Notícias

Argentina aprendeu com seus erros, diz o presidente Macri

Veículo: Valor Ecônomico 

Sessão: Internacional

O escritório de Mauricio Macri está inesperadamente bem aquecido, apesar do pé direito alto. Ultimamente, o presidente trava uma batalha para convencer os argentinos de que devem acostumar­se à ideia de que as contas de eletricidade não podem ser tão baratas quanto um cafezinho.

Ele cita o tema sempre que pode e até criticou os organizadores de um evento recente enquanto as câmeras de TV estavam no ar, reclamando que "não estava frio o suficiente" e insistindo que o aquecimento estava "alguns graus" demasiado alto. "Hoje não está tão frio. A chuva e a umidade ajudam", diz Macri gesticulando em direção à janela de seu gabinete na Casa Rosada, o palácio presidencial argentino, que revela a melancolia de um fim de tarde chuvoso em Buenos Aires.

Apesar do inverno mais rigoroso do que o usual, o presidente, de centro­direita, não se arrepende de sua iniciativa pela austeridade e enfatiza seus argumentos. "Precisamos nos comprometer a consumir o mínimo [de energia] possível", diz, bem agasalhado, com uma blusa e paletó sobre a camisa com o colarinho aberto, na mesma linha de seu governo tecnocrático de estilo casual de negócios.

A crise energética da Argentina vem se mostrando um dos maiores desafios para Macri desde que ele assumiu o governo, em dezembro de 2015. É o cerne do emaranhado de problemas econômicos complexos que seu governo herdou após 12 anos de populismo de Cristina Kirchner e de seu falecido marido e antecessor, Néstor Kirchner. Eles mantiveram as tarifas das concessionárias públicas congeladas desde a terrível recessão que se seguiu ao colapso econômico de 2001, enquanto a inflação subiu cerca de 700%. Os abundantes subsídios dos Kirchner empurraram as contas da Argentina profundamente no vermelho, e Macri tem plena consciência de que as regulares crises econômicas ao longo dos últimos cem anos, em última análise causadas pelo desperdício, levaram muitos governos ao fim.

"Compreendo que muitas das decisões que tomei não são fáceis para muitas pessoas", diz o milionário de 57 anos, filho mais velho de um dos magnatas industriais de maior destaque da Argentina. Sua decisão de elevar as tarifas das concessionárias públicas em até cinco vezes foi recebida com intensa oposição: em julho, pela primeira vez desde que Macri chegou ao poder, os argentinos retomaram sua honrada tradição de ir às ruas em protesto, batendo em potes e panelas. "Se houvesse alguma alternativa a elevar as tarifas, eu a teria escolhida, mas não há", diz.

Apesar da situação espinhosa ­ seu nome apareceu nos documentos vazados do caso Panamá Papers, o que apenas alimentou as críticas provenientes dos inimigos políticos ­ Macri mostra confiança obstinada de que a situação segue de acordo com os planos. Durante a entrevista, ele repetiu três vezes que seu governo está caminhando "na direção certa". "Precisamos seguir pela estrada que escolhemos", insiste. Embora Macri se mostre notavelmente menos exuberante, ele não deixou de lado sua mensagem otimista desde que falou com o "Financial Times" no fim de seus oito anos como prefeito de Buenos Aires.

Na ocasião, ele havia surpreendido ao conseguir um forte desempenho no primeiro turno das eleições presidenciais, em outubro. Foram­se os dias, no entanto, em que o os argentinos se envergonhavam ao ver Macri, fã de Freddie Mercury, aproveitar cada oportunidade possível para fazer dancinhas ridículas ao celebrar sua estreita vitória sobre o então governante partido peronista. "Minha preocupação é fazer as coisas funcionarem. É isso que o meu povo precisa", diz Macri, que é formado em engenharia. Sua atitude pragmática para resolver problemas foi celebrada por muitos argentinos, aliviados por ele ser o primeiro presidente civil em mais de uma geração que não é advogado.

Macri, desprezado por seus críticos como um playboy esnobe, pode carecer do talento para a oratória de seus antecessores populistas, mas ele se orgulha de sua abordagem prática. "Prometi dizer ao povo a verdade", diz. "Não acredito em lideranças messiânicas, mas em trabalho em equipe", acrescenta em inglês fluente.

Sua habilidade linguística rompe com a recente tradição de presidentes monoglotas da Argentina. Certa vez, Cristina descreveu seu inglês como "absolutamente tarzanesco". Como que para enfatizar suas diferenças, Macri mandou tirar do escritório da presidência os quadros da era da independência colocados por Cristina e os substituiu por arte moderna argentina. Até agora, Macri diz que a situação vai "muito bem", apesar de "um ponto de partida muito difícil".

"Não é tão fácil [reequilibrar] uma economia após décadas de mentiras. Eles estavam levando a Argentina ao mesmo tipo de problemas que a Venezuela está enfrentando agora", diz Macri, referindo­se à escassez de produtos e à quase hiperinflação que estão destruindo a economia venezuelana. Houve alguns sucessos iniciais impressionantes, que levaram o presidente dos EUA, Barack Obama, a descrever Macri em tom aprovador como um "um homem que tem pressa", durante a sua visita a Buenos Aires neste ano, que foi por si só uma grande vitória de política externa para o novo governo. A inflação, contudo, continua teimosamente alta e a economia ainda não começou a andar. "A situação não pode mudar em apenas sete meses, mas a cada dia melhoramos um pouco mais", diz Macri, otimista com as projeções de crescimento de 3% a 3,5% em 2017, depois de uma esperada contração este ano.

