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Impeachment não basta para Brasil atrair gestor global

Veículo: Valor Economico 

Seção: Finanças 

Ainda que alguns ativos já tenham começado a se valorizar, os ajustes públicos e privados em mercados emergentes vão levar ao menos dois anos. Essa é a convicção de Jakob Tanzmeister, que integra em Londres o time de gestão do fundo Global Macro do J.P. Morgan, responsável por alocar US$ 5 bilhões em diferentes tipos de ativos em todo o mundo. A equipe está cautelosa sobre mercados emergentes, não tem posições expressivas na América Latina há dois anos e está fora de Brasil há três. 

Em visita a investidores brasileiros, Tanzmeister disse ao Valor que questões como o endividamento externo das companhias de países emergentes, reforçado pela desvalorização de suas moedas, faz com que a gestora não pretenda voltar para as bolsas desses países no curto prazo de forma agressiva. Sobre o Brasil, Tanzmeister diz que um impeachment não é suficiente para voltar a atrair o investidor global. Além de soluções reais internas, é preciso que haja uma estabilização nos preços internacionais das commodities. Veja os principais trechos da entrevista exclusiva.

Valor: Uma fonte de preocupação para o investidor brasileiro hoje é a economia americana. Ela de fato pisou no freio? 

Jakob Tanzmeister: Temos que admitir que a recuperação da economia americana deu um passo para trás recentemente. A taxa de crescimento está muito mais fraca, o que não significa que os Estados Unidos estejam indo para uma recessão. Cerca de 70% do PIB americano vem de consumo e os consumidores estão se comportando bem. Existe uma aparente falta de crescimento de produtividade na economia, o que significa que esse nível baixo corrente de crescimento vai provavelmente ser persistente. Não penso que devemos esperar muito mais que um crescimento de 1,5% no longo prazo para os Estados Unidos. Isso significa que os riscos de recessão vão voltar a ocorrer mais frequentemente. 

Valor: A desaceleração é suficiente para evitar uma elevação rápida de juros pelo banco central americano, o que poderia fazer sofrer economias emergentes?

Tanzmeister: Isso é algo que monitoramos de perto. Dado que a taxa de juros caiu tanto e o colapso dos preços da energia do ano passado não vai se repetir este ano ­ o que significa que a inflação ano a ano pode subir ­ isso pode colocar o Banco Central em uma posição em que o mercado está solido, a inflação está subindo, e eles podem ter que subir as taxas. Mas eles deixaram claro que preferem ser muito cautelosos, ainda que a inflação suba por um tempo, a aumentar a taxa de juros rápido demais e matar qualquer lento progresso de recuperação. Ou, de fato, causar ainda mais problemas para mercados emergentes. Acho que eles reconhecem isso muito claramente. O mundo emergente não pode ir a um passo rápido sem os Estados Unidos e a Europa e vice­versa. Os EUA não vão ter uma recuperação forte a menos que haja algum suporte dos países emergentes. 

Valor: Então essa não precisa ser uma preocupação dos emergentes? 

Tanzmeister: Não. E certamente essa tem sido uma razão da recuperação dos preços dos ativos. Penso que é mais uma recuperação técnica, porque em termos de fundamentos as coisas não melhoraram tanto ainda.

Valor: O outro país que tira o sono dos investidores brasileiros é a China. Preocupa vocês? 

Tanzmeister: Olhando para as questões domésticas na China, o que nos preocupa é o rápido crescimento do crédito na última década. Você pode argumentar que a China tem suficientes recursos e poder de fogo para lidar com essa questão internamente, mas isso pode retirar recursos que sustentariam o crescimento, ou seja, pode significar mais desaceleração. Claro que tem um impacto em todas as economias orientadas para a exportação de commodities, como África do Sul, Chile e Brasil. É preciso que haja mais evidências de que a situação dos fundamentos está melhorando, mas isso definitivamente não vai acontecer, como vimos nos preços dos ativos, no curso de duas semanas. Eu diria que o rebalanceamento dos mercados emergentes, tanto público quanto privado, vai demorar pelo menos dois anos para acontecer. 

Valor: E quanto à Europa? Há um risco de crise bancária?

Tanzmeister: Não acho que tenha risco de uma crise bancária ampla, mas penso que o que está se tornando evidente é que há uma opção a menos para a política do Banco Central Europeu ­ reduzir ainda mais os juros. O sistema financeiro europeu está ainda muito fragilizado, não é lucrativo e não tem capital para suportar taxas de juros ainda mais negativas. 

