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O Brasil não é confiável

Veículo: Folha de S. Paulo

Seção: Colunistas

Para quem se ocupa de notícias, os anos Dilma foram uma montanha-russa. É de se imaginar o que terá sido para quem produz e emprega. A todo momento, a pergunta: "O que eles estarão aprontando hoje?"

Se nada trouxe ainda em mudanças estruturais, os três meses do governo Temer e de sua equipe trouxeram uma calmaria que Brasil não via há anos.

Confrontado há alguns dias sobre a falta de ação imediata do governo no ataque ao deficit público e à Previdência insustentáveis (ao que parece, à espera do impeachment), o ministro Henrique Meirelles (Fazenda) disse que, por experiência, quando quer saber a opinião dos "mercados", olha o preço dos ativos.

Desde que assumiu, a Bovespa subiu 12%, o dólar caiu 8% e neste ano as empresas brasileiras captaram no exterior mais que o dobro dos recursos obtidos em todo 2015 para financiar suas operações.

Já foi dito aqui que Temer se beneficia de um bom vento a favor. Se os anos Lula foram bem por conta do sopro das commodities em alta, Temer está surfando na onda do dinheiro barato internacionalmente.

Estima-se que cerca de US$ 12 trilhões (sete vezes o PIB brasileiro em 2015) de investidores estejam "pegando poeira" em títulos de dívida (semelhantes ao Tesouro direto) que pagam juros negativos em muitos países.

A estratégia desses bancos centrais, sobretudo na Europa, é desestimular a poupança e tentar fazer o dinheiro circular para tirar suas economias de uma estagnação cada vez mais parecida com a japonesa, que dura 20 anos.

É ainda uma fração disso que hoje se arrisca atrás de ganhos maiores e dá impulso à Bolsa e valoriza o real.

As regras mais claras adotadas pela atual equipe e a falta de novidades angustiantes a cada semana têm estimulado a vinda desse dinheiro.

Mas o histórico do Brasil é ainda péssimo em relação a variações abruptas no câmbio (que leva investidores a perder muito em dias), na inflação e em relação a mudanças de regras de uma hora para a outra.

Vale lembrar que o Brasil conseguiu manter o chamado selo de bom pagador, o "grau de investimento", por sete anos apenas, de 2008 a 2015. Sem ele, qualquer gripe aqui ou oportunidades nem tão melhores fora (uma alta nos juros nos EUA) provocam saídas súbitas de capitais.

O Brasil é também "caipira" em sua inserção no comércio global, com participação de apenas 1% (é o 25º colocado, apesar de sétima economia). Com pouco a perder, é também pouco comprometido com regras na comparação com quem sofre mais com mudanças.

Por fim, temos nosso Congresso e sua visão atrasada, sem comprometimento com o todo, a respeito da insustentabilidade do gasto público.

De nada adiantarão regras estáveis se o Brasil continuar produzindo deficit como os R$ 170,5 bilhões deste ano e a dívida pública saltar quase dez pontos de um ano para outro.

Assim como tem entrado, o mesmo dinheiro que anima as consultas de Meirelles ao mercado pode sair voando se o governo Temer falhar ao tentar mudar isso. 



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