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Ponte para o futuro terá que ser construída rapidamente

Veículo: Valor Economico 

Seção: Finanças 

O modelo de crescimento do Brasil está emperrado. Isso está ficando claro para todos. Desde o "milagre brasileiro" não somos capazes de sustentar uma taxa elevada de crescimento do produto por um período prolongado. Como se sabe, o "milagre brasileiro" foi abortado pelas crises do petróleo da década de 70 e pela elevação brutal da taxa de juros norteamericana no início da década de 80 do século passado. Esse período coincidiu com a redemocratização no Brasil, pontificada pela Constituição de 1988, que estabeleceu parâmetros de inclusão social e redução da desigualdade de renda, tão demandada naquele momento. O sonho civilizatório da Constituição de 88 e dos governos que a sucederam esbarrou na incapacidade do país de gerar riqueza para custeá­lo. Os gastos públicos cresceram sistematicamente mais do que o PIB em todos os anos, salvo em alguns curtos períodos de ajuste. Antes do Plano Real, os gastos eram financiados com emissão monetária e inflação. A partir do Real, passou­se a usar uma combinação de endividamento público, aumento da carga tributária e venda de ativos. Atingiu­se, sucessivamente, os limites das modalidades de financiamento do gasto público, o que fica evidenciado pela rejeição da sociedade à inflação e, posteriormente, ao aumento de impostos. 

Além da expansão continuada das despesas, que impõe uma taxa de juros elevada e altamente prejudicial à economia, nosso modelo de crescimento sofre ainda com o gigantismo do Estado e os problemas que isso acarreta, como excesso de burocracia, corrupção, clientelismo e busca por vantagens individuais ou setoriais (rent seeking). Todas essas características negativas foram ampliadas pelo modelo dirigista e pela desastrosa política econômica dos governos do PT. Além disso, as recessões de 2015 e 2016 acrescentaram um tom dramático ao quadro econômico. As famílias se endividaram acreditando na relativa bonança econômica provenientes do ciclo de commodities e do crescimento do crédito, além dos incentivos concedidos pelo governo, e agora amargam um comprometimento altíssimo da sua renda. Da mesma forma, as empresas viram suas margens de lucro reduzidas pelos sucessivos choques de custos e pela forte queda de vendas. Com isso, a arrecadação tributária despencou, agravando em muito o problema fiscal. Para se ter uma dimensão da piora do quadro fiscal, basta lembrar que logo no início do segundo governo Dilma o então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, anunciou que perseguiria uma meta de superávit primário de 1,2% do PIB em 2015 e 2,0% do PIB a partir de 2016. Cerca de um ano e meio depois, a equipe econômica do governo Termer, acima de qualquer suspeita em termos de ortodoxia fiscal, anunciou que o déficit primário será de 2,7% do PIB em 2016 e de 2,1% do PIB em 2017. Houve uma piora de quase 5% do PIB no resultado fiscal esperado em um intervalo inferior a dois anos! 

Diante desse quadro, o programa do PMDB "Ponte para o Futuro" é um alento para os que se preocupam com a deterioração financeira e com o esgotamento do modelo de crescimento do Brasil. O programa é de uma incrível ousadia política pois trata de cortar gastos, privatizar, conceder para a iniciativa privada, retirar privilégios, flexibilizar a legislação trabalhista e por aí vai. São medidas absolutamente necessárias mas que encontram muitos adversários entre os que se beneficiam do Estado grande. O fato desse documento ter sido proposto pelo partido do atual governo traz razões para otimismo pois o diagnóstico é avançado e modernizante. No entanto, a sua execução é complexa. É preciso consolidar o impeachment e, a partir daí, aprovar a nova agenda no Parlamento. Essa nova agenda tem um viés liberalizante que não é a tradição do Brasil. Ao contrário, temos perseguido uma agenda de bem­estar social e Estado grande. Além disso, o sucesso da nova agenda demanda uma série de reformas profundas do Estado brasileiro. A ideia de criar um teto de gastos para a administração pública é interessante pois coloca, de maneira clara, uma restrição orçamentária: não se pode gastar acima do teto fixado que é dado pela despesa do ano anterior corrigida pela inflação. Contudo, isso não é viável se não houver uma reforma da previdência que reduza expressivamente o número de novos aposentados a cada ano e que vede o aumento real dos benefícios previdenciários. A razão é aritmética: os benefícios do INSS e do LOAS respondem por cerca de 45% do total de gastos do governo federal. Esses benefícios crescem pelo menos 4% em termos reais todo ano, dado pelo aumento da população em idade de receber tais benefícios. Se ainda houver um reajuste real de digamos 2% dos benefícios (salário mínimo), o crescimento vai para 6%. Sendo assim, para que toda a despesa pública não tenha crescimento real, é preciso contrair fortemente os outros gastos, incluindo aí salários de funcionários e gastos com educação e saúde. 

A aprovação do teto de gastos demandará forte reforma do Estado. No entanto, a gravidade do problema fiscal demanda soluções urgentes. A tranquilidade do mercado financeiro, refletida nos preços dos ativos domésticos, está sendo influenciada, em grande parte, por eventos externos. Do início do ano para cá, houve forte redução das taxas de juros de longo prazo das economias desenvolvidas. Essas taxas encontram­se hoje entre zero e 1% ao ano. Diante disso, os investidores passaram a buscar retornos maiores em países mais arriscados como o Brasil. Essa realidade pode mudar rapidamente. Se formos apanhados por uma piora das condições financeiras externas sem ter feito o ajuste fiscal, as reservas cambiais, que hoje parecem confortáveis, serão certamente insuficientes. A ponte para o futuro deve ser construída logo para não sermos assombrados pelos fantasmas do passado.

Fernando Rocha é economista­chefe e sócio da JGP Gestão de Recursos Ltda Arlindo Raggio é diretor­executivo e sócio da JGP Gestão de Recursos Ltda

Este artigo reflete as opiniões dos autores, e não do jornal Valor Econômico, e não deve ser considerado oferta ou aconselhamento de investimento. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações. 



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