima de confiança e ascensão social, não será suficiente reduzir o desemprego, embora seja esse o primeiro passo para o desafio seguinte, que é a geração de trabalho em ocupações mais qualificadas e de status mais alto nos vários setores da economia. Para viabilizar esse sonho, a indústria e os serviços especializados precisam voltar a crescer e escolas de boa qualidade terão de garantir a oferta de profissionais competentes – o que vai demorar um bom tempo e exigirá muitas mudanças. Se isso não ocorrer, teremos uma estrutura social estagnada.

Professor da Universidade de São Paulo, presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP, é membro da Academia Paulista de Letras

 



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