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O impeachment finalmente foi aprovado, e agora?

Veículo: Valor Economico 

Seção: Finanças 

No momento em que escrevo esse artigo ainda não ficou sacramentado o afastamento definitivo da presidente Dilma Rousseff. No entanto, o comportamento de todos os ativos ligados ao mercado brasileiro comprova que os agentes consideram altamente improvável que a decisão do Senado, até o fim de agosto, seja contrária ao impeachment. Nesse sentido, o Ibovespa voltou ao patamar de 58 mil pontos e acumula alta de cerca de 34% no ano. No mesmo período, o real teve valorização de 22% perante o dólar e a recuperação de indicadores como CDS e juros futuros comprova a mudança de humor com as perspectivas do país. A pergunta que vem na sequência é: confirmado o afastamento, ainda há espaço para a continuidade da valorização da bolsa? Minha resposta é sim, e não é pouco.

Usando como referência a relação preço/lucro (P/L) projetada para os próximos 12 meses, aparentemente, a bolsa estaria cara. O P/L atualmente é de 13 vezes, acima da média dos últimos seis anos de 11,5 vezes. No entanto, há fortes argumentos para advogar que a média do período tende para baixo. 

Desde 2009, o Brasil vinha abusando do direito de cometer erros de política econômica. Uma incrível sequência de decisões equivocadas acabou por desorganizar o funcionamento de diversos setores da economia, desmoralizar o sistema de metas de inflação e endividar excessivamente o país. O processo foi coroado com a perda do grau de investimento e uma profunda recessão. 

Em comparação aos pares, também desde 2009, o desempenho da bolsa brasileira em dólares foi de longe o pior. O comportamento refletiu a contínua revisão para baixo das estimativas de lucros das empresas listadas, em linha com o movimento equivalente de revisões para pior da expectativa de desempenho do PIB doméstico. 

Até março de 2016, o cenário base dos investidores era a continuidade dessa trajetória de deterioração de fundamentos com risco de se replicar, no país, a situação da Venezuela. O impeachment e, principalmente, a qualidade da nova equipe econômica trouxe confiança que o pior será evitado. Ou seja, a valorização dos ativos, vista desde março, reflete a eliminação do risco de desastre no cenário base. A partir de agora, é natural esperar redução da volatilidade da bolsa na medida em que se diminuiu a disparidade entre os cenários prováveis para o país. 

Pela primeira vez, após cinco anos, mudamos o sentido das revisões de estimativas para lucros e crescimento de PIB. Ainda assim, o consenso para os anos que virão embute expectativas baixas. A pesquisa Focus do BC mostra um Brasil medíocre, com magros 2% de crescimento de PIB em 2018 e 2019. Isso pode ser revisto se, de fato, o país encarar a agenda que prevê a reforma da previdência, a flexibilização de leis trabalhistas e diversas medidas que melhoram o ambiente de negócios no país. Se for assim, é possível antecipar que entraremos num ciclo virtuoso que justificará contínuas revisões para melhora das estimativas de médio/longo prazo. Exemplos recentes de países que encararam com convicção reformas estruturais, como o México, de Enrique Peña Nieto (2012), e a Índia, de Narendra Modi (2014), servem como evidências que economias em processo de reformas liberalizantes experimentam forte expansão de múltiplo P/L nas bolsas a despeito de não necessariamente verem aceleração de crescimento no curto prazo. Pré­2012, a bolsa mexicana tinha P/L histórico médio de 15 vezes que se expandiu para os atuais 18,4 vezes. A Índia expandiu seu múltiplo histórico médio pré­2014 de 13,5 vezes para atuais 17,8 vezes. Se avançarmos nas reformas, a bolsa se beneficiará da combinação de revisões de lucros (e do PIB) para cima, com uma expansão de múltiplo P/L em virtude da perspectiva de aceleração de crescimento de longo prazo para além dos atuais 2%. 

A questão é que não há alternativa viável para o governo que não seja avançar no espinhoso caminho das reformas. Como não dispõe de base social organizada como o governo anterior, caso ceda a tentações de curto prazo e flerte com o populismo, correrá o risco de perder o alicerce de sua sustentação: a ainda incipiente recuperação econômica. O caminho daqui para frente será difícil e dependerá da capacidade de convencimento da sociedade pelas autoridades e da contribuição do Congresso. 

Todavia, caso a premissa principal desse artigo se revele incorreta e o Senado não confirme o impeachment, a análise acima perde sentido. O processo de recuperação de expectativas será interrompido à espera das cenas dos próximos capítulos. 

Frederico Sampaio é gestor da Franklin Templeton Investimentos

 



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