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'Pecado original' de Dilma pode ter sido ignorar Lula

Veículo: Valor Economico

Seção: Politica 

E se Dilma Rousseff não tivesse barrado o "volta, Lula" em 2014? E se tivesse nomeado Henrique Meirelles, e não Joaquim Levy, para o Ministério da Fazenda, desde o início do segundo mandato, como queria Lula? E se tivesse nomeado Jaques Wagner, e não Aloizio Mercadante, para a chefia da Casa Civil, como era o desejo de Lula? E se a Operação Lava­Jato não tivesse avançado sobre o PT e sobre Lula com a força que virou as ruas contra o governo? E se o juiz Sérgio Moro não tivesse autorizado a divulgação do diálogo entre Dilma e Lula, que sugere desvio de finalidade na nomeação do ex­presidente para a Casa Civil?

E se, ao menos, ela fizesse um mea culpa, o que nunca fez, nem em conversas reservadas? Dilma Vana Rousseff continuaria na história apenas como a primeira mulher eleita presidente da República, ao invés de figurar, também, como o segundo presidente a sofrer impeachment em três décadas de democracia? 

"Na política não existe 'se', existem os fatos, que culminaram no impeachment, com consequências imprevisíveis", analisa um alto dirigente do PT. Ele admite que essas perguntas roubaram o sono de petistas e militantes nas últimas semanas.

Para este petista, o "pecado original" que desaguou no impedimento não é o presidente afastado da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB­RJ), porque deflagrou o processo num "ato de vingança", como Dilma tem afirmado em seus discursos. O "pecado original" da crise política está em Dilma não ter aberto o flanco para que Lula fosse o candidato à sucessão presidencial em 2014, afirma. Mesmo após a sucessão de denúncias contra ele, Lula continuou liderando em pesquisas a corrida presidencial. 

Segundo dois interlocutores de Lula ouvidos pelo Valor, o ex­presidente esperava que sua sucessora lhe cedesse a vaga. A inércia de Dilma motivou o "volta, Lula". Cabeças dessa corrente, como a senadora Marta Suplicy (SP), ex­PT, hoje no PMDB, e o ex­ministro Gilberto Carvalho se ofereceram para falar com Dilma e pedir­lhe que deixasse Lula ser candidato, mas o expresidente desautorizou as iniciativas. 

Um pemedebista que permaneceu ao lado de Dilma ­ mesmo depois que a Executiva Nacional do PMDB sacramentou o rompimento com o governo, em março ­ aponta o dedo para o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, antecessor de Jaques Wagner na Casa Civil: "Mercadante é o coveiro desse governo", acusa. 

Por causa de Mercadante, que era o braço­direito de Dilma, ela viu ruir a relação com o PMDB e terminou como alvo de "chacota" no Congresso. 

Por confiar no presidente do PSD, o ex­ministro das Cidades Gilberto Kassab, ela investiu no desgaste da relação com o PMDB, o principal aliado. Em meio à campanha à reeleição, Kassab convenceu Dilma e Mercadante que fundaria um novo partido, o PL, fruto da fusão do PSD com o Pros e com a adesão de deputados insatisfeitos. A futura bancada seria maior que o PMDB e livraria Dilma do "fisiologismo" do principal aliado. 

Dilma virou "chacota" porque Kassab, e o presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), transformaram­se nos maiores traidores do Planalto, no curso das negociações para conquistar votos contrários ao impeachment na Câmara. Uma fonte do Planalto admite que Kassab fazia reuniões com os ministros Jaques Wagner (Gabinete Pessoal) e Ricardo Berzoini (Secretaria de Governo), e depois levava as listas com os votos pró­Dilma para os auxiliares de Temer. 

Já o presidente do PP, Ciro Nogueira, teria convencido Dilma a não sacramentar os cargos negociados com o partido antes da votação do impeachment. Depois, segundo uma fonte palaciana, ele obteve espaço maior no futuro governo de Michel Temer, ao garantir para a sigla a presidência da Caixa Econômica Federal, além do comando de dois ministérios, que já havia articulado com Dilma.

O começo do fim, na visão de pemedebistas, foi quando Dilma ignorou os conselhos do senador Jader Barbalho (PMDB­PA), num jantar no Palácio da Alvorada, com o vice­presidente Michel Temer e o então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, no dia 7 de abril de 2015. No dia seguinte, Temer assumiu a articulação política do governo, função que exerceu por quatro meses e culminou no esgarçamento da relação entre PMDB e Planalto. 

"Temer me levou para falar com Dilma porque sou casca grossa, digo o que tem que ser dito", diz Jader. O pemedebista alertou que era um "erro" Dilma delegar um poder que é inato ao presidente da República para um terceiro. Inicialmente, Dilma cogitou até nomear Temer ministro, e Jader advertiu: "quem nomeia, demite, como a senhora vai demitir o seu vice?" Ele acrescentou que se a aposta fracassasse, poderia levar ao rompimento das relações com o PMDB. 

Era uma profecia. Segundo um integrante da equipe de Temer na articulação política, Dilma descumpriu a palavra e nunca deu autonomia para o vice. "Ela enviava Mercadante e Berzoini a todas as reuniões", relembra. 

O começo do fim, na avaliação de petistas, ocorreu já na posse do segundo mandato, em janeiro de 2015, quando ela assumiu um discurso contrário ao da campanha, surpreendendo eleitores e sua base social. "Ela assumiu e foi logo falando em ajuste fiscal, Reforma da Previdência, prometeu uma coisa e fez outra, enquanto a Lava­Jato corria solta", critica uma liderança do PT. 

Um de seus auxiliares mais próximos a defende com convicção. Diz que ela nunca pode começar o segundo mandato. Lembra que no dia seguinte ao resultado das urnas, a oposição pediu auditoria dos votos, que houve uma denúncia de corrupção atrás da outra. Argumenta que o ex­presidente Fernando Henrique Cardozo enfrentou uma grave crise econômica no segundo mandato, mas contou com o então presidente da Câmara, Michel Temer, que abriu caminho para a votação das matérias que aliviariam a turbulência. "Eduardo Cunha sempre a atrapalhou na Câmara", acusa. "Estavam todos contra ela, Ministério Público, Polícia Federal, Tribunal de Contas, Congresso, fica difícil sustentar um governo assim", lamenta. 

Há alguns meses, ela adotou como bordão um verso de uma música de Lenine: "eu envergo, mas não quebro". Orgulhosa e teimosa, Dilma não mostra abatimento. Apraz­lhe cultivar a imagem da "guerrilheira", que foi presa e torturada durante a militância política contra a ditadura militar. 

Foi sua biografia que a fez investir no confronto de biografias com Eduardo Cunha no rastro do impeachment. "Eu não sou acusada de possuir contas no exterior", repete em discursos. Mas é responsabilizada, contudo, pela escalada da inflação, dos juros e do desemprego. 

Nenhum de seus aliados ­ agora ex­aliados ­ questiona sua biografia ou dignidade pessoal. Mas todos afirmam que ela perdeu a capacidade de governar. "Ela quebrou o país", acusa um parlamentar da cúpula do Congresso. "O erro dela foi rezar terço em zona de meretrício", tripudia outro ex­aliado. Se no julgamento final, o Senado reconduzir Dilma, um integrante da Mesa Diretora do Senado diz que ela não terá sustentação política. "Como ela vai governar com uma base de 130 deputados e um terço dos senadores?", questiona. 



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