A grande aposta de Macri para reavivar a estagnada economia argentina é elevar os investimentos externos, que caíram para níveis historicamente baixos em razão da hostilidade dos Kirchner ao setor privado. Macri rebate as preocupações de que os investimentos não vêm chegando com a rapidez suficiente. Argumenta que estão aumentando de forma constante, em vez de forma brusca.

Sentando­se com a coluna ereta, ele usa dois dedos para traçar duas linhas que se separam gradualmente. "Você vê? A cada dia há mais boas notícias", diz. Como evidência de que a Argentina é um "lugar muito atraente para investidores neste momento", o presidente cita o êxito ao organizar a maior emissão de títulos de uma economia emergente da história, de US$ 16,5 bilhões, no tão louvado retorno do país aos mercados de capitais internacionais, depois de resolver uma disputa de dez anos com os credores.

"Não há outro país no mundo com tanto potencial como a Argentina", insiste. O empenho em conseguir investimentos estrangeiros faz parte de um esforço mais amplo de reconexão com o resto do mundo, depois de muitos anos de isolamento com os Kirchner, quando as relações com as potências ocidentais, como os EUA e o Reino Unido, desmoronaram. "Queremos ser parte do mundo, parte do futuro, parte da solução", diz Macri, recitando a sua ambiciosa lista de questões nas quais ele acredita que a Argentina pode contribuir, como segurança alimentar, energia, tráfico de drogas, terrorismo e, nada menos, que a paz mundial. "Temos muito a colocar à mesa." Macri reserva críticas especiais ao "desastre" na Venezuela.

"Não entendo como as pessoas podem dizer que eles estão praticando democracia. Isso não é democracia", diz, balançando a cabeça e rejeitando qualquer sugestão de que tenha suavizado a sua posição em relação ao governo do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, depois que assumiu o poder. Ele insistiu que brigou por um referendo para tirar Maduro, assim como pela "liberdade para os prisioneiros políticos". Talvez estes tenham ressonância especial para Macri, que tem uma grande fotografia de Nelson Mandela do lado de sua mesa.

Ele deu a seus ministros cópias de "Knowing Mandela" (conhecendo Mandela), biografia do líder sulafricano escrita por John Carlin, para enfatizar sua abordagem conciliadora depois de mais de dez anos da política de confronto dos Kirchner. De fato, Macri foi ele próprio prisioneiro, mas de policiais criminosos que o sequestraram por duas semanas, quando tinha 32 anos. Ele disse que a experiência de ser colocado em um caixão por dias sem fim o convenceu a entrar para a política ­ embora não antes de um período bemsucedido de 12 anos, iniciado em 1995, como presidente do lendário clube de futebol argentino do Boca Juniors.

Troféus dessa era também decoram o seu gabinete. "Sempre digo que o futebol representa muito claramente o que acontece na sociedade", diz Macri, que compara o seu cargo ao de cuidador do gramado, o responsável por assegurar que o campo está bem preparado para que os times possam jogar dentro das "regras do jogo".

Ele fica mais à vontade quando fala sobre o esporte favorito da Argentina. Assim como o país que ele herdou, ele diz que o estado do futebol da Argentina estava "uma confusão, cheio de corrupção e com um completa falta de profissionalismo". Ele diz, entretanto, que a Argentina vai estar "mais do que preparada" para a Copa do Mundo de 2018 ­ mesmo ano em que o país vai ser sede do encontro de cúpula do G­20 (o grupo que reúne as maiores economias do mundo). "Vamos ter nossa vingança sobre a Alemanha", brinca Macri, esperando que Lionel Messi, "o melhor jogador do mundo", faça parte da seleção que recentemente disse ter abandonado.

"Eu disse a ele que ficaria muito contente, orgulhoso e honrado se ele [ficasse]", diz Macri, com o tom reverente que também usa para falar do papa Francisco, a quem ele descreve como "o argentino mais importante". O telefone de Macri toca. Seu helicóptero está para pousar, para levá­lo de volta à residência presidencial, nos arborizados subúrbios de Buenos Aires, a alguns minutos de voo, rio da Prata acima, onde vive com sua terceira mulher, Juliana Awada, uma estilista de 42 anos.

Fotografias dela e de sua quarta filha, Antonia, também ocupam lugares de destaque no gabinete. Há tempo para mais uma pergunta: Depois de tantos falsos amanheceres na Argentina nas últimas décadas, por que a situação deveria ser diferente desta vez? Macri ri. "É a mesma pergunta que me fazem em Berlim, em Davos, no Vale do Silício. Realmente, acredito que finalmente aprendemos com nossos erros", diz, inclinando­se à frente.

Ele destaca que o fato de todas as leis importantes enviadas ao Congresso neste ano terem sido aprovadas por uma maioria "incrível" mostra que o partido peronista (dos Kirchner) "apoia o que estamos fazendo". Governadores de oposição estão cooperando com o governo e viajam frequentemente ao exterior com o presidente. "Isso mostra uma Argentina diferente. Há uma nova geração na política que quer fazer parte do século XXI." (Tradução: Sabino Ahumada) 



Compartilhe:

<< Voltar

Nós usamos cookies em nosso site para oferecer a melhor experiência possível. Ao continuar a navegar no site, você concorda com esse uso. Para mais informações sobre como usamos cookies, veja nossa Política de Cookies.

Continuar