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Sucessão de Cunha expõe divisão da base e os desafios para Temer

Veículo: Valor Economico 

Seção: Política 

A nova configuração da Câmara dos Deputados representará dificuldade maior para o presidente interino Michel Temer. A disputa fragmentada para a presidência da Casa, com 13 candidaturas, desembocou em um segundo turno entre os dois grupos que disputam o protagonismo na base, o centrão e a antiga oposição. A divisão tende a cobrar seu preço. A ida de Rodrigo Maia (DEM­RJ) e Rogério Rosso (PSD­DF) para o segundo turno demonstrou que a articulação política do Palácio do Planalto foi bem sucedida ao tentar afastar da disputa candidatos hostis, embora não tenha conseguido unir a base em torno de um nome. Ambos são amigáveis e mantêm boas relações com o Planalto, mas Temer terá o desafio de recompor sua base de sustentação no Congresso. 

"Politicamente o governo patinou. A pulverização deixará sequelas na base, muitos deputados incomodados e ressentidos e exigirá um esforço muito grande de recomposição", afirmou o deputado Danilo Forte (PSB­CE), expemedebista próximo de Temer. A avaliação era ouvida de vários outros parlamentares ontem. "Todas as votações exigirão um nível de negociação maior." Líder do PSD, Rosso era o candidato do centrão e do ex­presidente Eduardo Cunha (PMDB­RJ). Teve 106 votos no primeiro turno. Maia era apoiado pela antiga oposição (PSDB, PPS e PSB) e terminou na frente, com 120 votos. Mas candidatos do campo do centrão, que se dividiu em múltiplas candidaturas na primeira etapa, somavam mais votos que o conglomerado que apoiava Maia. No segundo turno, o PT tendia a apoiar o DEM, e o PMDB, o candidato do centrão. 

Se afastada definitivamente a presidente Dilma Rousseff na votação do impeachment pelo Senado na volta do recesso, o governo Temer precisará de uma base aliada no Parlamento consolidada e afinada com o projeto que se pretende desenvolver até 2018. A agenda de reformas que exigem quórum qualificado de dois terços é extensa, a começar pelo projeto número um deste ano, a proposta de emenda à Constituição que institui um teto de gastos públicos. Temer evitou se envolver diretamente na disputa, mas ministros trabalharam intensamente nos bastidores. Não foi o suficiente, porém, para romper a divisão interna na base. Viu inclusive o partido que preside há 15 anos, o PMDB, lançar candidato, pela insatisfação com a distribuição de cargos e emendas para os outros agrupamentos da base. 

Ex­ministro da Saúde de Dilma, Marcelo Castro (PMDB­PI) venceu eleição interna apertada no PMDB e contra a vontade do Palácio, que defendia apoio a outro candidato da base. O trabalho era para que os pemedebistas apoiassem Rosso. Ele, contudo, se viabilizou com apoio dos descontentes dentro do seu partido e ganhou corpo ao buscar votos fora da base. Contrário ao impeachment, recebeu apoio formal do PT, que se mostrou irreal: Luiza Erundina (Psol­SP) e Orlando Silva (PCdoB­SP) somaram 36 votos, mais que o dobro de suas bancadas. 

Castro, que acabou com 70 votos, quase metade dos deputados de PT e PMDB, também teve dificuldade de manter o apoio do próprio partido. A aliança com os petistas custou a oposição do Palácio do Planalto, que investiu contra a candidatura. A maior parte do PMDB do Rio, por exemplo, fez campanha por Rodrigo Maia (DEM­RJ). "Apoiamos o Marcelo para evitar que o PMDB ficasse com o Rosso no primeiro turno", confidencia um pemedebista. O recado do PMDB, contudo, foi sentido no Palácio. O entendimento é que, no mínimo, o partido receberá de volta o Ministério do Turismo ­ o mais cotado é o deputado Marx Beltrão (AL), aliado do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB­AL). Logo depois do resultado, Castro declarou apoio a Rosso, dizendo que viu a ação do governo para fortalecer Maia. 

A antiga oposição ao PT, formada por PSDB, DEM, PPS e PSB, foi o grupo mais coeso, unido oficialmente em torno da candidatura de Rodrigo Maia, genro do ministro Moreira Franco. Ele cresceu em apoio no último dia, o que líderes do "centrão" acusaram ser uma armação do próprio governo, suspeita reforçada pela participação de. Temer em jantar da cúpula do DEM no dia anterior. O candidato do DEM é um ex­aliado de Cunha que, desde o movimento do centrão para impedi­lo de assumir a liderança do governo, rompeu com o pemedebista e passou a planejar a sucessão. Ensaiou aliança com o PT, depois rejeitada, mas continuou com apoio de parte da esquerda. Orlando Silva concorreu para tirar votos de Castro no primeiro turno e parte expressiva do PDT votou em Maia. 

A antiga oposição se uniu, principalmente, para enfrentar o grupo de Cunha. Mas, sem a liderança do pemedebista, o centrão se dividiu em nove candidaturas que ameaçavam as chances de Rogério Rosso chegar ao segundo turno. Favorito na largada, com uma base de 180 deputados, o líder do PSD viu o grupo perder a unidade. Os partidos pressionaram, mas apenas Beto Mansur (PRB­SP) e Gilberto Nascimento (PSC­SP) aceitaram sair. "Ninguém sabe quem vai para o segundo turno se não nos unirmos", explicou Mansur. Dito e feito, os dissidentes somaram 77 votos no primeiro turno. Quase todos os partidos do grupo lançaram candidatos, mesmo que à revelia dos líderes. O principal baque na candidatura de Rosso, porém, foi o suporte do PR ao segundo­vice­presidente da Câmara, Fernando Giacobo (PR), que presidiu sessões na ausência de Cunha. Forte na bancada ruralista e com uma rede de contatos em vários outros partidos, estabelecida com a distribuição dos 72 cargos que a vaga na direção da Casa lhe proporcionou, era o candidato do baixo­clero e da cúpula do PR. Mas teve apenas 59 votos. 

Apesar da disputa intensa, o novo presidente da Câmara ficará no cargo por apenas seis meses para concluir o mandato de Cunha, que renunciou há seis dias para tentar evitar de processo de cassação. O eleito exercerá o papel de vice­presidente da República caso o impeachment seja confirmado ­ e será responsável por conduzir o país e novas eleições caso Temer seja cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A fragmentação da base também já reflete uma disputa antecipada pela eleição que ocorrerá em fevereiro de 2017. O cenário ainda é aberto e incerto, mas já há candidaturas postas: o líder do PTB, Jovair Arantes (GO), pelo centrão, se esse grupo ainda existir, e o líder do PSDB, Antônio Imbassahy (BA), pelo outro bloco. 



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