Valor: Onde estão as oportunidades de investimento nesse contexto?

Tanzmeister: Não é hora de ter grandes posições heroicas direcionais, por exemplo, no mercado de ações. É um momento para investimentos de valor relativo. Miramos posições de longo prazo em setores e mercados que achamos que se encaixam nesse ambiente de baixo crescimento, como ações de 'utilities' [concessionárias de serviços] e telecomunicações na Europa e de saúde nos EUA. Lucros sólidos, bons balanços, esse é o tipo de companhia que queremos ter em um ambiente de baixas taxas de crescimento e baixa inflação. E estamos preocupados com o setor industrial. A manufatura está desacelerando e o crescimento de produtividade está baixo. Muitas dessas companhias foram avaliadas para um cenário perfeito, de crescimento de 4,5% nos mercados desenvolvidos, o que parece pouco provável. Protegemos algumas das posições compradas com posições vendidas nesse segmento. 

Valor: Como estão as posições em mercados emergentes? 

Tanzmeister: Por um longo período temos estado muito cautelosos, para não dizer baixistas, retornando para uma instância mais neutra. Você não pode ignorar o fato de que tem uma grande história se construindo nessa classe de ativo, mas muito do que temos visto até agora está barato por boas razões. A alavancagem é muito maior nos mercados emergentes, grandes empresas pegaram dinheiro emprestado em moedas fortes e têm se machucado porque suas moedas se desvalorizaram. Até que vejamos uma estabilização sustentada e uma virada, com as companhias endereçando os problemas em seus balanços, não vamos voltar para essa classe de ativos muito agressivamente. Estamos monitorando de perto se tem algo que poderia dar substância ao rali recente, mas até agora achamos que há razões para permanecer cautelosos. 

Valor: E na renda fixa, há oportunidades em emergentes? 

Tanzmeister: No momento, temos que pensar sobre três coisas no setor corporativo: você está sendo compensado pelo risco de calote? E pelo risco de juros? E pelo risco de liquidez? Os recentes desenvolvimentos de preços me dizem que o último elemento do risco está ainda mal precificado. Temos uma posição vendida no crédito corporativo na Ásia, mas não na América Latina. 

Valor: Algum país latino parece atraente para investimentos? 

Tanzmeister: No momento não temos qualquer posição. Na maior parte dos últimos dois anos, tivemos somente algumas posições no México, mas por causa da ligação com a economia dos EUA. Liquidez para nós é uma grande preocupação. Em um ambiente de mercado ilíquido, o investidor global precisa ver um prêmio adicional sendo pago para tomar essa posição. No Brasil não temos posições direcionais há três anos. 

Valor: Um eventual impeachment faria vocês pensarem em voltar a investir no Brasil? 

Tanzmeister: Agora penso que o risco é muito binário, o que torna o país não atraente. Buscamos oportunidades de investimento assimétricas, com mais possibilidade de alta do que baixa. Aqui posso ver muita alta, mas também posso ver significativa queda. O risco político permanece um motor principal dos preços dos ativos e isso é difícil de prever. Há outras opções com preços mais assimétricos no mundo. 

Valor: Se houver um impeachment, vocês devem pensar em voltar a investir em ações brasileiras? 

Tanzmeister: Não penso que um evento único como um impeachment da presidente Dilma resolve questões que temos no Brasil hoje. Esse é provavelmente mais um bloco construtor. Temos que ver uma administração que lide com a corrupção e uma estabilização nos preços internacionais das commodities para que possamos ver uma recuperação sustentada. 

Valor: Você é o responsável na equipe por conversar com investidores em todo o mundo. Como está o sentimento geral sobre o Brasil? 

Tanzmeister: Os mercados emergentes como um complexo têm desafios. O Brasil tem fatores adicionais internos, mas há várias questões externas, como a desaceleração da China, que afetaram todo o conjunto. Então não é só sobre Brasil. A política e a situação com a corrupção causam muita incerteza para o investidor. Se você tem um foco em mercados emergentes, você pode olhar para essa diferença e ver uma oportunidade no Brasil: uma parte do problema parece começar a ser resolvido. Mas quando você é global e tem grau de liberdade para investir em diferentes regiões e instrumentos, os riscos ainda estão muito reais para considerar essa como uma oportunidade de investimento atraente. Penso que é assim que muitos investidores globais estão olhando para a região hoj

 



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