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Bolsa antecipa recuperação da economia

Veículo: Valor Economico 

Seção: Finanças 

Uma inesperada série de indicadores econômicos positivos começou a desenhar um quadro mais favorável e mudar a disposição dos investidores em relação ao mercado de ações. Mesmo com incertezas pela frente, cresce entre analistas a visão de que os elementos para uma melhora no resultado das companhias ­ algo impensável há pouco mais de um mês ­ justificam apostas mais otimistas, explicando em parte os fortes ganhos da bolsa no mês. E podem justificar alta adicional para o Ibovespa de cerca de 10% até o fim do ano, dizem analistas, o que levaria o indicador acima dos 61 mil pontos. No ano, o Ibovespa acumula ganho de 30,79% e de 10,04% em julho, sendo que 9,37% foram escalados nos últimos dez pregões. Não há dúvida de que os ventos favoráveis do exterior são o principal motor dessa alta. Sem a temida ruptura após o Brexit e com a possibilidade de reforço dos estímulos por parte dos grandes bancos centrais, investidores aumentaram as compras em emergentes e o Brasil se beneficiou. "Mas se não fosse a percepção da melhora do quadro local, provavelmente o ganho seria menor", defende o estrategista para pessoa física do Santander, Leonardo Milane. "O investidor estrangeiro, que há pouco tempo estava disposto a deixar seu dinheiro em caixa, agora está ávido por boas histórias; e o Brasil, que tinha zero de perspectiva de crescimento, agora tem um cenário melhor." 

A bolsa está respondendo à expectativa de melhora dos resultados das empresas no segundo semestre e, principalmente, em 2017, diz o gestor de renda variável do UBS Wealth Management, Andres Kikuchi. Mas também a mudanças em premissas macroeconômicas, como valorização cambial, inflação mais baixa e perspectiva de queda dos juros ­ não apenas da Selic, mas também dos juros longos, que estão no menor nível desde janeiro de 2015. Ele diz que quem olhar o indicador preço/lucro das ações hoje pode achar que já está bem precificado e ficar reticente. "Mas a alta é porque a expectativa de melhora da economia e dos resultados das empresas vem sendo embutida nos preços." Após um período de sucessivas quedas, os indicadores setoriais, considerados antecedentes do comportamento do PIB, mostram alguma recuperação em junho. No varejo, depois da decepção com as vendas em maio, há dados melhores de empresas. O grupo Pão de Açúcar, por exemplo, informou que as vendas totais subiram 5% em junho ante igual período de 2015, para R$ 16,7 bilhões.

Sobre a indústria, a venda de papelão ondulado subiu 3,4% ante o mesmo mês de 2015 e 1,5% na comparação com maio, segundo a Associação Brasileira do Papelão Ondulado (ABPO). O Instituto Aço Brasil mostrou que, apesar de a produção ter chegado ao menor nível desde 2009, o consumo aparente de aços planos e longos subiu em junho pela segunda vez consecutiva. Em junho, foram compradas 1,58 milhão de toneladas, 2,9% a mais do que em maio. Já o fluxo de veículos pesados cresceu 2% em junho, segundo a Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias. 

"As ações tendem a antecipar os ciclos econômicos em pelo menos seis meses", afirma o economista­chefe do Bradesco, Octávio de Barros, observando que a alta da bolsa ocorre em um ambiente ainda bastante incerto e com a economia ainda em contração. Por isso, o especialista acredita que "há fundamentos que sustentam essa alta da bolsa e há possibilidade de, em se confirmando um cenário mais positivo de crescimento de 1,5% do PIB no ano que vem, as ações continuarem a subir", ainda que em ritmo mais moderado. O estrategista de ações para América Latina do Bank of America (BofA), Felipe Hirai, diz também ter visão mais positiva para a bolsa e projeta 62 mil pontos para o Ibovespa no fim do ano. Ele reconhece que houve melhora no cenário local e que, por isso, há oportunidade para ganhos, em especial entre ações do setor financeiro, de consumo discricionário e de commodities. "Mas a continuidade da melhora depende do exterior", diz. 

O investidor estrangeiro, que responde por cerca de metade do giro financeiro da bolsa, vem reforçando as apostas. Em julho, até o dia 15, houve ingresso líquido de R$ 3,4 bilhões na bolsa, o maior desde março, quando o mercado começou a se recuperar impulsionado pela perspectiva de mudança de governo. Em julho de 2015, o estrangeiro retirou R$ 567,8 milhões. "A recuperação pode vir antes do esperado e o mercado percebe que o pior já passou", diz o economista­chefe da INVX Global, Eduardo Velho. Com a alta das ações, a relação preço/lucro das companhias, variável que mede o quão caros ou baratos estão os papéis, também mudou. Segundo cálculos da Eleven Research, o caso mais evidente é do setor de materials (commodities), que ganhou terreno na esteira da melhora do apetite por risco e consequente recuperação dos preços de matérias­primas, como minério de ferro e cobre. As onze companhias que compõem esse grupo tiveram o P/L elevado de 23,77 vezes no dia 18 de abril de 2016 ­ um dia após a aprovação da abertura do processo de impeachment na Câmara ­ para incríveis 113,31 vezes no dia 12 de julho. Esse dado, explica o diretor da Eleven, Adeodato Volpi Netto, sugere sobrevalorização. "São empresas com lucro em queda, dívida mais curta e o crédito restrito", diz. "E a recuperação do minério de ferro parece ainda muito frágil." 

Já o setor de "utilities", que inclui sete companhias do segmento elétrico mais Sabesp, tinha P/L de 15,61 vezes em 12 de julho, acima da média do mercado. "Mas o setor de energia elétrica ainda é perigoso, dado o nível de preços e o fato de que o pagamento de dividendos, que sempre foi um dos atrativos dessas ações, estar desprezado", afirma. O setor financeiro, diz Netto, parece barato. Com a queda das ações dos bancos no começo do ano, o P/L desse grupo saiu de 49,39 vezes em abril para 10,09 vezes em julho, abaixo da média do mercado. "A economia precisa ser financiada pelos bancos privados, que têm lucro alto e ações baratas", afirma. Já para o Banco do Brasil, a indicação não é favorável. "O risco é de o governo precisar novamente de juros subsidiados, e isso não seria uma boa notícia." A relação preço/lucro do Ibovespa está em cerca de 13 vezes, "o que já é um indicador elevado", diz Frederico Tralli, gestor de renda variável do BNP Paribas. Para ele, houve uma mudança significativa na expectativa dos investidores, mas ainda não nos fundamentos das empresas. Portanto, não é possível prever por quanto tempo essa alta se prolongará. "Percebemos que não houve um aumento no volume dos fluxos financeiros dos fundos de investimento destinados aos mercados emergentes, que são de longo prazo. Parece que o dinheiro destinado para a bolsa de valores tem um perfil mais tático do que estratégico", diz. (Colaborou Renato Rostás) 



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